A importância do sigilo da fonte no jornalismo: o caso de Reinaldo Azevedo e Andrea Neves

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Foto: R7 / Reprodução

Você deve ter ouvido da delação da JBS, cujo dono, Joesley Batista, colocou a boca no trombone, implicando até o presidente Michel Temer – temos textos falando sobre esse episódio. Mas o vazamento de alguns áudios, vindo do trabalho investigativo em cima dessa delação, também foram polêmicos, como a da conversa entre o jornalista Reinaldo Azevedo com sua fonte, Andrea Neves, assessora política e irmã do senador Aécio Neves. Vamos entender o que aconteceu?

O QUE FOI O VAZAMENTO DE ÁUDIO ENTRE REINALDO AZEVEDO E ANDREA NEVES?

No dia 23 de maio de 2017, foram divulgadas no site Buzzfeed transcrições de uma conversa entre o jornalista Reinaldo Azevedo e Andrea Neves, obtida por meio de um grampo no telefone de Andrea. Ela era fonte do jornalista – uma pessoa que lhe fornece informações – , o que pode ser observado até pelo tom amigável da conversa entre os dois.

A conversa aconteceu pouco depois da meia-noite no dia 13 de abril, uma semana turbulenta em Brasília: a delação premiada da empreiteira Odebrecht estava trazendo o nome de vários políticos à tona, inclusive o de Aécio Neves. No áudio da conversa, o jornalista critica uma reportagem feita pela revista Veja, onde mantinha uma coluna, a respeito do irmão de Andrea, o senador Aécio Neves. Além disso, critica as delações da Odebrecht em que Aécio foi citado. As críticas também eram direcionadas à atuação da Lava Jato.

Andrea Neves e seu irmão, o senador Aécio Neves. Foto: Wellington Pedro / Vozes do Morro

Quem são os envolvidos na conversa do áudio vazado…

Reinaldo Azevedo é jornalista e mantinha um blog no site e na revista Veja há 12 anos, uma coluna no jornal Folha de S. Paulo e um programa na rádio JovemPan. Na semana do vazamento dos áudios, ele pediu demissão da Veja e se desligou da JovemPan; agora transferiu seu blog para o portal da RedeTV! e assinou contrato com a Band FM. Reinaldo Azevedo é uma figura excêntrica, conhecido por suas posições conservadoras e, como ele mesmo diz, da “direita liberal”. Nos últimos meses, tem escrito vários textos criticando o que chama de abusos e excessos de pessoas envolvidas na Operação Lava Jato, como o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot e o juiz federal Sérgio Moro.

Andrea Neves também é jornalista e atuou na profissão durante alguns anos, na década de 1990. Ela é irmã do senador Aécio Neves, de quem é assessora política e braço direito. Andrea Neves administrou as campanhas do PSDB no estado de Minas Gerais, na área da comunicação e assessorou Aécio na sua candidatura presidencial em 2014. A conversa entre Reinaldo Azevedo e Andrea Neves foi gravada porque ela e seu irmão foram delatados pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da multinacional JBS e, por isso estavam sendo investigados e seus telefones foram grampeados. No dia 18 de maio de 2017, foi presa numa ação da Lava Jato com a acusação de ter recebido 2 milhões de reais em propina para Aécio Neves da JBS.

Andrea Neves. Foto: Osvaldo Afonso / WikiCommons

POR QUE HOUVE O VAZAMENTO DESSES ÁUDIOS?

No inquérito da investigação do que foi dito pelo dono da JBS, foram coletados milhares de documentos e áudios das pessoas envolvidas, cujos telefones estavam grampeados. As ligações foram interceptadas pela Polícia Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República e autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal.

De acordo com a Lei das Interceptações, quem faz os “grampos” nos telefones é a Polícia Federal. Os áudios são mandados ao Ministério Público Federal, onde os procuradores responsáveis devem filtrá-los: o que é relevante para o caso, fica; o que não tiver relevância deve ser descartado – pelo próprio MPF ou a pedido da pessoa investigada.

O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, “tirou o sigilo” e tornou públicos todos os documentos desse inquérito a pedido da Procuradoria-Geral da República. Dentre mais de 2.800 ligações dos investigados, estavam áudios que não continham informações sobre possíveis crimes – nesse montante, constava o áudio de Andrea Neves com o jornalista Reinaldo Azevedo.

QUEM VAZOU OS ÁUDIOS?

