O que Adam Smith quis dizer com a metáfora da Mão Invisível?

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A mão invisível é uma das metáforas mais populares e também controversas da Economia. Ela foi introduzida pelo filósofo social e economista político escocês Adam Smith (1723-1790), a quem muitos conhecem pela alcunha de pai da economia moderna ou de pai do capitalismo.

A importância dessa metáfora para as interpretações do pensamento de Smith e para as discussões que dela derivam é enorme. Porém, é curioso notar que existem apenas três passagens em toda a obra de Smith em que ele efetivamente emprega a expressão “mão invisível”.

Quer entender mais sobre Smith e a sua tão famosa metáfora? Então, continue com a leitura deste conteúdo da Politize!.

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Quem foi Adam Smith

Estátua de Adam Smith em Edimburgo. Imagem: Pixabay.

Adam Smith nasceu em 5 de junho de 1723 na cidade de Kirkcaldy, na Escócia, e morreu em 17 de julho de 1790 na capital Edimburgo. Em 1737, aos 14 anos de idade, Smith ingressou na Universidade de Glasgow. Lá, ele estudou filosofia moral, sendo profundamente influenciado por Francis Hutcheson (1694-1746), um famoso professor e teólogo da época.

Depois de passar alguns anos em Oxford, Smith retorna para a Escócia, onde, em 1751, ganha o cargo de professor de lógica na Universidade de Glasgow. No ano seguinte foi transferido para a cátedra de filosofia moral, posto em que permaneceu por 13 anos. Em 1764, assumi a posição de tutor de Henry Scott, 3º Duque de Buccleuch e 5º Duque de Queensberry.

Como tutor, Smith passou a viajar pela Europa, onde conheceu outros líderes intelectuais de sua época tais como Benjamin Franklin e Voltaire. Também entrou em contato com a Escola Fisiocrata, destaque do pensamento econômico francês do século XVIII.

Leia mais sobre Benjamin Franklin: República Moderna: Revolução Americana e Federalistas

Economy. Imagem: Adobe Stock.

A Metáfora da Mão Invisível

Como dito, a metáfora da mão invisível é tão famosa quanto controversa, mesmo aparecendo apenas três vezes em todas as publicações de Smith. A primeira em “A Teoria dos Sentimentos Morais” de 1759. A segunda em “A Riqueza das Nações” de 1776. E a terceira em “História da Astronomia”, primeiro livro da coleção “Ensaios sobre Temas Filosóficos”, publicado postumamente em 1795.

A controvérsia reside em como essa metáfora é interpretada para defender sistemas econômicos e políticos específicos. Mas o que Smith realmente disse?

A Mão Invisível na Riqueza das Nações

Em “A Riqueza das Nações”, Smith faz menção à mão invisível no seguinte trecho:

Portanto, já que cada indivíduo procura, na medida do possível, empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo valor possível, cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções (SMITH, 1983, p. 438, grifos meus).

A ideia de Smith neste trecho gira em torno da questão do crescimento econômico e do comércio exterior. As pessoas preferem empregar capital no seu país de origem do que no exterior devido a sua aversão ao risco e, por desejarem maior lucro, elas buscam indústrias de maior valor. Se cada pessoa agir dessa forma, no conjunto, o valor do produto do país será maximizado.

Em outras palavras, o conjunto de ações de indivíduos com interesses próprios pode levar a benefícios coletivos, mesmo que as pessoas não tenham a intenção de gerá-los. Neste ponto, a mão invisível se torna um vínculo dessas consequências não intencionais da ação humana. Se o mercado opera livremente, é como se houvesse uma mão invisível que canaliza todos os interesses individuais e os transforma em interesses coletivos.

A ideia de mão invisível acaba sendo usada como uma metáfora para esclarecer o que Smith não consegue explicar em outros termos. Ele recorre a um mecanismo econômico que explique como a busca pelo interesse individual se converte em bem comum.

A Mão Invisível na História da Astronomia

Em “História da Astronomia”, a expressão “mão invisível” também é empregada por Smith na tentativa de explicar certas coisas que ele não conseguiria explicar em outros termos. Veja o trecho abaixo:

Com ele [o homem ‘primitivo’], portanto, cada objeto da natureza, que por sua beleza ou grandeza, sua utilidade ou nocividade, é suficientemente considerável para atrair sua atenção, e cujas operações não são perfeitamente regulares, é suposto agir pela direção de algum poder designador e invisível. […] Daí a origem do politeísmo, e da vulgar superstição que atribui todos os eventos irregulares da natureza ao favor ou desprazer de seres inteligentes, embora invisíveis, a deuses, demônios, bruxas, gênios, fadas. Pois pode ser observado que, entre todas as religiões politeístas, entre os selvagens, bem como nos primeiros estágios da antigüidade pagã, são apenas os eventos irregulares da natureza que são atribuídos à agência e ao poder de seus deuses. O fogo queima, e a água refresca; corpos pesados descem, e substâncias mais leves voam para cima, pela necessidade de sua própria natureza; nem foi a mão invisível de Júpiter jamais apreendida como empregada nestas questões. Mas trovão e relâmpago, tempestades e brilho do sol, aqueles eventos mais irregulares, eram atribuídos a seu favor, ou a sua fúria. […] E assim, nas primeiras eras do mundo, a mais baixa e mais pusilânime superstição ocupava o lugar da filosofia (The History of Astronomy, III.2, grifos nossos apud SANTOS; BIANCHI, 2007, p. 651-2).

