Mais valia: o conceito central da teoria marxista

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Você já ouviu falar em mais valia? Talvez não, mas é provável que já tenha ouvido falar em Marxismo, certo? A teoria marxista, elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels, consiste em uma interpretação política, econômica e social do sistema capitalista. Neste post, falaremos sobre a mais valia, conceito central na obra de Marx. 

A mais-valia consiste na interpretação marxista de lucro, e é a base de como essa corrente entende o funcionamento do sistema capitalista. É a partir da ideia de mais-valia que surge o argumento da luta de classes, que está na raiz dos  ideais socialistas. 

Para os adeptos de outras correntes econômicas, como o liberalismo, o argumento da mais-valia não é aceito, visto que ele faz parte da teoria marxista. Ainda assim, conhecer os diferentes argumentos é importante para o debate político. Então vamos lá! 

Características do sistema capitalista

Antes de falar sobre o conceito de mais-valia em si, é preciso compreender alguns aspectos de como o  marxismo caracteriza o sistema capitalista. 

Essa corrente de pensamento político-econômico entende que a sociedade é marcada por um antagonismo decorrente do processo de produção capitalista.  Esse antagonismo resulta do fato de que existem dois grupos dentro da sociedade: aqueles que possuem os meios de produção (capitalistas), e aqueles que não os possuem (proletários). Meios de produção são, por exemplo, o capital (dinheiro para gerar investimentos na produção) e a propriedade física (como a fábrica e seu maquinário). 

De acordo com a teoria marxista, por não deter os meios de produção, o proletário é levado a vender sua força de trabalho ao capitalista, para poder garantir sua subsistência. Dessa maneira, a própria força de trabalho/mão de obra torna-se uma mercadoria, à medida que será vendida em troca de dinheiro (salário). 

Se antes do sistema capitalista cada pessoa produzia para suprir suas próprias necessidades, com a implementação desse sistema a produção passa a ser voltada para a lógica do lucro. 

Esse processo é descrito por Marx por meio da equação D – M – D’ (Dinheiro [D] é utilizado para produzir uma mercadoria [M], que será vendida em troca de mais dinheiro [D’]).  Essa equação representa a lógica capitalista de produção para acumulação de capital.  

Sugestão: confira nossos posts sobre Sistema capitalista e Burguesia para saber mais sobre as origens desse sistema. 

Outro aspecto importante do sistema capitalista, de acordo com a teoria marxista, é a alienação. Por alienação, Marx refere-se ao afastamento do trabalhador do produto final de seu trabalho. Antes do sistema capitalista, as pessoas produziam para si mesmas, não para um patrão, e eram responsáveis pela produção integral do bem (um artesão, por exemplo, era responsável pela produção de um móvel inteiro). No sistema capitalista, no entanto, o trabalho é dividido ao longo de uma cadeia de produção e os proletários participam apenas de uma parte da construção ou montagem, sem ter conhecimento do produto completo. Esse afastamento do trabalhador do produto final é essencial para a exploração de mais-valia, como veremos a seguir. 

A teoria da mais valia

Marx percebe que há uma disparidade entre o valor produzido pelo trabalhador e a remuneração que ele recebe. Vejamos um exemplo de como isso acontece: 

Em 10 dias de trabalho um trabalhador da indústria têxtil produz o valor equivalente a 50 peças de roupa (1.000 reais, por exemplo). Em um mês de trabalho (22 dias), então, ele teria produzido um valor de 2.200 reais. No entanto, o salário que ele recebe é de apenas mil. Isso significa que durante 12 dias de trabalho ele produz um valor que fica inteiramente com o capitalista (patrão). 

O trabalho realizado durante os 10 dias pelos quais o trabalhador efetivamente é remunerado, é chamado por Marx de trabalho necessário, pois é o tempo de trabalho que proporciona a ele as condições para sua subsistência. Os outros 12 dias de trabalho, cujo valor é apropriado pelo capitalista, é denominado trabalho excedente. A mais valia, por sua vez, é o valor gerado pelo trabalho excedente.

O que é a mais valia?

