O papel da mídia nas eleições municipais e na defesa da democracia

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Quando falamos em política e democracia, a mídia desempenha um papel importante na sociedade, principalmente em um ano de eleições municipais, quando a população vai escolher os candidatos a prefeitos e vereadores em todo o país. 

No Brasil, são 5.570 cidades com campanhas eleitorais em curso e diferentes tipos de abordagem em TVs, rádios, jornais e em veículos do jornalismo independente. Além disso, as redes sociais também estão presentes na vida cotidiana e tem moldado opiniões e comportamentos de grupos que apoiam determinados partidos ou movimentos partidários. 

Mas afinal, a mídia tem um poder de influenciar na escolha de um candidato? Qual é esse papel dela para apoiar a democracia?

O que é democracia e como a mídia está inserida?

Para falar desse tema, é importante refletir sobre o que é a democracia. Trata-se de um regime político em que os cidadãos participam das decisões políticas diretamente ou por meio de representantes eleitos. Esses representantes ficam responsáveis pelo desenvolvimento e criação de leis. 

O funcionamento desse sistema depende da existência de alguns direitos, como a liberdade de expressão, que garante a todos os indivíduos o poder de manifestar suas opiniões, ideias e pensamentos sem censura ou interferência governamental. Esse direito inclui a liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias através de qualquer meio de comunicação, seja oral, escrito, impresso, artístico, visual ou eletrônico.

Já quando falamos de mídia, costumamos nos referir a atuação jornalística, mas o termo abarca todos os meios de difusão de informação massiva – como imprensa, televisão, rádio, internet, conforme mostra Silvia Laurentiz em “O que é Mídia Afinal”. “Este termo pode designar tanto as linguagens relacionadas a estes meios, quanto aos veículos de comunicação em si que sustentam suas respectivas linguagens”. 

A partir da união desses dois pontos é possível definir a importância da mídia e o impacto nas notícias produzidas no cotidiano, e ganha força em períodos eleitorais. Mas inicialmente, é importante ressaltar o papel do jornalismo nesse campo e como ele atua. 

Historicamente, desde o surgimento a imprensa tem relevância no cenário político, de forma que transmite informações dos partidos, governantes e também dos candidatos que disputam vaga em cargos públicos. Ela transformou os fluxos de informações, produziu novos rituais da vida diária, até a internet hoje, passando pelo rádio e pela televisão. Os meios de comunicação de massa revolucionaram nossa forma de estar no mundo. 

Imagem de uma pessoa segurando um celular, que está rodeado de vários ícones conhecidos como do Instagra, Facebook, E-mail e Wi-Fi. Texto: O papel da mídia nas eleições municipais e na defesa da democracia
Imagem: Freepik

O papel da mídia nas eleições

Vale ressaltar que popularmente ‘mídia’ e ‘jornalismo’ muitas vezes são tratadas como a mesma coisa. Embora tenham conexão, a mídia abrange outros mecanismos que não envolvam necessariamente a produção de informação com os valores do jornalismo. Um desses valores é a pluralidade.

  “O jornalismo assume a posição de fiador do pluralismo político. Da sua posição, determina os limites desse pluralismo de forma que é entendido como desdobramento direto do que está fora dele ou como julgamento legítimo, porque descolado das disputas políticas e dos interesses em conflito”, afirmam Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel, autores do livro “Notícias em Disputa”. “Ele julga, com critérios próprios, quem merece participar do debate e, assim, estar presente no noticiário.”

De tal modo, o jornalismo consegue apoiar o debate público sobre as questões que envolvem a disputa entre os grupos, levando em conta critérios que julga relevantes, como tratar das políticas públicas.

 “É [ao jornalismo] e, em primeiro lugar, que se dirigem os formadores de opinião e candidatos à liderança política; é dele que o público retira o material que contribui de maneira mais ostensiva para seu entendimento das alternativas políticas existentes a cada momento”, afirmam os autores Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel.

Em um período de acirramento político, ter alguém que pode trazer um olhar descolado das influências políticas pode ter um papel fundamental para a sociedade. Além disso, ajuda a explicar para os eleitores o que está em jogo e como funciona a democracia institucional e os cargos em disputa. 

Mas, na prática, esse papel vem sendo questionado cada vez mais nos últimos anos. O consumo de notícias no Brasil, por exemplo, vem caindo ao longo das décadas. De acordo com o Reuters Institute em junho de 2023, da University of Oxford, 41% dos brasileiros dizem “evitar se informar”, percentual acima da média dos 46 países que é de 36%. 

Apesar disso, o resultado chegou a ser pior em 2022, quando mais da metade dos entrevistados respondeu evitar o consumo de informações. Justamente num ano eleitoral, em meio a uma onda crescente de fake news

Saiba mais: Notícias falsas e pós-verdade: o mundo das fake news e da (des)informação

 Os autores afirmam ainda que os estudos brasileiros sobre as relações entre mídia e política surgiram na eleição presidencial de 1989, quando foi eleito o presidente Fernando Collor de Mello (PRN)

Antes, a política aparecia como aspecto secundário de uma “sociologia da comunicação”, desde então começa a constituir um campo interdisciplinar que se firma sobretudo nos períodos eleitorais. 

Biroli e Miguel também argumentam que a informação é um elemento crucial para o exercício da cidadania e para a tomada de decisões informadas nas eleições. Porém, esses pontos esbarram em um modelo em que a mídia transmite não só informações, mas valores, o que influencia no processo de escolha dos eleitores. 

