Precatório e requisição de pequeno valor: o que são?

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Imagem ilustrativa (Foto: Pixabay)

Nesta semana a Comissão da Jovem Advocacia da OAB/SP traz em sua coluna lições valiosas sobre orçamento público. Neste artigo, falaremos sobre a forma que as Fazendas Pública da União, dos Estados e Municípios realizam o pagamento dos seus credores, em virtude de derrotas judiciais. Mais especificamente, falaremos de precatório e requisição de pequeno valor.

Este tema é importantíssimo para compreender os principais debates que todos os dias são encaminhados ao Poder Judiciário relacionado aos litígios causados pelo Poder Público, em muitos casos para retardar o pagamento de seus credores.

Para começar, por que isso existe?

A ideia central deste regime de pagamento diferenciado que é dado ao Poder Público é preservar o orçamento público e impedir que grande parte dos recursos financeiros do Estado sejam direcionados ao pagamento das condenações judiciais, inviabilizando a concretização das finalidades públicas.

Logo, por meio deste regime diferenciado, o Estado tem a prerrogativa de pagar os seus credores a partir de uma fila, organizada, em regra, pela ordem de chegada de cadastro do crédito.

E onde esse regime está previsto?

A previsão deste regime de pagamento encontra amparo na Constituição Federal e,  no art. 100, é previsto que:

“os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

Embora a menção contida na Constituição pareça simples, a regulamentação do precatório e da Requisição de Pequeno Valor (RPV) foi submetida a diversas alterações desde 1988. Isso foi feito, sobretudo, para retardar o momento de pagamento dos credores do Poder Público, movimento que tem sido chamado jocosamente de “emendas do calote”.

O QUE É PRECATÓRIO?

Precatório, em um conceito geral usado pelos tribunais e juristas brasileiros, nada mais é do que a requisição (o pedido) realizado pelo juiz ao presidente do Tribunal de Justiça em que o processo está vinculado para que o ente público – derrotado em processo judicial – pague uma dívida. Assim, a pessoa física ou jurídica titular desse crédito pode receber esse valor do Poder Público.

Em resumo, precatório é a forma de cobrança de uma dívida do Poder Público, dívida esta que foi constituída por uma condenação judicial.

O Poder Público realiza o pagamento destes valores, conforme as possibilidades financeiras destinadas a estes pagamentos no orçamento público.

Mas por que o precatório existe? E por que ter um procedimento especial, diferenciando as previsões contidas aplicadas às empresas e pessoas físicas para pagamento dos valores fixados em uma condenação judicial?

Em resposta, merece menção a definição de Vladimir Souza Carvalho

“o precatório existe porque a Fazenda Pública foi parte e foi vencida. Se seus bens fossem penhoráveis, como são os bens particulares, atendendo-se às exceções legais, não haveria necessidade de precatório. Diante da impenhorabilidade de seus bens, criou-se o precatório” [2].

Ora, nas condenações judiciais de particulares, caso a dívida não seja paga dentro  do prazo previsto na lei, a própria legislação prevê a possibilidade de ser realizado penhora dos bens do particular condenado (como bloqueio de saldos bancários, de bens móveis ou mesmo de bens imóveis).

Como mencionado na citação acima, a mesma premissa não se aplica ao Poder Público, já que, caso a dívida não seja paga dentro do prazo previsto, não é possível aplicar as mesmas medidas disponíveis aos particulares. Isso pois, na medida em que considerássemos a possibilidade de restrição de um bem público – por exemplo, um parque – embora o bem estivesse vinculado ao Poder Público, em verdade a prejudicada seria toda a sociedade.  

CLASSIFICAÇÃO DOS PRECATÓRIOS

Os precatórios podem ser classificados como de:

  • natureza alimentar (salários, vencimentos, proventos, pensões, dentre outros pagamentos inscritos no artigo 100, § 1º, da Constituição Federal);
  • não alimentar (por exemplo, quando o Poder Público é condenado judicialmente a pagar dívidas contratuais por inadimplemento de seus fornecedores de produtos ou serviços).

EM QUE ORDEM OS PRECATÓRIOS DEVEM SER PAGOS?

O precatório é pago com base na ordem cronológica (“número de ordem”) de cadastro da requisição junto à Presidência do Tribunal a que o processo está vinculado (“número de processo de precatório”). Esta ordem é controlada por meio de listas disponibilizadas pelo próprio Tribunal (art. 100, §§ 6º e 7º, Constituição).

A regra é que os pagamentos sejam realizados seguindo a ordem. Contudo, a própria Constituição e outras legislações editadas sobre o tema, apresentam exceções a ordem cronológica, para impor a determinados créditos o direito de “furar a fila”. 