A mais valia representa a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho.  Dessa maneira, ela pode ser entendida como o trabalho não pago, ou seja, são horas que o trabalhador cumpre/valor que ele gera pelos quais ele não é remunerado. 

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(A charge pode ser entendida como uma representação da teoria da mais-valia. Ela demonstra a disparidade entre o valor criado pelo trabalhador e a parcela desse valor que ele recebe).

A teoria marxista entende que a alienação, mencionada anteriormente, exerce um papel fundamental na exploração da mais valia. O afastamento do trabalhador do produto final de seu trabalho é o que possibilita a divisão do trabalho em trabalho necessário e trabalho excedente

Antes do sistema capitalista, quando um trabalhador era integralmente responsável pela produção, o valor de seu trabalho era mais visível. Ou seja, era possível saber exatamente em quanto tempo de trabalho ele conseguia produzir as condições para sua subsistência. No sistema capitalista, com o afastamento do trabalhador de seu produto final, ele é incapacitado de medir o valor de seu trabalho, o que, de acordo com Marx, possibilita ao capitalista apropriar-se de parte desse valor.   

Mais valia absoluta

Como mencionamos, a mais valia representa parte do valor gerado pelo trabalhador pelo qual ele não é remunerado. Para a teoria marxista, há duas maneiras de extrair mais valia. Uma das formas é por meio do prolongamento da jornada de trabalho, para além do tempo necessário para que o trabalhador produza as condições de sua subsistência, e da apropriação desse trabalho excedente pelo capitalista. Ou seja, aumenta-se a jornada de trabalho sem que o salário tenha um aumento proporcional. Essa forma de extração de mais valia é chamada de mais valia absoluta.  

Mais valia relativa

Também é possível aumentar a exploração de mais-valia sem alterar o número de horas trabalhadas. Isso pode ser feito por meio de melhorias nos processos técnicos de trabalho, que aumentam a produtividade. Adquirir máquinas que tornem o trabalho mais rápido ou organizar a disposição dos trabalhadores nas fábricas de modo mais eficiente, por exemplo. 

Com essas mudanças aumenta-se a produtividade do trabalhador, fazendo com que ele produza mais em menos tempo. Dessa forma, o trabalhador realizará o trabalho necessário (aquele que corresponde a seu salário e suas condições de subsistência) em um tempo mais curto. Consequentemente, o trabalho excedente é prolongado, logo a extração de mais-valia aumenta. 

“A produção de mais valia absoluta gira exclusivamente em torno da duração da jornada de trabalho; a produção da mais valia relativa revoluciona totalmente os processos técnicos de trabalho e as combinações sociais.’’ (MARX, O Capital, Livro 1, Vol. 2, p. 586). 

Parece confuso? Vejamos um exemplo

Digamos que a jornada de trabalho diária de um operário é de 8 horas. Suponhamos que o salário desse trabalhador corresponde ao valor que ele produz em 3 horas de trabalho por dia, logo o trabalho necessário seria de três horas. As outras 5 horas de trabalho diário, por sua vez, compõe o trabalho excedente, cujo valor vai para o capitalista (patrão). Logo, têm-se 5 horas de extração de mais-valia

Se o capitalista deseja lucrar mais a partir da mão de obra desse operário, uma maneira de fazer isso é através do aumento da jornada de trabalho. Digamos que a jornada diária é aumentada para 10 horas por dia. O trabalho excedente, então, será de 7 horas, logo a mais-valia explorada também será referente a 7 horas. Assim, gerou-se mais mais-valia absoluta. 

Ao invés disso, digamos que o capitalista compre equipamentos mais modernos e organize os trabalhadores em uma linha de produção mais eficiente. Dessa maneira, o operário irá produzir mais em menos tempo.  Se antes ele levava 3 horas para produzir o valor referente a seu salário, agora isso será feito em 1 hora, por exemplo. Logo o trabalho excedente passará a ser de 7 horas, não mais de 5. Isso significa um aumento da mais-valia relativa. 

