O presidente pode mandar nos governadores e prefeitos?

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Esse conteúdo é fruto de uma parceria entre o Politize! e o EPEP (Estudos de Política em Pauta) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele discorrerá sobre  os limites do Poder Executivo no sistema federalista e a falta de cooperação no combate à Pandemia.

Presidente Jair Bolsonaro, Ministros e parlamentares durante, videoconferência com Governadores da região Nordeste. (Foto: Isac Nóbrega/ Agência Brasil)

Presidente Jair Bolsonaro, Ministros e parlamentares durante, videoconferência com Governadores da região Nordeste. (Foto: Isac Nóbrega/ Agência Brasil)Durante séculos, a humanidade tenta equilibrar concessão de poderes com limitações legais aos políticos por meio de leis, instituições, eleições regulares, partidos de oposição e entre outros mecanismos. Essa é uma lógica que faz parte da democracia, pois ganhar uma eleição significa conquistar poder. Mas, ao conquistá-lo, o governante não dispõe de infinitas atribuições, porque há limites em caso de abuso de suas responsabilidades. 

No entanto, nem sempre os limites são respeitados. Com a pandemia, alguns problemas se tornaram mais evidentes no funcionamento do Estado Brasileiro. Um exemplo é o conflito entre os diferentes níveis de poder. Discordando das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o atual presidente da República se opôs ao isolamento social total, afirmando que apenas o grupo de risco deveria evitar aglomerações, enquanto o resto da população deveria continuar suas atividades. Por outro lado, diversos governadores e prefeitos divergiram do posicionamento do presidente e decidiram restringir a circulação de pessoas.

Para entendermos um pouco melhor essa relação, cabe relembrar um pouco sobre a distribuição dos poderes no território brasileiro.

Como funciona o federalismo no Brasil?

O Brasil adota o modelo federalista que é uma forma de organização e distribuição do poder estatal em que a existência do Governo Central respeita a autonomia administrativa dos outros entes federativos.  A inspiração para adotar esse sistema veio dos Estados Unidos e foi introduzida no Brasil em 1891. 

O modelo vigente no país foi definido pela Constituição de 1988, em que foram determinadas competências comuns entre a União, os estados e municípios, no que diz respeito a elaboração de políticas e à entrega de serviços de educação , saúde ,assistência social , habitação, saneamento, cultura, meio ambiente, entre tantas outras tarefas. 

Um dos melhores exemplos  dessa cooperação entre os três níveis de governo é o SUS, que funciona por meio da divisão e compartilhamento de tarefas e recursos entre ambos os níveis de governo. Ou seja , para garantir maior acesso aos serviços de saúde foi preciso elaborar uma estrutura  complexa de integração intergovernamental. O Ministério da Saúde é o principal financiador da rede pública de saúde, também responsável pela formulação de políticas de saúde, que são implementadas e organizadas pelas  Secretarias Estaduais de Saúde. E os  municípios são responsáveis pela entrega direta desses serviços. Apesar de alguns desafios, esse arranjo institucional foi tão bem desenhado que outras políticas tentaram copiar esse mesmo modelo. 

Diante desse atual conflito entre governadores e o presidente, é preciso entender que a Constituição determina a descentralização administrativa de estados e municípios. Em outras palavras, o presidente da República ao mesmo tempo que deve respeitar as decisões dos outros níveis de governo, também precisa trabalhar em conjunto com governantes e prefeitos para buscar a integração entre esses três entes.

Quais são os desafios desse modelo?

Em muitos casos, a corresponsabilização intergovernamental é alvo de críticas  pelo fato de não ficar claro tanto para os governantes, quanto para os governados, de quem é a responsabilidade de determinada prática ou tarefa. Isso acontece pois nem todas as políticas foram desenhadas como o Sistema Único de Saúde por exemplo, e ao surgir um problema público, a população muitas vezes não sabe a quem recorrer para exigir melhorias. Ou seja , se surgir uma crise a culpa é do prefeito, do governador ou do presidente? 

Além disso, a plena descentralização administrativa dos entes federativos é um elemento difícil de ser alcançado, uma vez que os municípios e estados dependem, em muitos casos, da liberação de verbas e recursos da União. Mesmo sabendo disso, em um país de proporções continentais e rico em diversidade como o Brasil, a autonomia é fundamental, pois permite que as políticas sejam elaboradas de acordo com as necessidades e os contextos específicos de cada região. 

Qual a diferença de protagonismo e autoritarismo do Governo Central? 

Nas últimas décadas, o Governo Central foi protagonista na elaboração de vários projetos como as políticas de transferência de renda e acesso à moradia(1). Porém, tais projetos respeitaram os princípios da Constituição. Por quê? Pois nenhum estado ou município foi obrigado a implementar programas como o Bolsa Família, por exemplo. Naquela época, a cooperação entre os três entes federativos, funcionou por meio de benefícios mútuos para incentivar a adesão dos prefeitos e governadores ao cadastro e coleta de dados (2). Comandar e direcionar é diferente de fazer imposições. 

Em contextos autoritários há uma tendência de enfraquecimento do modelo federalista, e a história é prova disso. Tanto durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), como no Regime Militar (1964-1985) foi aprofundado um processo de ampliação dos poderes da União (3) restringindo a autonomia de estados e municípios, por meio do uso da força e imposição do medo. Em ambos os casos, as decisões foram centralizadas no Governo Federal sendo justificadas com discursos nacionalistas de união do país.

Como a COVID-19 retomou o debate sobre o federalismo?

Durante a crise da COVID-19, em vez de cooperação, os noticiários revelam sucessivos conflitos nos quais se nota uma batalha entre governadores e o presidente, que chegou a envolver até agressões verbais. E de quem é a culpa? Por mais que algumas pessoas critiquem a falta de clareza da Constituição, é válido perceber que as atuais lideranças federais e estaduais possuem dificuldades de comunicação entre si. Para governar na República, na democracia e no federalismo, é preciso diálogo e negociação. 

Portanto, um Presidente da República tem muitos poderes, mas não possuí todos. No federalismo, ele não pode tomar decisões em nome dos governadores e prefeitos. Logo, o sucesso do combate à Pandemia depende, em parte, da integração e do bom relacionamento intergovernamental.

Referências:

  1. O Estado no Brasil Contemporâneo: Um passeio pela história. Autor: Maria Hermínia Tavares de Almeida 
  2. O Programa Bolsa Família como estratégia para redução da pobreza e os processos de cooperação e coordenação intergovernamental para sua implementação. Autores: Rosani Evangelista da Cunha e Bruno Henrique Benfica da Câmera Pinto 
  3. O federalismo brasileiro. Autor: Antônio José Barbosa.
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A EPEP-FGV (Estudos de Política em Pauta) é uma entidade estudantil criada por alunos da Fundação Getúlio Vargas -EAESP. A composição da entidade é de alunos de Administração Pública e Empresas, Economia, Direito e Relações Internacionais. O objetivo está ligado ao desenvolvimento e à produção de conhecimento sobre as circunstâncias do cenários brasileiro e em levar à comunidade FGV um ambiente propício àqueles que pretendem compreender ou construir uma carreira política.
EPEP-FGV, ; Rossin, Jose. O presidente pode mandar nos governadores e prefeitos?. Politize!, 3 de junho, 2020
Disponível em: https://www.politize.com.br/presidente-e-governadores/.
Acesso em: 6 de nov, 2024.

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