O que são ondas de calor e quais seus impactos na região amazônica?

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As ondas de calor deixaram de ser um fenômeno passageiro e se consolidaram como um dos maiores desafios climáticos do nosso tempo. Seus impactos atingem desde a saúde pública até a agricultura e a infraestrutura das cidades, aprofundando desigualdades sociais e ambientais. 

No caso da região amazônica, onde o calor extremo se soma ao desmatamento e à degradação ambiental, os efeitos se tornam ainda mais críticos e comprometem a resiliência do bioma e das populações urbanas. Não se trata apenas de enfrentar dias quentes, mas de lidar com um fenômeno cada vez mais frequente e duradouro, resultado direto do aquecimento global. 

Neste texto, explicamos o que são as ondas de calor, como elas afetam a saúde de quem vive em pequenas cidades e em grandes metrópoles, e quais medidas podem ser implementadas na estrutura urbana e nas políticas públicas para amenizar seus efeitos negativos.

Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

O que são ondas de calor?

Embora seja comum associar o termo a qualquer período de calor intenso, a definição científica é mais precisa. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) classifica como onda de calor um período de cinco ou mais dias consecutivos em que a temperatura máxima diária ultrapassa em pelo menos 5 °C a média histórica daquela região para o mês.

Esse fenômeno ocorre principalmente pela presença de massas de ar seco associadas a bloqueios atmosféricos (quando massas de ar impedem a chegada de frentes frias), mantendo as temperaturas elevadas por vários dias. Embora sejam mais comuns no inverno, esses bloqueios também podem acontecer durante o verão, ampliando o risco de calor extremo.

Pessoa andando no meio de chafariz urbano, utilizado para minimizar o calor. Texto: O que são ondas de calor?
Chafariz urbano para minimizar calor. Imagem: Paulo Pinto/Agência Brasil.

As mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global têm tornado as ondas de calor cada vez mais frequentes, duradouras e severas. Em 2024, por exemplo, o Brasil registrou ondas de calor em todos os meses do ano

Segundo artigo publicado na revista Frontiers in Climate, 2023 foi o ano mais quente já registrado desde o período pré-industrial (1850–1900). Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que a intensidade e a frequência de dias mais quentes, incluindo episódios de ondas de calor, vêm aumentando globalmente desde 1959.

Além do calor recorde, 2024 também foi marcado por uma sucessão de eventos climáticos extremos em todo o país, como o desastre das chuvas no Rio Grande do Sul, a seca histórica na Amazônia com incêndios que devastaram 27,6 milhões de hectares, uma área equivalente a todo o estado do Tocantins, segundo dados do MapBiomas. 

Meteorologistas apontam que o aumento dessas anomalias climáticas reflete a influência do aquecimento global e fenômenos como El Niño, e reforça os alertas para verões cada vez mais quentes e chuvosos no país.

No Brasil, um levantamento sobre as mudanças climáticas mostrou que o número de dias com ondas de calor aumentou oito vezes nos últimos 60 anos: de 7 dias, entre 1961 e 1990, para 52 dias no período de 2011 a 2020. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registrou nove ondas de calor em 2023, oito em 2024 e, nos dois primeiros meses de 2025, já havia contabilizado três episódios.

“A onda de calor é um desastre negligenciado no Brasil e na maior parte das regiões tropicais”, alerta a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Renata Libonati. Segundo ela, a sociedade tende a ignorar os riscos porque não há destruição visível, como em enchentes ou deslizamentos de terra.

De acordo com Renata, o país está muito atrasado no enfrentamento dessa questão e lembra que a Europa só passou a tratar o tema com mais atenção após a onda de calor de 2003, que causou cerca de 70 mil mortes. Desde então, países europeus vêm adotando protocolos de enfrentamento, medidas de prevenção, adaptações urbanas e sistemas de alerta à população.

Outro fator que agrava esse cenário é o El Niño, fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico Equatorial e que altera os padrões de circulação atmosférica global. 

A intensificação do El Niño em 2023 e 2024 coincidiu com os períodos de maior intensidade das ondas de calor no Brasil, resultando em episódios mais severos e duradouros.

