Quando pensamos em relações internacionais, geralmente associamos à economia, política e comércio. Mas há uma dimensão igualmente importante e muitas vezes desprezada: a educação. Nos últimos anos, Pequim vem fortalecendo oportunidades educacionais China–América Latina como parte de sua estratégia de soft power, com o Brasil sendo um dos principais beneficiários.

- O que é soft power e por que importa?
- Como a China aplica essa ferramenta educacional?
- Principais oportunidades educacionais China–América Latina
- Conselho de Bolsas da China (China Scholarship Council – CSC)
- Cooperação educacional China-CELAC
- Visto K: atraindo Talentos em Áreas Estratégicas
- Institutos Confúcio na América Latina
- Universidades chinesas e parcerias acadêmicas
- O futuro das oportunidades educacionais sino-latino-americanas
- Referências
O que é soft power e por que importa?
O termo soft power (ou “poder brando”) foi criado pelo cientista político Joseph Nye para descrever a capacidade de um país de influenciar outros por meio da atração cultural, valores e políticas públicas, em vez da força militar ou da pressão econômica. Em outras palavras, é quando um país convence e inspira, em vez de impor.
A China, tradicionalmente reconhecida pelo peso econômico e geopolítico, tem investido de forma consistente nesse tipo de poder, por viés da educação.
Por meio de bolsas de estudo, intercâmbios, ensino do mandarim e programas culturais, o país busca estreitar laços com estudantes e acadêmicos latino-americanos, fortalecendo sua presença cultural e acadêmica na região.
Mas essa aproximação, além de oportunidades, também levanta questionamentos sobre a influência cultural e política de Pequim na região.
Como a China aplica essa ferramenta educacional?
A política cultural chinesa no Ocidente, principalmente na América Latina, se desenvolve principalmente em três pilares:
- Bolsas de estudo e intercâmbios – programas financiados pelo governo chinês e por instituições parceiras.
- Institutos Confúcio – centros culturais que promovem o ensino do mandarim e a cultura chinesa.
- Parcerias acadêmicas – cooperação direta entre universidades chinesas e latino-americanas, incluindo pesquisa científica e programas de pós-graduação.
Essas ações fazem parte de uma visão maior, alinhada à Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), na qual a China busca reforçar laços com países em desenvolvimento também pela via do conhecimento.
Para Pequim, formar quadros acadêmicos e profissionais simpáticos à sua cultura é uma forma de criar capital político e social a longo prazo.

Principais oportunidades educacionais China–América Latina
A China expande sua política externa e influência na América Latina através de programas educacionais. A atuação combina diversas modalidades de intercâmbio e formação. O resultado busca estabelecer conexões com futuras lideranças regionais.
Conselho de Bolsas da China (China Scholarship Council – CSC)
O CSC é o principal mecanismo do governo chinês para atrair estrangeiros. Vinculado ao Ministério da Educação, o CSC oferece bolsas integrais para cursos de graduação, mestrado, doutorado e programas de curta duração.
Essas bolsas de estudo cobrem mensalidade,acomodação, seguro de saúde e auxílio financeiro, variando de RMB 2500 a 3500. Para muitos estudantes latino-americanos, isso representa a oportunidade de estudar em universidades de ponta sem custos. Para a China, significa atrair talentos e difundir sua visão de mundo entre futuros profissionais e líderes regionais.
Cooperação educacional China-CELAC
A CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) é um fórum que reúne 33 países da América Latina e do Caribe, incluindo o Brasil, com o objetivo de promover cooperação política, econômica, social e cultural na região.
Em parceria com a China, a CELAC tem se concentrado em programas de intercâmbio acadêmico, capacitação profissional e aprendizado de língua e cultura chinesa.
Essas iniciativas permitem que estudantes, professores e profissionais latino-americanos tenham contato direto com instituições de ensino e projetos acadêmicos chineses, ampliando experiências internacionais e promovendo o diálogo cultural.