Nesse sentido, dizem os §§ 1º e 2º do art. 100 da Constituição que a condenação decorrente de natureza alimentar tem preferência em relação às de natureza não alimentar. Dentro desses dois grandes grupos, há uma segunda ordem de preferência garantida aos precatórios de portadores de doença grave (inscritas no art. 6º, inciso XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988), idosos e pessoas com deficiência.

Portanto, na hora da requisição do pedido de prioridade, esses dois aspectos devem ser observados. Afinal, um precatório de natureza alimentar de um portador de doença grave tem prioridade diante de um precatório também alimentar, mas que pertença a uma pessoa que não tenha doença grave.

Ademais, conforme previsto no art. 100 da Constituição Federal, não pode o Estado destinar recursos para o pagamento do precatório a um determinado grupo ou pessoa, o que configuraria ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade (art. 37 da Constituição Federal).

POSSIBILIDADE DE “VENDA DE PRECATÓRIO”

Logicamente, como o direito à percepção de valores é um direito disponível (isto é, é de livre manejo de quem o possui, desde que atendidos aos critérios legais), os credores de precatórios podem ceder, total ou parcialmente, o valor de seus créditos, independentemente de concordância do ente público devedor (art. 100, § 13, Constituição). 

Nesse sentido, é bastante recorrente a realização de negócios para a compra-e-venda de precatórios, não havendo nada de inconstitucional nisto – bastando que seja informado nos autos de execução do precatório que houve a cessão do precatório, sob pena de invalidade do negócio realizado (art. 100, § 14, Constituição).

Como a Constituição definiu, não somente a venda (“cessão onerosa do crédito do precatório”) é permitida, como também a cessão do crédito de outras formas – por exemplo, doação, ou entrega do precatório em garantia à dívida existente também é possível. É óbvio, portanto, que o crédito de precatórios também será objeto de herança caso ele não seja pago até o falecimento do credor (o que, infelizmente, ocorre com certa frequência…).

Deve-se observar, por fim, que o art. 100, § 9º, da Constituição Federal, estipula que se o credor original do precatório tiver quaisquer dívidas ativas com o ente público devedor, essas dívidas serão compensadas (isto é, descontadas) no valor do precatório – obviamente isto não ocorrerá se a dívida for quitada pelo credor originário até a data do pagamento do precatório. 

Assim, é necessária muita atenção: caso o credor original do precatório ceda seu crédito, o cessionário (quem recebe o crédito) será atingido pela dívida que o credor original possuía com o ente público pagador do precatório.

QUANDO UM VALOR VIRA PRECATÓRIO?

A regra para definição de um precatório está ligada ao valor a ser pago pelo Poder Público: isto é, a partir de determinadas faixas numéricas, o pagamento se dará por precatório, quando não por meio de Requisição de Pequeno Valor (RPV), conforme esquematizado abaixo:

a) caso seja condenação imposta a um ente público federal, são executáveis por precatório somente as dívidas superiores a 60 (sessenta) salários-mínimos (art. 3º, Lei Federal 10.259/2011, que define o valor máximo para a propositura de ações judiciais perante os Juizados Especiais Federais);

b) caso seja a condenação imposta a um ente público estadual, o precatório será expedido somente para dívidas superiores a 40 (quarenta) salários-mínimos (art. 87, I, Ato Constitucional das Disposições Transitórias – ADCT);

c) caso seja a condenação imposta a um ente público municipal, o precatório só será para dívidas superiores a 30 (trinta) salários-mínimos (art. 87, II, ADCT).

Mas é necessário atenção, pois o artigo 87, ADCT define que os Estados e Municípios poderão estipular, via lei local, valor distinto para o piso de precatório, para que suas condenações judiciais sejam submetidas ao precatório. A mesma liberdade não é dada ao Governo Federal, já que o valor de piso de precatório é igual ao teto do valor dos processos perante o Juizado Especial Federal. 

Nesse sentido, a Constituição Federal traz, em seu art. 100, § 4º, que cada ente federativo poderá estipular como valor de piso para precatórios, no mínimo, o valor do maior benefício do regime geral da previdência social.

Como exemplo de piso de precatório distinto daquele previsto no ADCT, cita-se o caso do Estado de São Paulo: até 7 de dezembro de 2019, o valor-piso para expedição de precatórios se sujeitava à previsão do art. 87, I, ADCT. Com a publicação da Lei Estadual nº 17.205/2019, definiu-se que o piso para precatório passaria a ser de R$ 12.805,85 (em valores atualizados para 2021). [3]

O que não for precatório dentro da sistemática descrita, deve ser cobrado por RPV.