O cerne da luta de classes

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Como o exemplo anterior buscou demonstrar, a teoria da mais-valia argumenta que os interesses do trabalhador e do capitalista são essencialmente opostos. Para a teoria marxista, é através da exploração de mais-valia absoluta e relativa que o capitalista obtém seus lucros. Dessa maneira, trabalhadores e capitalistas estão em classes opostas: o ganho de um representa a perda para o outro. Essa é, para a teoria marxista, a essência da luta de classes: o capitalista ganha à medida que o trabalhador perde. 

“Capital, por isso, não é apenas comando sobre trabalho, como dizia A. Smith. É essencialmente comando sobre trabalho não pago. (…) O segredo da auto expansão ou valorização do capital se reduz ao seu poder de dispor de uma quantidade determinada de trabalho alheio não pago.” (MARX, O Capital, Livro 1, Vol. 2, p. 617). 

Dessa maneira, a teoria marxista enxerga o capitalismo como um sistema pautado na exploração do trabalhador pela classe capitalista. Essa exploração só é possível, dizem Marx e Engels, pelo fato de que os trabalhadores são separados dos meios de produção. Como mencionamos anteriormente, o trabalhador é levado a vender sua força de trabalho para o capitalista, que detém esses meios. 

É por essa razão que o principal objetivo do socialismo, sistema político defendido por Marx, é a tomada dos meios de produção, por entender que é através da posse desses meios que o trabalhador é explorado. 

Crítica liberal à teoria da mais-valia

Como mencionamos no início do texto, a teoria da mais-valia não é aceita pelos adeptos de outras correntes da economia política. Agora veremos os principais argumentos da crítica liberal à teoria da mais-valia. 

Enquanto a teoria marxista enxerga o sistema capitalista como um cenário de luta entre duas classes com interesses opostos, o liberalismo econômico argumenta que o capitalismo é o primeiro sistema econômico com a possibilidade de mobilidade social. Nesse sistema é possível que classes mais baixas ascendam a classes mais altas, assim como também ocorre de pessoas mais ricas tornarem-se mais pobres. Por essa razão, o liberalismo econômico não concorda com a ideia de luta de classes. 

Além disso, o liberalismo não enxerga injustiça na obtenção do lucro por parte do capitalista. Enquanto a teoria marxista aponta para a exploração do trabalhador, que tem o valor de seu trabalho parcialmente apropriado pelo capitalista, o liberalismo enfatizam o benefício do lucro. De acordo com os liberais, o lucro é necessário para movimentar a economia. Eles argumentam que, se o lucro não fosse uma possibilidade, o capitalista não teria motivações para investir.

O liberalismo econômico também argumenta que o lucro do capitalista é uma recompensa pelos riscos que ele assumiu. Eles enfatizam que o empregado tem seu salário garantido ao fim do mês, independente do sucesso ou fracasso da empresa. O capitalista, por sua vez, é quem assume os riscos. Para além de assumir os riscos, o liberalismo argumenta que o lucro é uma justa recompensa ao capitalista pelos investimentos que fez na empresa e por seu trabalho administrativo. 

Conseguiu entender o que é a mais-valia? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários! 

REFERÊNCIAS

KARL MARX, O Capital. Livro 1, Volume 2.

KARL MARX, Manifesto Comunista.

WikipediaSignificadosToda MatériaMundo EducaçãoIlispAleconomico 1Aleconomico 2Instituto Liberal

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8 comentários em “Mais valia: o conceito central da teoria marxista”

  1. Ou seja, a base do marxismo é um conceito errado, pois assume que a mais-valia é literalmente o patrão roubando do empregado, quando, na verdade, trata-se de comum acordo entre as partes, o empregado entra com a mão-de-obra, o patrão com as máquinas e matéria prima, assim, ambos saem ganhando.

  2. Nao é em comum acordo quando o lucro do patrão corresponde ao aumento do trabalho do empregado ou na diminuição do seu salário. E o lucro é exatamente esta exploração do trabalho. Ou seja, o lucro está diretamente ligado à desvalorização da “mão de obra”. Vide, por exemplo, a precarização do trabalho que tem tomado a sociedade.