Consideradas um fenômeno climático extremo, as ondas de calor têm impacto direto na vida da população. Além de causarem crises na saúde pública, estão associadas ao aumento de queimadas em regiões como o Pantanal e a Amazônia, onde a fumaça intensifica ainda mais os efeitos do calor extremo.

Saiba mais: O impacto das queimadas no Brasil e os desafios para o futuro

Como as ondas de calor têm afetado as cidades da região amazônica?

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo. Com aproximadamente 5 milhões de km², ela se estende por nove países da América do Sul, sendo que cerca de 60% de sua área está localizada no Brasil, abrangendo os sete estados da Região Norte.

Esse bioma, considerado essencial para o equilíbrio climático global, tem sido afetado por extremos de temperatura e pelas ondas de calor cada vez mais frequentes. Pesquisas recentes mostram que a extensão das áreas atingidas e a duração da estação seca na Amazônia aumentaram nas últimas décadas. 

De acordo com estudo conduzido por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Laboratório de Sistemas Tropicais e Ciências Ambientais (Trees/INPE), as ondas de calor que atingiram a região em 2020, somadas à degradação ambiental, reduziram significativamente a resiliência da floresta comprometendo sua capacidade de realizar a ciclagem da água e de estocar carbono.

A consequência é grave: o enfraquecimento do papel da floresta como reguladora climática e a intensificação dos efeitos das mudanças climáticas. Isso afeta não apenas os ecossistemas naturais, mas também as cidades amazônicas, que passaram a conviver com secas prolongadas, aumento de queimadas e escassez de água potável.

O calor intenso sobrecarrega os serviços de saúde, pressiona os sistemas de abastecimento de água e energia e expõe milhares de pessoas a riscos imediatos, como doenças respiratórias agravadas pela fumaça das queimadas.

Em 2024, o estado do Pará se tornou símbolo dessa crise. Um levantamento de dados mostrou que foi lá onde ocorreu o maior número de cidades castigadas pelo calor atípico no Brasil. Das 111 cidades brasileiras que enfrentaram mais de 150 dias de calor extremo, 46 estão no Pará. 

Entre os exemplos mais críticos estão Melgaço, município com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, que registrou 228 dias de calor extremo, seguida pela capital do Estado, Belém, com 212 dias. Só no Pará, mais de 4 milhões de pessoas viveram sob estresse térmico em 2024.

Belém será sede da COP30, a Conferência Internacional da ONU sobre mudanças climáticas. A cidade, que esteve entre as mais castigadas pelo calor no último ano, estará sob os olhares do mundo justamente no momento em que se intensifica o debate sobre adaptação e justiça climática.

A avaliação considerou 41 estações meteorológicas espalhadas pela Amazônia Legal, com maior concentração no Pará, Amazonas e Maranhão. Para os especialistas, trata-se de uma anomalia associada às mudanças climáticas globais, mas também agravada por fatores regionais, como o avanço do desmatamento.

Quais as consequências das ondas de calor para o meio ambiente e agricultura?

As ondas de calor não afetam apenas o bem-estar humano, mas também o equilíbrio do meio ambiente. O aumento da evaporação e as secas prolongadas comprometem a agricultura e a disponibilidade de água.

Além disso, a combinação de calor extremo e queimadas agrava o risco de incêndios florestais, como os que vêm assolando o Pantanal e a Amazônia, ampliando os danos ambientais.

Imagem de floresta amazônica com muita fumaça, em sinal de fogo.
Floresta amazônica em chamas. Imagem: Fotos Públicas

Na agricultura, os impactos são cada vez mais visíveis. Produtores de café enfrentam perdas significativas após meses de seca e temperaturas elevadas. As lavouras sofrem com pragas e doenças fora de controle, e colheitas inteiras já foram perdidas em estados tradicionalmente fortes na produção. Dias acima de 35 °C estão se tornando mais frequentes, ultrapassando os limites de adaptação das plantações.