Na passagem citada, Smith observa que antes do estabelecimento das leis e da ordem, figuras como “deuses, demônios, bruxas, gênios, fadas” povoavam o imaginário social. Os eventos da natureza que não possuíam uma explicação aparente e que causavam medo e insegurança nas pessoas, eram atribuídos a “mão invisível de Júpiter”, isto é, a ação de deuses invisíveis.

Os acontecimentos regulares da naturez a dispensavam a explicação “de seres inteligentes, embora invisíveis”. A “mão invisível de Júpiter” só se fazia necessária para explicar os acontecimentos irregulares. Porém, quando a ordem e a segurança se estabelecem na sociedade, a filosofia passa a exercer um papel de investigação, com o objetivo de buscar as explicações para os acontecimentos.

A Mão invisível na Teoria dos Sentimentos Morais

Em “A Teoria dos Sentimentos Morais”, Smith menciona a mão invisível quando diz que

É em vão que o orgulhoso e insensível senhor de terras vê seus campos extensivos e, sem um pensamento pelas necessidades de seus semelhantes, em imaginação consome ele mesmo a colheita inteira que cresce sobre eles. […] A capacidade de seu estômago não carrega proporção com a imensidade de seus desejos, e receberá não mais do que aquele [o estômago d]o mais humilde camponês. O resto ele é obrigado a distribuir entre aqueles […] que são empregados na economia doméstica […]. Os ricos […] consomem pouco mais que os pobres, e apesar de seu natural egoísmo e rapinagem, embora eles queiram apenas sua própria conveniência, embora o único fim que eles proponham dos trabalhos dos milhares a quem eles empregam seja a gratificação de seus próprios desejos vãos e insaciáveis, eles dividem com os pobres o produto de todos os seus aprimoramentos. Eles são levados por uma mão invisível a fazer praticamente a mesma distribuição das necessidades da vida, que teria sido feita tivesse a terra sido dividida em porções iguais entre todos seus habitantes, e assim sem pretendê-lo, sem sabê-lo, avançam o interesse da sociedade, e proporcionam os meios para a multiplicação da espécie (The Theory of Moral Sentiments, livro IV, i.10, grifos nossos apud SANTOS; BIANCHI, 2007, p. 653-4).

Pelo lado da moral, não é mais o interesse individual, mas sim a ação individual de acordo com o egoísmo e a luxúria que gera benefícios coletivos. Isso é evidenciado quando Smith diz que “apesar de seu natural egoísmo e rapinagem, embora eles [os ricos] queiram apenas sua própria conveniência, […] eles dividem com os pobres o produto de todos os seus aprimoramentos”.

É como se eles fossem guiados “por uma mão invisível”, que fizesse com que eles proporcionassem os meios necessários para a preservação da própria espécie. Isso seria o caso da distribuição dos frutos da terra para todos, da mesma forma que teria acontecido se a divisão das terras tivesse ocorrido igualmente entre todos os seus habitantes.

Da forma que agem, há um paradoxo moral, uma vez que o bem coletivo é alcançado por meio de interesses individuais e motivações socialmente nocivas e indesejáveis. De qualquer maneira, o resultado é obtido segundo os princípios da natureza humana e do sistema de relações humanas, sem a necessidade de intervenção divina direta ou da Providência.

A Interpretação Canônica da Mão Invisível

A interpretação canônica da metáfora da mão-invisível é, provavelmente, a que as pessoas mais associam quando pensam em Smith: um elogio ao laissez-faire e ao liberalismo econômico. Isso ocorre porque a expressão “mão invisível” em “A Riqueza das Nações”, livro em que ela se tornou conhecida, se assemelha com a noção de equilíbrio automático do mercado.

O mercado, livre da interferência do Estado, seria como uma mão invisível capaz de canalizar o autointeresse de cada pessoa e de transformá-lo em interesse coletivo. Ou seja, a mão invisível seria o mecanismo que faz com que os mercados competitivos atinjam uma alocação eficiente dos recursos.

Se o bem-estar coletivo é maximizado quando os indivíduos maximizam seu bem-estar individual, caberia ao Estado apenas garantir a ordem institucional e administrar a justiça, sem interferir na ordem natural da atividade econômica.

