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Desigualdade racial: como a tributação pode combatê-la?
8 ago 2023
8 ago 2023

Desigualdade racial: como a tributação pode combatê-la?

Desigualdade racial: como a tributação pode combatê-la?

O racismo estrutural está presente em toda a sociedade brasileira e é causa da manutenção da desigualdade racial no país. Devido à importância dessa questão e os impactos que ela possui, o Estatuto da Igualdade Racial foi criado em 2010, por meio de uma lei (Lei 12.288), para assegurar o direito desses grupos.

No art. 3 deste estatuto, a desigualdade racial é definida como: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. Ou seja, há desigualdade sempre que alguém for impossibilitado de acessar e usufruir de bens e direitos com base na sua identidade racial.

Neste texto, apresentaremos como a desigualdade racial pode ser acentuada ou combatida por meio da tributação. Considerando o impacto que as cobranças de tributos possuem em nossas vidas, será que elas são feitas de uma maneira justa para todos? Para saber mais, segue com a gente!

O projeto Tributos e Desigualdade é uma realização do Instituto Mattos Filho, produzido pela Civicus em parceria com a Politize!. Juntos, temos o objetivo de levar conhecimento e informações sobre a tributação no Brasil e seus impactos sobre as desigualdades.

→ Neste eixo do projeto, conversamos com a Luiza Guanabara, estagiária de direito tributário do Mattos Filhos e discutimos qual o papel da tributação no combate às desigualdades. Confere esse papo aqui:

Quem paga mais tributos no Brasil?

Os debates sobre a relação entre o sistema tributário brasileiro e a desigualdade puderam ser observados de forma mais detalhada a partir do início da ditadura militar. Isso porque foi o momento em que os Censos Demográficos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começaram a ser amplamente realizados, possibilitando uma maior visibilidade e, consequentemente, análise dessa relação. Apesar do crescimento econômico brasileiro na época, a distribuição de renda piorou e essa desigualdade se manteve ao longo dos anos.

O sistema tributário utilizado era pautado na regressividade, aspecto que também continua presente até a atualidade e que é um dos principais fatores na manutenção de desigualdades. Antes de nos aprofundarmos na questão da desigualdade racial, vamos entender o que é um sistema tributário regressivo e por quê ele torna os tributos proporcionalmente mais caros para as pessoas com menor renda. 

→ Para conhecer cada tipo de sistema tributário, acesse nosso post Sistema tributário nacional: como funciona?

Podemos definir como “sistema tributário regressivo” aquele em que, à medida que a renda aumenta, as pessoas pagam proporcionalmente menos tributos.  Isso acontece porque grande parte das cobranças de tributos é feita sobre bens e serviços e, dessa forma, não considera a capacidade contributiva de cada pessoa. Em outras palavras, todos os consumidores arcam com o custo dos tributos de forma igual, sem que eles tenham sido ajustados para o quanto cada um pode contribuir. 

Vamos pensar em um exemplo que ilustre o impacto do sistema tributário regressivo em uma realidade de desigualdade:  imagine que um determinado produto custe R$ 1.000,00 e desse valor R$ 200,00 correspondam aos tributos. Esses R$ 200 reais equivalem a 10% de um salário de R$ 2.000,00 e apenas 1% do salário de alguém que recebe R$ 20.000,00. Deu para entender a relação? Com isso, percebemos que pessoas com menor renda acabam pagando proporcionalmente mais tributos do que aquelas com a renda mais alta, visto que esse valor representa uma porcentagem maior dos seus ganhos.

Quando consideramos essa desigualdade de renda e os impactos que a tributação causa nesse contexto, não podemos ignorar que a concentração de riquezas está ligada diretamente com a desigualdade racial e de gênero. O histórico da escravidão por anos no país e as suas consequências quanto à desigualdade estão presentes até hoje.

Essa diferença fica evidente se analisarmos como a renda é distribuída no país. A maioria da população é negra, representando 57% do total, mas se considerarmos a renda per capita (renda por pessoa), em 2018, a população branca ganhou quase duas vezes mais do que a negra. O salário médio de uma pessoa branca era de R$ 1.846 reais, em contrapartida, uma pessoa negra recebeu em média R$ 934 reais de salário médio, segundo dados do IBGE.

Além da desvantagem financeira e de assumirem postos de trabalho informais ou com menores garantias e direitos trabalhistas, as pessoas negras ainda têm parte considerável da renda destinada ao pagamento de tributos. Mesmo que estejam na faixa de isenção do imposto de renda, por exemplo, elas ainda têm necessidade de consumir produtos e serviços, que incluem tributos no preço final. Assim, de modo geral, as pessoas negras pagam uma proporção maior de sua renda em tributos, o que contribui para acentuar ainda mais as desigualdades existentes.

Uma ação que busca diminuir essas cobranças é a diminuição de impostos para bens essenciais, falamos mais sobre isso no post Tributação sobre o Consumo. Porém, a noção do que seria “essencial” ainda é debatida e há diferenças de cobrança de impostos entre diferentes estados. Mesmo com uma menor tributação, ainda haverá necessidade de consumir coisas além daquilo que é caracterizado como produto essencial.