Diferente de informações não confirmadas que circulam, não há números oficiais de bolsas ou vagas publicamente divulgados. O foco está na construção de parcerias estratégicas, cursos de curta e média duração, e projetos conjuntos de pesquisa.
A participação nesses programas ajuda a fortalecer laços e oportunidades educacionais e culturais entre China-América Latina, oferecendo oportunidades de aprendizado e cooperação sem criar dependência obrigatória do sistema educacional chinês.
A iniciativa mostra o interesse de ambos os lados em aprofundar relações educacionais e diplomáticas de forma gradual e planejada.
Visto K: atraindo Talentos em Áreas Estratégicas
Uma novidade recente e estratégica é o visto K, que passou a valer a partir de outubro de 2025. Esse visto foi desenhado para atrair jovens profissionais e estudantes das áreas de ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática (STEAM).
Ele oferece múltiplas entradas, estadias mais longas e menos burocracia, permitindo que estrangeiros participem de intercâmbios acadêmicos, conferências científicas, cursos de capacitação e projetos de pesquisa diretamente na China.
Diferente de outros tipos de visto, o K não exige um convite prévio de empregador, o que o torna mais acessível a estudantes e pesquisadores independentes.
Na prática, o visto K facilita a entrada de talentos qualificados em áreas estratégicas, complementando programas de formação acadêmica já existentes, como bolsas do CSC e intercâmbios regionais promovidos pela CELAC.
O objetivo é permitir que profissionais altamente capacitados possam trabalhar e colaborar em projetos científicos e tecnológicos na China, contribuindo para o avanço de setores críticos de inovação, sem que seja correto afirmar que todos necessariamente irão integrar a economia chinesa de forma direta.

Institutos Confúcio na América Latina
Criados em 2004, os Institutos Confúcio se espalharam rapidamente pelo mundo. Até 2018, havia mais de 550 unidades em 149 países, além de mais de mil “salas Confúcio” em escolas.
Na América Latina, estão presentes em pelo menos 20 países, oferecendo cursos de mandarim, promovendo eventos culturais e facilitando intercâmbios acadêmicos com a China.
No Brasil, o destaque vai para a presença em universidades federais e estaduais, somando 11 Institutos Confúcio, o que representa aproximadamente 27% da rede regional.
Esses institutos oferecem cursos de mandarim, organizam festivais culturais e encaminham alunos para oportunidades de estudo na China, embora os números exatos de bolsas variem conforme cada programa e acordo bilateral.
Esses instrumentos são importantes para democratizar o acesso ao idioma e à cultura chinesa, mas também levantam discussões sobre dependência cultural e padronização da narrativa chinesa. Por isso, é essencial conciliar os benefícios da educação e do intercâmbio cultural com a preservação da diversidade linguística e cultural local.
Universidades chinesas e parcerias acadêmicas
Outro pilar do soft power chinês são os convênios universitários. Estima-se que já existam quase 60 centros de estudo da América Latina em universidades chinesas, promovendo pesquisas bilaterais.
Além disso, alianças temáticas unem instituições dos dois lados. Na área agrícola, por exemplo, universidades chinesas e latino-americanas criaram uma rede de cooperação em ensino e pesquisa.
A UNICAMP, uma das universidades de ponta do Brasil, é um exemplo da forte conexão acadêmica com a China. A instituição paulista mantém acordos de cooperação com diversas universidades chinesas, incluindo a renomada Universidade Agrícola da China.
Essas parcerias facilitam o intercâmbio de estudantes e fomentam projetos colaborativos em áreas estratégicas como tecnologia, energia e ciências sociais.
No entanto, especialistas ressaltam a importância de se estabelecer estruturas de cooperação que garantam benefícios verdadeiramente mútuos, prevenindo assim assimetrias que possam, mesmo que involuntariamente, privilegiar o acesso a dados e pesquisas de uma das partes.
Para o professor Tom Dwyer, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e um dos pioneiros nos estudos sino-brasileiros, a superação desses desequilíbrios passa por um problema fundamental: o desafio da tradução de conceitos entre culturas tão distintas.