Alguns jornais especulam de onde veio o erro e se, de fato, foi um erro tornar pública uma conversa que não teve a ver com um crime cometido e coloca em cheque a conversa de um jornalista com a sua fonte. Questiona-se se não houve o filtro Ministério Público em não ter descartado áudios não pertinentes à investigação, por conta do imenso volume de documentos, e também especula-se se o vazamento do áudio foi uma espécie de retaliação ao fato de que Reinaldo Azevedo criticava a Operação Lava Jato.

A Procuradoria-Geral da República foi enfática em uma nota pública, afirmando não ter anexado, divulgado, transcrito nem juntado o áudio dessa conversa ao processo. “Todas as conversas utilizadas pela PGR em suas petições constam tão somente dos relatórios produzidos pela Polícia Federal, que destaca os diálogos que podem ser relevantes para o fato investigado. Neste caso específico, não foi apontada a referida conversa.” Até agora, além da PGR, a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal também lançaram notas públicas sobre o assunto, mas nenhuma delas explica o que aconteceu.

Foto: SCO / STF

POR QUE O SIGILO DA FONTE DO JORNALISTA É VITAL PARA A SUA CARREIRA?

Andrea Neves era fonte de Reinaldo Azevedo. No jornalismo, a relação do jornalista com a sua fonte é a mais importante que há e deve ser cultivada a fim de obter informações diferenciadas dos demais ou de maneira mais rápida e, nesse caso, de dentro da esfera política. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XIV da Constituição, afirma estar “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Um jornalista depende das suas fontes, do cultivo dessas relações e dessa garantia constitucional para exercer a sua profissão; o respeito ao sigilo da fonte, à preservação desse direito é respeitar também a liberdade de imprensa.

Sabemos das fontes de jornalistas quando elas são mencionadas nas reportagens e notícias que publicam – “de acordo com fulano”, “segundo beltrano”, “em entrevista”. Mas existem fontes que nem sempre aparecem no produto jornalísticos, mas que são imprescindíveis ao jornalistas, que terá alguém em determinado espaço – seja público ou privado – que lhe concede entrevistas ou mesmo apenas alguém com quem conversa. Essa relação é baseada na confiança, inclusive quando a fonte fala off the record, isto é, sem qualquer gravação ou anotação sobre algum fato que a fonte conta.

A Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos publicou uma nota em que diz: “A inclusão das transcrições em processo público ocorre no momento em que Reinaldo Azevedo tece críticas à atuação da PGR, sugerindo a possibilidade de se tratar de uma forma de retaliação ao seu trabalho. A Abraji considera que a apuração de um crime não pode servir de pretexto para a violação da lei, nem para o atropelo de direitos fundamentais como a proteção ao sigilo da fonte, garantido pela Constituição Federal.”

Também em nota, Reinaldo Azevedo afirmou que a divulgação do conteúdo do áudio é “uma agressão a uma das garantias que tem a profissão”. “A menos que um crime esteja sendo cometido, o sigilo da conversa de um jornalista com sua fonte é um dos pilares do jornalismo”.

Seminário sobre Liberdade de Imprensa no Brasil.
Foto: Cleones Novais / WikiCommons

O QUE DISSERAM OS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO…

Diversos meios de comunicação, mesmo aqueles com rixas ideológicas e mesmo desavenças profissionais com Reinaldo Azevedo, publicaram textos bastante incisivos ao noticiar o vazamento de sua conversa com Andrea Neves. Foi o caso da Carta Capital e do The Intercept, que fizeram duras críticas à possibilidade de o vazamento ser uma retaliação às críticas de Reinaldo à Operação Lava Jato.

Fizeram, ainda, um manifesto à liberdade de imprensa, que deve ser respeitada, juntamente com o direito de sigilo da fonte. Ambos os veículos trouxeram o caso de Eduardo Guimarães, blogueiro do lado oposto do espectro político de Reinaldo Azevedo, que teve mandado de prisão e de busca e apreensão de seus pertences por ter publicado informações sobre a condução coercitiva de Lula. Eduardo Guimarães também pediu proteção ao sigilo da sua fonte.

Fontes: Nota pública da PGR; Jornal Zero Hora; Uol; O Globo – sobre o caso; O Globo –  sobre o vazamento de áudio; Justificando, da Carta Capital; O Estado de São Paulo; Congresso em Foco; Buzzfeed News; Estadão; The Intercept.

O que você achou do vazamento de áudio da conversa entre o jornalista Reinaldo Azevedo e Andrea Neves? Concorda que o sigilo da fonte é essencial no jornalismo? Deixe seu comentário!

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1 comentário em “A importância do sigilo da fonte no jornalismo: o caso de Reinaldo Azevedo e Andrea Neves”

  1. Fernando Malta

    Entre os muitos pilares que sustentam uma democracia, há um que, embora invisível aos olhos do senso comum, é absolutamente essencial para a liberdade de expressão e o exercício ético do jornalismo: o sigilo da fonte. Quando esse pilar é violado, não se destrói apenas a privacidade de uma conversa — mas sim a confiança que estrutura a própria função do jornalista como mediador entre os fatos e o interesse público.