ADIANTAMENTO PARCIAL DO PRECATÓRIO

A importância de se informar que uma pessoa é idosa, portadora de doença grave ou de deficiência não se justifica somente pela vantajosidade na ordem da fila, conforme expusemos anteriormente.

Tais pessoas tem garantido a si o direito de receber adiantamento de seu precatório, o qual será calculado com base no triplo do valor limite para as Requisições de Pequeno Valor (RPV), nos termos do art. 100, § 3º, Constituição. O pedido de pagamento adiantado deve ser feito pelo advogado do interessado no processo de execução.

Se houver valor a ser pago após a entrega do adiantamento, esse remanescente será pago posteriormente, em obediência à ordem original do precatório na fila de pagamentos administrada pelo Judiciário.

E O QUE É REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR – RPV?

Já a RPV, prevista pela Constituição Federal no art. 100, § 3º, é uma forma mais rápida para se receber o valor devido judicialmente pelo Poder Público, pois seu prazo para pagamento é de 60 (sessenta) dias (art. 535, § 3º, II, do Código de Processo Civil).

Vale lembrar que os precatórios são pagos de acordo com uma fila administrada pelo Presidente do Tribunal que condenou o ente público e, por sua vez, o Poder Público quitará o precatório de acordo com a previsão orçamentária estipulada em sua Lei Orçamentária Anual especificamente para o pagamento dessas dívidas judiciais.

O RPV, como visto, além de ter prazo para quitação pré-determinado pela legislação processual, é o expediente de pagamento às condenações judiciais que não superam o valor-piso previsto aos precatórios.

Porém atenção: é vedado o fracionamento, a quebra ou a repartição do valor do precatório com vistas ao recebimento de um precatório em vários RPV – o que seria uma gritante fraude à fila de precatórios, que é corretamente repelida pelo art. 100, § 8º, da Constituição Federal.

JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA

A administração da dívida do Judiciário envolve não só garantir obediência à ordem cronológica das dívidas executadas pelas partes e seus advogados: serve, também, para que seja corretamente obedecida “a matemática das decisões judiciais” – isto é, a aplicação dos índices utilizados para a atualização monetária da dívida e, eventualmente, para a incidência de juros moratórios. 

Sobre o assunto, as regras de juros e correção foram definidas recentemente pelo Tema de Repercussão Geral nº 810, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele deve ser lido em conjunto com o Tema de Repercussão Geral nº 905, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, os quais, basicamente, definiram a interpretação correta do artigo 1º-F da Lei Federal nº 9.494/1997. [4]

CONCLUSÃO

Dessa forma, temos que o precatório e a RPV são duas formas de receber judicialmente os valores devidos pelo Poder Público, buscando sempre que a pessoa física ou jurídica receba da forma mais célere possível os valores previstos nas condenações judiciais, garantindo-se que ninguém terá quaisquer vantagens ilícitas ou imorais no recebimento das dívidas do poder público.

Por fim, é importante anotar que é obrigação de todo advogado e advogada – em colaboração com seus clientes – administrar os precatórios e os RPV de seus clientes, com vistas ao efetivo cumprimento dos prazos legais, à requisição e ao recebimento dos adiantamentos (quando cabíveis).

E, ainda, à conferência dos cálculos do valor principal, da correção monetária e dos juros moratórios, pois eles, eventualmente, podem ser desobedecidos pelo poder público (mesmo que seja bastante raro isto acontecer, e mais raro ainda que isto ocorra de má-fé, já que, atualmente, tais acompanhamentos e cálculos são quase todos automatizados).

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REFERÊNCIAS

[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo – 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 390/433.

[2] CARVALHO, Vladimir Souza. Iniciação ao estudo do precatório. Revista de informação legislativa, v. 19, n. 76, p. 325/364, out.-dez.;1982. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/181396>. Acesso em: 01/03/2021.

[3] ESTADO DE SÃO PAULO. Lei Estadual nº 17.205, de 07 de novembro de 2019. Estabelece, para fins de requisição direta à Fazenda do Estado de São Paulo, Autarquias, Fundações e Universidades estaduais, o limite para atendimento como obrigações de pequeno valor, nos termos do § 3º do artigo 100 da Constituição Federal. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2019/lei-17205-07.11.2019.html>. Acesso em 01/03/2021.

[4] ALVARENGA E VEIGA, Vinicius. STF e STJ definem teses para calcular condenações fazendárias. LexLatin: Opinião, 28 jul. 2020. Disponível em: <https://br.lexlatin.com/opiniao/stf-e-stj-fixam-teses-para-calcular-condenacoes-fazendarias>. Acesso em: 01/03/2021. 

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