O risco de incêndios também cresce. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, destacou que o órgão monitora os focos de fogo na Amazônia, mas advertiu que as ondas de calor aumentam tanto as chances de surgimento de novos incêndios quanto a dificuldade de combatê-los

Segundo ele, a maior concentração de focos de calor se encontra no chamado Arco do Desmatamento, que abrange o sul da Amazônia, área historicamente vulnerável à devastação ambiental. Em 2024, a FioCruz classificou a combinação de ondas de calor e queimadas no ano de 2024 como uma das mais intensas já registradas no Brasil

Saiba mais: Queimadas no Brasil: entenda os motivos e os impactos

Quais os impactos das ondas de calor na saúde humana?

Nos centros urbanos, a falta de áreas verdes e o excesso de concreto intensificam a formação das chamadas “ilhas de calor”. Já nos ecossistemas naturais, ondas de calor associadas à seca favorecem incêndios florestais, que ameaçam habitats, reduzem a biodiversidade e elevam a poluição atmosférica.

Pesquisadores da Fiocruz defendem o conceito de Saúde Única (One Health), que considera as dimensões humana, animal, vegetal e ambiental como interdependentes. Assim, o avanço das queimadas e do calor extremo não ameaça apenas os ecossistemas, mas também a qualidade de vida e a sobrevivência das populações e espécies locais.

Em 2022, um estudo publicado na revista científica Nature Medicine apontou que a onda de calor europeia causou aproximadamente mais de 61 mil mortes entre os meses de maio e setembro.

No Brasil, os dados começam a dimensionar a gravidade da situação. Um estudo conduzido pelos pesquisadores Renata Libonati e Djacinto dos Santos analisou mais de 7 milhões de óbitos registrados entre 2000 e 2018 nas 14 principais regiões metropolitanas do país, que identificou 48 mil mortes atribuíveis à exposição prolongada ao calor excessivo nesse período.

O calor é um dos principais fatores de risco climáticos para a saúde, podendo agravar doenças crônicas. O tempo prolongado de exposição ao sol traz riscos como:

  • Exaustão térmica;
  • Insolação, desidratação, queimaduras e, em situações graves, à morte;
  • Irritabilidade causada pelo calor extremo, que está associada ao aumento de internações por acidentes de trânsito e episódios de violência.

Quem está mais vulnerável às ondas de calor?

Os efeitos das ondas de calor não afetam todo mundo da mesma forma. Entre esses fatores estão o acesso limitado a ar-condicionado ou ventilação adequada, a precariedade da infraestrutura urbana em regiões marginalizadas, a ausência de áreas arborizadas e a densidade populacional elevada.

Os grupos mais afetados pelo estresse térmico são:

  • Bebês e crianças, pois têm mais dificuldade em controlar a temperatura do corpo e podem se desidratar rapidamente, já que ainda não conseguem se hidratar com frequência por conta própria;
  • Idosos, cujo corpo regula a temperatura com menos eficiência e que, em muitos casos, já convivem com doenças crônicas. Durante o calor intenso, os vasos sanguíneos se dilatam, o que pode levar à queda de pressão, tontura e aumento do risco de quedas;
  • Pessoas com doenças pré-existentes, como cardiovasculares, respiratórias, renais, endócrinas, nutricionais, metabólicas, de pele ou transtornos mentais, que têm seu quadro agravado pelo calor extremo;
  • Trabalhadores expostos ao ar livre, como garis, motoboys, vendedores ambulantes ou profissionais que passam longos períodos em transportes coletivos sem ventilação adequada;
  • Pessoas em situação de rua, sem acesso a proteção mínima contra o calor, hidratação ou ambientes climatizados.

Estratégias de prevenção e mitigação das ondas de calor

Além da criação de programas de conscientização e educação ambiental nas escolas,para alertar e informar a população sobre os impactos das ondas de calor e as consequências do aquecimento global. 

Também é preciso investir em sistemas de saúde equipados para emergências, melhorar a infraestrutura das cidades, reduzir desigualdades sociais e implementar medidas que diminuam a emissão de gases de efeito estufa

Apesar dos diversos alertas ao longo dos últimos anos, as discussões sobre o tema ainda são tímidas, o que dificulta o planejamento de ações concretas para reduzir os impactos do calor extremo no dia a dia da população.

Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Plano Clima  é um dos principais instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Ele contempla duas frentes: a mitigação, voltada à redução das emissões de gases de efeito estufa, e a adaptação, que busca preparar os sistemas naturais e humanos para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.

O Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) desempenha um papel central nesse processo. Ele é responsável por coordenar as ações entre diferentes ministérios e acompanhar as políticas relacionadas ao clima no Brasil. Sua função é ajudar a criar estratégias nacionais que envolvem desde a mudança na matriz energética até o fortalecimento das infraestruturas urbanas para lidar com eventos extremos.

Porém, esses esforços ainda encontram alguns obstáculos. Para que as medidas sejam realmente eficazes, é preciso ter recursos financeiros, apoio político e uma boa integração entre os governos federal, estaduais e municipais. 

Enquanto isso, milhões de brasileiros continuam vulneráveis aos efeitos severos das ondas de calor, muitas vezes sem acesso adequado a sombra, ventilação ou sistemas de resfriamento.

Como as cidades podem se adaptar ao calor extremo?

Para enfrentar ondas de calor cada vez mais longas e intensas, as cidades precisam investir em políticas de conscientização e adaptação urbana. Veja algumas estratégias já discutidas e testadas no Brasil e no mundo:

  • Edifícios mais preparados: estudo com 92 imóveis em Florianópolis mostrou que 37% das construções podem enfrentar superaquecimento até 2050, principalmente prédios modernos com fachadas envidraçadas e cores escuras, que retêm calor;
  • Desafio da infraestrutura urbana: em cidades como São Paulo, edifícios comerciais seguem padrões construtivos que priorizam o consumo de ar-condicionado, em vez de soluções passivas de resfriamento, o que pressiona ainda mais o sistema elétrico durante ondas de calor;
  • Periferias Verdes Resilientes: o edital selecionou Belém como uma das cidades a receber recursos para aplicar Soluções Baseadas na Natureza em comunidades periféricas. Essas iniciativas visam melhorar a qualidade ambiental, criar sombreamento, arborização, uso de vegetação nas áreas urbanas vulneráveis, todas adaptações úteis para mitigar efeitos de ondas de calor;
  • AdaptaCidades: onze estados + Distrito Federal aderiram ao programa do Ministério do Meio Ambiente, que vai orientar municípios a elaborarem planos municipais de adaptação climática e acessar recursos para isso;
  • Programa ISA Clima: o Acre criou o programa ISA Clima, parte do Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA), para promover iniciativas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, incluindo prevenção de eventos extremos, como secas e enchentes;
  • Adotar os princípios do urbanismo sustentável: podem orientar o planejamento urbano adaptado ao clima. Entre eles, reduzir o uso de materiais que retêm calor, maximizar arborização e vegetação urbana, promover eficiência de recursos como água e energia, garantir mobilidade sustentável, acessibilidade e inclusão social;
  • Soluções baseadas na natureza: “As árvores são protagonistas quando se trata de resfriamento”, afirma Eleni Myrivili, diretora global de calor da ONU-Habitat. Segundo dados do PNUMA, o simples plantio de árvores poderia reduzir em até 1 ºC a temperatura em áreas urbanas, beneficiando 77 milhões de pessoas;
  • Cidades ao redor do mundo estão testando soluções inovadoras, como pavimentos refrigerados em Tóquio, telhados verdes em Toronto e reaproveitamento de água da chuva na África.

Enfrentar esses desafios exige a combinação de políticas públicas, investimentos em infraestrutura urbana e soluções baseadas na natureza, capazes de reduzir vulnerabilidades e preparar as cidades para um futuro mais quente. Incorporar este debate na agenda política e social é urgente: trata-se não apenas de mitigar os impactos, mas de garantir qualidade de vida e justiça climática para milhões de pessoas expostas ao calor extremo.

E você, já sabia como as ondas de calor afetam o Brasil e a Amazônia? Compartilhe sua opinião nos comentários, e se ficou alguma dúvida, fala pra gente!

Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!

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Conteúdo escrito por:

Santos, Gabriella. O que são ondas de calor e quais seus impactos na região amazônica?. Politize!, 24 de setembro, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/ondas-de-calor-2/.
Acesso em: 25 de set, 2025.

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