  3. Antonio Ribeiro Duarte

    Desculpe Alberto não se trata de um comum acordo entre as partes. O trabalhador só chegou a esse nível de imposição de um “acordo” porque dele quando servo na idade média foi lhe tirado, deste os meios para a produção, terras, ferramentas, toda e qualquer possibilidade de que sua produção coletiva pudesse ser repartida coletivamente por aqueles que trabalharam na própria produção das mercadorias para suas próprias necessidades. Assim lhe impõe um “acordo comum” de lhe vender além do seu corpo toda e qualquer criação. E qual a origem do capital para o patrão ter as máquinas e matérias primas que outros trabalhadores produziram? No capitalismo atual teve sua origem na acumulação primitiva da coisificação de seres humanos Africanos e do roubou de ouro e prata dos povos originários das Américas, assim como qualquer herança que qualquer burguês capitalista ostenta hoje vem do roubo de seus antepassados e para concretizar os capitalistas tem um Estado, ou seja o estado de direito democrático para impor esses “livres acordos comum” que perpetuam a exploração de uma classe por outra, através de leis que os parlamentares fazem e a justiça julga como certo e liquido o roubo e um governo executivo, que facilita o credito os incentivos fiscais e uma FFAA, que matem a ordem e o progresso do roubo comumente aceitável inclusive por aqueles que são roubados , a própria classe trabalhadora. Mas é sempre bom lembra que 134 anos atrás era legal, legitimo ter um ser humano escravizado por causa de sua melanina e a 59 anos atrás na ditadura seria crime discutir, escrever isso, por isso é sempre bom analisar a sociedade em que vivemos, muito para além dos dogmas e de todas as leis, inclusive é preciso estudar a própria lei da gravidade e não aceitar tudo como um axioma dado e pronto.

  4. Artigo muito bom!

    Só lembrando que a mais-valia se baseia na teoria do valor do trabalho, do Adam Smith, que estava errada e isso desmonta toda a teoria marxista.

    Simples entender:

    (1) Um escritor trabalha um ano num livro e ninguém o compra, mas outro escritor também escreve um romance e é um sucesso. O valor do trabalho dos dois é o mesmo? Não. Um escritor vai ficar rico e o outro perdeu um ano da vida com um trabalho que só lhe deu prejuízo.

    Quem define o valor do trabalho (e, no caso do operário, trabalho é o produto a ser vendido pelo trabalhador) é o mercado consumidor.

    E você pode trocar o livro por qualquer outro produto como mão de obra, trabalho intelectual, sapato, cadeira, televisão, prédio residencial, alimentos etc.

    No contraste, vejamos o fetiche de consumo (comprar a marca) que nega a necessidade e a valorização do bem é dada pela representação de status social ou outros gostos individuais ou coletivos. A mesma camiseta comum, por causa de uma etiqueta, pode ganhar mais valor e pagar mais ao trabalhador. O trabalho é o mesmo, mas o valor é alterado por uma questão psicológica de consumo (motivo da existência de tantas agências de propaganda e marketing).

    (2) Outro exemplo é sobre o desenvolvimento da tecnologia que aumentaria a produção e o aumento da mais-valia. E Marx errou também nisso. A tecnologia não aumenta a produção do trabalhador, mas sim a produção de produtos e o trabalhador é, a cada nova onda de desenvolvimento tecnológico, mais desnecessário. Antigamente, um escritório de contabilidade que contratava 50 pessoas, hoje trabalha com duas ou três pessoas, linhas de montagem estão sendo robotizada em vários países e o número de operários está caindo a cada ano.

    Ou seja, o valor do trabalho é o valor que o mercado dá, não é uma escolha do trabalhador ou do empresário. Não é uma decisão individual, mas sim de uma série de forças de mercado.

    Espero ter sido útil.

  5. Depende. Há pessoas que recebem mais de milhão por mês no Brasil. Os salários e os rendimentos de empresários são ruins para a maioria dos brasileiros. Para ter aumento de salários e enriquecimento da maioria dos brasileiros é preciso mais livre mercado.

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Conteúdo escrito por:
Graduada de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Quer ajudar a descomplicar a política e aproximá-la das pessoas, incentivando a participação democrática.

Mais valia: o conceito central da teoria marxista

15 abr. 2024

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