Dessa forma, temos a mão invisível como o operador último da ordem social e o mercado como o espaço da troca. O mercado seria então construído por agentes econômicos que agem em benefício próprio, mas que produzem os melhores resultados sociais e econômicos possíveis.

É segundo essa interpretação que a teoria do mercado de Smith se torna a matriz teórica do ideário social liberal. É nela também que está enraizada a ideia da economia como um espaço para harmonia social.

Leia também: Estado de bem estar social e Estado liberal: qual a diferença?

A Crítica da Interpretação Canônica

A crítica sobre a interpretação canônica do papel da mão invisível na economia não é sobre o papel regulador da mão invisível e do funcionamento em perfeita harmonia da sociedade. É sobre como a interpretação tem sido usada para defender o ideal liberal e as virtudes do laissez-faire.

A argumentação é de que há algo caricatural nessa representação de Smith como um defensor da não interferência do Estado nos negócios. Além disso, a crítica aponta que essas análises deixaram de lado dimensões política e ética específicas da época de Smith, de modo a privilegiar, puramente, as análises econômicas.

Um exemplo desse desserviço é a designação da função do Estado Mínimo. Smith atribui à instituição algumas funções clássicas como a proteção do território nacional, a garantia de saúde, educação, habitação e propriedade privada e a ideia de liberdade individual. Mas é importante notar que o Estado Mínimo não seria a indicação de que o mercado resolvesse tudo, mas sim uma designação que se conciliaria com a promoção do bem comum.

Uma revisão das ideias de Smith sugere que “A Riqueza das Nações” está bem mais conectada com os argumentos de “A Teoria dos Sentimentos Morais”. Nessa última obra, Smith defende uma pluralidade de motivos e ações humanas. Isso indicaria que os resultados mais eficientes em termos técnicos e de bem-estar não seriam apenas frutos da busca do autointeresse.

Convém ressaltar que as preocupações de Smith são diferentes das que os economistas modernos consideram atualmente, tais como a eficiência de mercados competitivos e a liberdade de escolha dos indivíduos. Por isso, usar a metáfora da “mão invisível” como justificativa absoluta para o liberalismo econômico descontextualiza o pensamento de Smith da sua época. E mais: contribui para perpetuar essa versão distorcida das suas ideias.

E, aí? O que achou da questão da mão invisível em Smith? Você tinha ideia da sua importância? Ou de quantas vezes Smith usou essa expressão em seus textos? Deixe a sua opinião nos comentários!

Referências
  • BIANCHI, A. Além do Cânon: Mão Invisível, Ordem Natural e Instituições. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 635-662, jul.-set. 2007.
  • CERQUEIRA, H. Para ler Adam Smith: Novas Abordagens. Síntese, v. 32, n. 103, p. 181-202, 2005.
  • CERQUEIRA, H. A Mão Invisível de Júpiter e o Método Newtoniano de Smith. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 667-697, out.-dez. 2006.
  • Encyclopedia Britannica – Adam Smith
  • GANEM, A. Adam Smith e a Explicação do Mercado Como Ordem Social: Uma Abordagem Histórico-Filosófica. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 9-36, jul./dez. 2000.
  • International Adam Smith Society – About Adam Smith
  • MARIN, S.; QUINTANA, A.; SANTOS, C. O espectador imparcial de Adam Smith e o observador ideal de John Rawls: Uma crítica à ética utilitarista. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 45, n. 1, p. 185-214, 2015.
  • MATTEI, L. Evolução do pensamento econômico. Florianópolis: UFSC, 2011.
  • SMITH, A. Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultural, 1983.
  • VALLADÃO DE MATTOS, L. As razões do laissez-faire: uma análise do ataque ao mercantilismo e da defesa da liberdade econômica na Riqueza das Nações. Revista de Economia Política, v. 27, n. 1 (105), p. 108-129, jan.-mar. 2007.
  • Wikipedia – Adam Smith
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1 comentário em “O que Adam Smith quis dizer com a metáfora da Mão Invisível?”

  1. Adorei seu texto!
    Muitas vezes, critiquei o Adam Smith como ‘pai do capitalismo’. Acreditando que sua obra defendia sempre o Estado Mínimo, no sentido mais cruel da expressão, a autorregulação do mercado (como se os homens tivessem alguma ética para beneficiar o coletivo), e, principalmente, a sua defesa sobre as liberdades individuais – compreendendo que estas estariam num patamar mais elevado! Ufffaaa… Que bom que não irei mais interpretá-lo nessa ótica.
    Gratidão.

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Moraes, Mayara. O que Adam Smith quis dizer com a metáfora da Mão Invisível?. Politize!, 30 de novembro, 2023
Disponível em: https://www.politize.com.br/mao-invisivel/.
Acesso em: 10 de out, 2024.

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