    O caso envolvendo o jornalista Reinaldo Azevedo e Andrea Neves (irmã de Aécio Neves) é um marco desse tipo de violação, não apenas pelo conteúdo da conversa vazada, mas pelo princípio atropelado. Em 2017, enquanto o país fervilhava sob o calor da delação da JBS e da Lava Jato, a divulgação da conversa entre o jornalista e sua fonte expôs, para além dos envolvidos, a fragilidade institucional no trato com a liberdade de imprensa.

    É necessário evocar aqui Benjamin Constant, um dos pais do liberalismo constitucional, que já advertia: “Não há liberdade onde o Estado pode invadir os limites da consciência individual e da comunicação privada.” O sigilo da fonte, nesse sentido, não é apenas uma “regalia” jornalística: é um direito assegurado pela Constituição brasileira, no artigo 5º, inciso XIV, que protege o profissional da imprensa de revelar quem lhe confia informações.

    Ao se permitir que uma escuta telefônica, feita no contexto de uma investigação sobre Andrea Neves, inclua e exponha um jornalista que não era objeto da investigação, o Estado rompe não apenas com a legalidade — mas com a confiança republicana. É como se, no afã de encontrar culpados, se abrisse mão do estado de direito em nome da espetacularização judicial.

    Reinaldo Azevedo, notoriamente um crítico da Lava Jato, viu-se vítima de um aparato investigativo que deveria ter garantido a ele os mesmos direitos que protege qualquer cidadão — inclusive aqueles que a própria operação dizia defender. O grampo, que supostamente visava apurar crimes, acaba violando a dignidade da prática jornalística, tal como Sócrates foi condenado por corromper os jovens sem jamais ter empunhado espada: pela palavra.

    Historicamente, jornalistas são ponte entre os bastidores do poder e a consciência coletiva. Eles vivem, muitas vezes, no fio da navalha entre o interesse público e o risco pessoal. São, por natureza, incômodos ao poder estabelecido. O que ocorre quando se quebra o sigilo da fonte é a destruição do elo mais delicado dessa relação — a confiança. E, sem confiança, resta ao jornalista o silêncio, ou a irrelevância.

    Talvez fosse o caso de recordar George Orwell, que escreveu: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.” Se jornalistas não puderem garantir proteção a suas fontes, como irão receber as denúncias que tanto interessam à sociedade? Como investigarão os desvios do poder, se o próprio poder lhes nega a proteção?

    O episódio de Reinaldo Azevedo não é sobre ele. Não é sobre Andrea Neves. É sobre o futuro da imprensa num país democrático. É sobre a linha tênue entre investigar crimes e criminalizar a crítica. É sobre o papel das instituições: serão guardiãs da legalidade ou instrumentos da exceção?

    Se permitirmos que o sigilo da fonte seja violado uma vez, ele nunca mais será absoluto. E o jornalismo, tão necessário para manter a opinião pública informada e ativa, poderá ser reduzido à função de porta-voz de versões oficiais, exatamente o que a Constituição de 1988 jurou combater.

    A liberdade de imprensa, portanto, não pode ser uma concessão — ela é o próprio esteio da democracia. E o sigilo da fonte é seu escudo mais sagrado.

    Uma sociedade que não protege seu jornalismo livre está, na verdade, desprotegendo a si mesma.

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Conteúdo escrito por:

Carla Mereles

Sou uma jornalista brasileira procurando ouvir ideias e histórias originais, peculiares e corajosas. Trabalhando como estrategista de marcas, desenvolvo narrativas que buscam emanar o que há de mais autêntico e verdadeiro nas pessoas, marcas e negócios, criando conexão através da emoção e identificação. Hoje, minha principal atuação é como estrategista de marcas na Molde, construindo marcas que redefinam realidades e gerem impacto. Como profissional autônoma atuo com a gestão de marca do estúdio de design de produto HOSTINS—BORGES, colaboro regularmente com a FutureTravel, uma publicação digital baseada em Barcelona, e preparo palestrantes no TEDxBlumenau como voluntária desde 2016.
Mereles, Carla. A importância do sigilo da fonte no jornalismo: o caso de Reinaldo Azevedo e Andrea Neves. Politize!, 3 de junho, 2017
Disponível em: https://www.politize.com.br/sigilo-da-fonte-caso-de-reinaldo-azevedo/.
Acesso em: 17 de set, 2025.

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