Relação entre raça e gênero: como as mulheres negras podem sofrer mais com a tributação?

Considerando os dados do IBGE, as pessoas negras estão sujeitas a condições de trabalho e salários, podemos perceber que, nesse grupo, as mulheres negras são ainda mais afetadas. Dentre as empregadas domésticas, 65% são mulheres negras, consequência também do passado escravagista do país. Somado a isso, muitas delas trabalham sem um contrato de trabalho que possibilite garantias mínimas, tornando-as ainda mais vulneráveis a abusos e exploração, além de acentuar duplamente as desigualdades de raça e gênero.

Imagem em preto e branco com mulher negra fazendo sinal de pare com a mão direita para simbolizar a necessidade de combater a desigualdade social.
O combate à desigualdade social é necessário e pode ser feito também por meio da tributação. Imagem: Freepik.

Nesse contexto, a mulher negra passa a ser a base da pirâmide social no país e do sistema tributário brasileiro que, construído a partir de um sistema regressivo, torna as cobranças proporcionalmente mais caras para esse grupo. Dessa forma, grande parte do salário delas é consumido pelas despesas básicas, de vestuário e alimentação e, consequentemente, pelos tributos incidentes sobre estes produtos, acentuando a desigualdade social.  

Essa relação entre classe, gênero e raça é chamada de interseccionalidade, pois considera que a articulação entre essas três características afeta a vida do sujeito de diversas formas, não só no presente, mas também no futuro, por meio das consequências históricas que modificam o contexto vivido por ele e suas perspectivas de desenvolvimento. Nesse sentido, segundo dados estatísticos do IBGE, as mulheres negras ocupam um lugar desfavorável em todos os âmbitos devido às desigualdades estruturais existentes no país. 

Como a tributação pode combater a desigualdade racial?

A Constituição de 1988 garante algumas medidas tributárias visando a melhoria da desigualdade, alguns exemplos são: o caráter progressivo do Imposto sobre a Renda, que seria a tentativa de cobrar mais daqueles que recebem mais, a existência de isenções e imunidades, os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, entre outros. Além disso, é por meio dessa arrecadação que o Estado garante as políticas públicas, ações importantes para combater o cenário que apresentamos. 

→ Para saber melhor como isso ocorre, acesse nosso post “Como as políticas públicas são garantidas com a tributação?”.

Adotar políticas tributárias extrafiscais seria uma forma de reduzir essas desigualdades. Primeiro, vamos entender o que seriam essas políticas: Segundo Luiza Guanabara, estagiária do Mattos Filho e convidada do terceiro episódio do nosso podcast, Joaquim Barbosa Gomes, afirma que essas políticas são criadas com objetivo de combater a discriminações racial, de gênero, entre outras, funcionando como políticas afirmativas. A partir disso, no âmbito tributário, são as políticas tributárias com o chamado “caráter extrafiscal”, ou seja, que não possuem como único objetivo gerar arrecadação, tentam modificar as condições sociais, como a isenção de impostos para determinados grupos.

É claro que a situação de desigualdade racial possui diversas causas e se relacionam com diversos aspectos da sociedade. Desse modo, a tributação isoladamente não seria capaz de resolver tal problemática. Entretanto, certamente, poderá ser uma aliada importante para promover a equidade no país.

Conclusão

Ao longo do texto, buscamos evidenciar que não basta reconhecermos que há desigualdade no Brasil. É necessário que o sistema tributário avalie como esses grupos que sofrem desigualdade e que, consequentemente, possuem rendas e situações sociais mais vulneráveis, são compostos. Isso porque, assim, será possível considerar como a concentração de renda no país impacta as questões raciais e de gênero.

Tal aspecto é importante, pois, devido ao sistema tributário regressivo, pessoas negras com menor renda acabam pagando proporcionalmente mais tributos, afetando a possibilidade de ascensão social de grupos que foram historicamente marginalizados.

Destaca-se que apesar de não podermos definir a tributação como a “causa” dessa situação ou a única possibilidade de melhoria, ela é uma das ferramentas possíveis, tanto para ajustar as cobranças quanto promover políticas públicas que visem a diminuição da desigualdade racial.

Percebe, então, como a tributação se relaciona com problemas sociais de maneira positiva e negativa? É realmente uma ferramenta que o Estado possui para administrar melhor a sociedade e que deveria garantir o bem-estar social, promovendo a equidade racial. No próximo post, vamos nos aprofundar na relação entre tributação e desigualdade de gênero. Continue acompanhando o projeto para saber mais!

→ Neste vídeo, apresentamos de forma simples e didática qual o papel da tributação no combate à desigualdade. Clique no play para começar:

Autores:

  1. Amanda Casseb Reis Ramos
  2. Isabele Monteiro Zeitune
  3. Leonardo Linck Squillace
  4. Luiza Linardi Guanabara
  5. Mariana Mativi
  6. Marina da Silva Costa
  7. Pamela Vieira de Souza Ramagnoli
  8. Pâmela Larissa Miguel Gottardini 
  9. Raimundo Vinicius

Fontes:

  1. Instituto Mattos Filho;
  2. Lei 12.288.

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