Ele critica o fato de que “mesmo pesquisadores especializados frequentemente usam categorias ”não chinesas” para interpretar a realidade do país asiático”, o que gera distorções e pode dificultar uma parceria simétrica.
Do lado chinês, essas colaborações frequentemente envolvem algumas das principais universidades do país, que são reconhecidas globalmente por sua excelência em pesquisa e inovação.

Universidades de destaque
Entre as instituições que recebem estudantes latino-americanos por meio dessas bolsas, destacam-se:
- Peking University – referência em ciências sociais, humanas e pesquisa acadêmica.
- Tsinghua University – reconhecida por engenharia, tecnologia e inovação.
- Fudan University – excelência em economia, negócios e relações internacionais.
- Beijing Jiaotong University – especializada em transportes e tecnologia aplicada.
O futuro das oportunidades educacionais sino-latino-americanas
A China aposta na educação como moeda de influência na América Latina. A estratégia é clara: conquistar corações e mentes através de bolsas de estudo, aulas de mandarim, vagas em universidades chinesas e agora, com o visto K, facilitando a entrada de talentos estratégicos.
O objetivo é criar uma geração de líderes, empresários e acadêmicos latino-americanos com forte ligação cultural e intelectual com o gigante asiático.
É importante contextualizar que a utilização da educação como ferramenta de soft power não é uma exclusividade chinesa.
Programas consagrados como o Fulbright (EUA) e o Erasmus Mundus (União Europeia) há décadas operam sob lógica similar, promovendo influência cultural e diplomática.
A diferença reside no volume de investimento, na velocidade de expansão e no alinhamento explícito com uma estratégia geopolítica de Estado, característica marcante da abordagem chinesa. Para os governos e instituições de ensino da região, a oferta é tentadora: capacitação de alto nível e acesso a um centro de poder global.
O outro lado da moeda, porém, exige atenção: como aproveitar essas vantagens sem abrir mão da independência intelectual e sem se ver enredado em uma relação de excessiva influência cultural e política?
Com a rota académica entre América Latina e China se consolidando, o desafio será garantir que o intercâmbio seja verdadeiramente de mão dupla.
O êxito será medido não apenas pelo número de estudantes, mas pela capacidade de estes absorverem conhecimentos sem perder sua perspectiva crítica e sua identidade cultural, e pela capacidade dos países latino-americanos em transformar esse conhecimento adquirido em desenvolvimento próprio e soberano.
Como você avalia essas iniciativas de cooperação? Deixe nos comentários a sua perspectiva sobre essas parcerias.
Referências
- Forum for the Future of Higher Education – Soft power and higher education
- Instituto de Relações Internacionais e Estratégia (IREE) – Cinturão e Rota: entenda a iniciativa chinesa de integração global
- China Scholarship Council – Bolsas CSC | Conselho de Bolsas da China | Bolsas do governo chinês
- CampusChina.org – Chinese Government Scholarship: information and application system
- South China Morning Post – China creates new visa for young STEM talent in national tech drive
- The Conversation Brasil – Entenda o que é o Fórum China-CELAC 2025 e quais os benefícios para a América Latina
- China Briefing – China’s revised entry-exit rules introduce new K visa for young foreign talent
- Ibrachina – Conheça a história do Instituto Confúcio
- Xadrez Verbal – Instituto Confúcio, a China e as universidades
- Universidade Estadual de Campinas – Apresentação – Instituto Confúcio
- Unicamp – Unicamp articula parcerias com a Universidade Agrícola da China
- Instituto Confúcio – Sobre o Instituto Confúcio
- ShanghaiRanking Consultancy – Best Chinese Universities Ranking 2025
- Unicamp – Centro Interdisciplinar de Estudos Brasil-China consolida mais de uma década de cooperação
- Fulbright U.S. Student Program – Fulbright U.S. Student Program
- Erasmus+ – O que é o Erasmus+