Línguas ameaçadas de extinção e diversidade linguística

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O doutorando em Linguística Artur Gonçalves ensina a palavra obrigado em sua língua: a Baniwa. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB.

Línguas ameaçadas de extinção existem! Espera um pouquinho aí… Você não sabia que o fenômeno da extinção não ocorre apenas com a biodiversidade do planeta?! Então você está no lugar certo!

A edição do Enem de 2022 exigiu que os candidatos escrevessem uma redação sobre o tema Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil. Talvez você ficará surpreso com o fato de como o tema deste texto tem relação com o da redação do Enem.

Fique com a gente até o final e depois nos conte se você conseguiu encontrar a relação que nós apontamos!

Veja também: Existem palavras de origem africana na língua portuguesa? Conheça

Para além da biodiversidade: a diversidade linguística

Foto de um bioma representando a biodiversidade. Imagem: lifeforstock no Freepik.

Como você já deve saber, a biodiversidade – ou diversidade biológica – é a palavra com a qual nomeamos a variedade de formas de vida existentes no planeta. Ela engloba desde as células, os piolhos e as formigas até as plantas e os animais de todo tipo, incluindo nós, os humanos.

As línguas, assim como as formas de vida no planeta, também existem em grande quantidade. Quantas línguas você é capaz de contar neste exato momento? 3? 10? 15? Pois bem, conta-se, há muito tempo, mais ou menos 7 mil línguas em todo o planeta.

Só no Brasil, por exemplo, para além do português brasileiro, são faladas línguas indígenas (mais ou menos 154 línguas!), línguas de imigrantes (o japonês, o alemão, o italiano, o espanhol, o inglês…), línguas de sinais (a libras, a cena…), e até línguas planejadas (como o esperanto).

O português brasileiro não é uma “coisa” só!

Mapa do território nacional – divisão política. Imagem do IBGE.

Ao contrário do que muita gente pensa, o português brasileiro não é tão homogêneo quanto pode parecer.

Na verdade, é demais esperarmos que uma língua falada por mais de 210 milhões de habitantes, distribuídos em um território de 8.510.345,540 km² (já ouviu que o Brasil tem dimensões continentais?!) seja exatamente igual para todos, em todos os lugares.

Assim, é comum escutarmos diferentes falares da mesma língua e supormos a que região do país a pessoa pertence.

Aliás, uma das funções da escrita é conferir, por necessidades práticas, uma homogeneização à variação naturalmente presente na língua falada, para que a comunicação escrita (a oficial e a do nosso cotidiano) possa ser feita de maneira simples, rápida e da mesma forma para todos, independentemente da variedade linguística que possua.

Um outro ponto interessante a se considerar é que não só o português brasileiro é um “guarda-chuva” de falares diversos.

De maneira um pouco diferente, o que costumamos chamar de chinês é, na verdade, um conjunto de línguas diferentes, que abarca, entre outras, o mandarim, o cantonês e o hakká, por exemplo.

Mas, geralmente, quando nos referimos ao chinês, estamos falando do mandarim, a língua chinesa politicamente mais influente.

Caso similar é o do espanhol, que também não é bem uma língua, uma vez que na Espanha se falam diferentes línguas, como o castelhano, o galego e o basco. É por razões (gloto)políticas que se convencionou chamar a língua castelhana de espanhol.

Línguas ameaçadas de extinção

Pode parecer óbvio, mas as línguas não existem concretamente como uma árvore ou um cachorro.

Na realidade, as línguas existem nos falantes, e os falantes se expressam por meio das línguas. Desse modo, são línguas ameaçadas de extinção se elas não estão sendo transmitidas às novas gerações de pessoas da comunidade.

As principais vítimas desse fenômeno, presente no Brasil e em outras partes do mundo, são as comunidades indígenas, em decorrência da baixa no número de falantes de suas línguas nativas. Mas por que as pessoas dessas comunidades estão deixando de falar suas línguas?

Para começar, muitas línguas de povos originários já foram extintas porque muitos desses povos foram exterminados com o contato europeu do período das Grandes Navegações, a partir do século XV – seja em razão de guerras, epidemias e mesmo de assimilação cultural.

Mais recentemente, alguns povos, cujo falantes nativos são idosos, estão desaparecendo com a morte de seus últimos membros, levando consigo suas línguas.

Na atualidade, todos sabem que há línguas que, por questões políticas, econômicas etc., recebem maior prestígio do que outras, como ainda é o caso do inglês (considerado a língua para a comunicação internacional) e de línguas europeias como o francês e o alemão.

As línguas indígenas, ao contrário, infelizmente sofrem os efeitos nocivos desse prestígio.

As línguas pertencentes às comunidades indígenas não são valorizadas pela população no geral, e agora vem ocorrendo a sua desvalorização pelos próprios membros dessas comunidades – estas que são as únicas capazes de manter as línguas “vivas”.

Alguns fatores que levam os falantes dessas línguas a abandoná-las:

  • a falta de ensino, nas escolas, através das línguas nativas às crianças – pois o Estado costuma priorizar o ensino por meio da língua oficial (o português brasileiro);
  • a falta de um sistema de escrita, dado que essas línguas possuem uma tradição oral – o que dificulta seu registro e sua ampla circulação por meio de livros e na internet, por exemplo;
  • o deslocamento de membros dessas comunidades para outras regiões do país, em busca de emprego e outras condições – o que lhes exige, diariamente, que falem a língua hegemônica desses espaços (o português brasileiro).

Veja também nosso vídeo sobre educação e cultura!

Algumas propostas de intervenção

Felizmente, há algumas décadas, lideranças indígenas em parceria com instituições de pesquisa brasileiras e estrangeiras começaram a se mobilizar para fomentar o reconhecimento de suas culturas locais à população geral.

Um dos resultados dessa mobilização, a nível mundial, foi a publicação, em 2010, do Atlas das Línguas do Mundo em Perigo, um documento oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) que apresenta uma rica quantidade de informações sobre as línguas ameaçadas de extinção ao redor do mundo.

Outras iniciativas têm sido a documentação dessas línguas por linguistas e por membros das comunidades, e a criação de sistemas de escrita para essas línguas – com a finalidade de se produzir materiais didáticos como gramáticas descritivas, dicionários, coleções de narrativas e outros registros, além de sites na internet (nas próprias línguas).

Com esse tipo de iniciativa, espera-se contribuir para a preservação e a revitalização das línguas ameaçadas de extinção, valorizando-as novamente.

Espera-se também divulgar a cultura local para a população geral; utilizar o material produzido no espaço escolar das comunidades e em pesquisas futuras; e incentivar cada vez mais pessoas da população geral a se engajarem em mais iniciativas de preservação e revitalização.

Chegamos ao fim!

A extinção de uma língua leva inevitavelmente à desaparição de diversas formas de patrimônio cultural, já que se trata de práticas sociais, de rituais, de artesanato, de um acervo de expressões orais de uma comunidade, de conhecimentos sobre a natureza – no tocante à sua proteção, por exemplo – e sobre o universo.

Para encerrar, você acha que a questão da demarcação das terras indígenas tem alguma relação com o fenômeno das línguas ameaçadas de extinção? Justifique sua resposta abaixo, nos comentários! 😉

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Conteúdo escrito por:
Um híbrido confuso de alagoano e paulista (ora osasquense, ora sancarlense). Aspirante a linguista e futuro pesquisador. Cursando Linguística na UFSCar. Acredita que uma educação política mais rica deve fomentar discussões sobre a linguagem.

Línguas ameaçadas de extinção e diversidade linguística

15 maio. 2024

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