Redes sociais, descrédito e desinformação

Entre os fatores para isso está a concorrência de múltiplas plataformas e os próprios ataques sofridos pelo jornalismo. Com o crescimento das redes sociais e das plataformas digitais, as pessoas acessam informações da política de diversas formas, como conteúdos em sites de notícias e até vídeos que circulam no YouTube e TikTok. Não há filtro além dos algoritmos dessas empresas, que regem as preferências dos usuários com base nos dados coletados diariamente. 

Apesar disso, Biroli e Felipe Miguel ressaltam que é a partir do jornalismo que são retiradas a maioria dos conteúdos usados e reinterpretados nas redes sociais, local que se tornou uma nova “forma de sociabilidade”. 

Contudo, as redes sociais potencializaram indústrias que produzem conteúdo próprio buscando propagar desinformação. 

Para o escritor Maciel Alves, a discussão sobre fake news e o seu impacto no enfraquecimento da democracia vem sendo levantada em associação aos processos eleitorais em todo o mundo. As eleições presidenciais brasileiras de 2018 constituíram um dos pleitos analisados sob o viés da produção e circulação deliberadas de desinformação a partir das mídias digitais. 

Segundo estudo “Eleições 2022, Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral”, da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e ECMI (Escola de Comunicação Mídia e Informação), houve um amplo uso de redes como o antigo Twitter, atual X, para espalhar desinformação. 

Foram analisados mais de 15 milhões de menções ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e cerca de 20 milhões ao Supremo Tribunal Federal (TSE), e entre os temas que predominaram estava “a narrativa de um suposto conluio entre TSE, STF, a esquerda e a imprensa nacional”, o que indica o protagonismo de grupos do campo aliado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).  

Apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o deputado federal André Janones (Avante – MG) criou fake news para ajudar Lula na eleição de 2022, contra o agora ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Janones conta que uma das notícias falsas foi sobre o celular desaparecido de Gustavo Bebianno, o primeiro ministro que Bolsonaro demitiu mal tomará posse em 2019. Corriam rumores de que o celular guardava conversas comprometedoras entre Bebianno e Bolsonaro.

Havia, na época, uma grande campanha de desinformação com a ideia de espalhar inseguranças sobre o sistema eleitoral e a urna eletrônica. “A base bolsonarista tendeu a seguir três linhas de ação: levantar suspeitas sobre o judiciário, reforçar a narrativa de nós versus eles e esvaziar a pauta sobre os riscos à democracia”, diz o estudo.

Em contraponto, agências de checagens de informações como “A Lupa” e “Aos Fatos” nasceram com o papel exclusivo de combater esse problema. A união de várias organizações jornalísticas como o Comprova também tem buscado atuar para evitar o espalhamento de conteúdo falso e várias redações brasileiras abraçaram como um compromisso do trabalho jornalístico lidar com esse tema. 

O problema é que, outro desafio para a democracia, é a garantia do direito à informação

Deserto de notícias 

Com toda essa complexidade, outro aspecto que envolve a mídia é a ausência dela. Quase metade das cidades brasileiras não possui jornalismo local, e são consideradas desertos de notícias. 

Dados do Atlas da Notícia, mostram que o Brasil teve redução de 8,6% nesses desertos em 2023, mas ainda representa um total de 26 milhões de pessoas sem acesso à informação de qualidade produzida por um jornalismo independente. Esse contexto traz um questionamento importante: se a mídia e a imprensa são importantes para a garantia da democracia, a fiscalização do poder público e ajudar os eleitores a votarem, como fazer isso em cidades onde isso não existe?

Recentemente, a Agência Mural de Jornalismo das Periferias fez uma reportagem especial sobre esse tema. “Sem Notícias” mostra a vida em Pirapora do Bom Jesus, na Grande São Paulo, onde não existe nenhum veículo local. Com isso, a população fica refém de se informar pela voz dos políticos que estão no poder, pelo boca a boca e pelas redes sociais. 

Conclusão

A mídia exerce um trabalho importante para sociedade de transmitir os fatos, investigar e expor as notícias com credibilidade e isso é fundamental para a democracia, pois é um ator fundamental para períodos eleitorais. 

Contudo, esse papel vem sendo desafiado pelo aumento das plataformas, pelas redes sociais, pela propagação da desinformação e pelos ataques massivos feitos contra o jornalismo. 

Para completar, nem o direito à informação está garantido, o que faz com que muitos municípios tenham a informação controlada e com isso, debates importantes ficam de lado, comprometendo a garantia de direitos para essas populações.

Referências:

Este conteúdo é de autoria de estudantes do curso de pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP. Trata-se de parte da avaliação da disciplina “Estado e Sociedade Civil: instituições, processos e atores”. O objetivo aqui é converter, em parceria com a Politize!, ações de avaliação em contribuições mais amplas com o debate político, reforçando compromisso com a aplicabilidade das reflexões e construções. A Fundação Escola de Sociologia e Política tem mais de 90 anos de história e é o mais tradicional centro de Sociologia e Política do Brasil.

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Reis, Katia. O papel da mídia nas eleições municipais e na defesa da democracia. Politize!, 8 de novembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/papel-da-midia-nas-eleicoes-municipais/.
Acesso em: 1 de dez, 2024.

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