Desigualdade racial no Brasil: uma realidade atual

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Desigualdade racial no Brasil: uma realidade atual
16 jun 2021
16 / jun / 2021

Desigualdade racial no Brasil: uma realidade atual

Você sabia que, segundo a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, de 2015, a renda média das pessoas pretas e pardas (que configuram a população negra do país) equivale a apenas 59,2% da renda média das pessoas brancas?

E, além disso, que de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, para cada não negro assassinado no Brasil, 2,7 negros são vítimas de homicídio?

Esses dados revelam uma realidade no país: a desigualdade racial. Alguns grupos étnico-raciais ainda são afetados com a discriminação e possuem dificuldades para se inserir na sociedade brasileira.

Essa exclusão social é fruto de uma construção histórica baseada na escravização e marginalização desses grupos, que por muito tempo não tiveram acesso a direitos básicos.

Mas você realmente sabe o que isso representa no país hoje? Neste texto do Equidade vamos falar sobre a desigualdade racial no Brasil, compreendendo as suas origens e impactos na sociedade.

O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre a desigualdade racial no Brasil? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

As origens históricas da desigualdade racial

Para compreender a realidade da desigualdade racial no Brasil, precisamos entender o contexto histórico que nos trouxe até aqui. Dessa forma, primeiro vamos falar sobre a situação dos grupos étnico-raciais no país antigamente e como os direitos desses grupos foram sendo reconhecidos e conquistados ao longo do tempo. 

Durante todo o período colonial brasileiro (1500 – 1822), a escravidão se fez presente como a base de sustentação do sistema econômico e social da época. A mão de obra escrava era composta por indígenas e negros, que eram explorados e submetidos a condições desumanas de vida por ordem dos colonizadores.

Estes, portugueses e espanhóis em sua maioria, enxergavam tais grupos étnico-raciais como seres inferiores que precisavam ser educados e civilizados aos moldes europeus. 

A dominação e escravização indígena foi a primeira a ocorrer no país, visto que eram os povos nativos que aqui existiam quando os colonizadores chegaram no território.

A escravização negra se deu em um segundo momento, quando os africanos, que também sofriam com a colonização em seu continente, foram traficados e enviados em navios para o continente americano. Estima-se que ao longo desses três séculos, cerca de 4 milhões de africanos foram enviados ao Brasil para serem escravizados.

Em 1822 o Brasil se tornou independente e em 1824 promulgou a sua primeira Constituição Federal. No entanto, a escravidão continuou sendo legal no país e os negros continuaram sem nenhum tipo de liberdade.

Os indígenas, por sua vez, por meio do estabelecimento do Diretório dos Indígenas, em 1757, adquiriram certas liberdades com contrapartidas, como ter que seguir o modelo cultural de vida dos colonizadores.

O Brasil República e a conquista dos direitos étnico-raciais

Foi somente em 1888 que a abolição da escravidão aconteceu no Brasil, por meio da Lei Áurea, sendo o último país das Américas a eliminar legalmente esse sistema de produção e organização econômica. Logo após isso, em 1889, houve a Proclamação da República e dois anos mais tarde, a promulgação da Constituição de 1891.

Contudo, apesar da liberdade formal adquirida pelos negros, a nova Constituição não lhes garantiu diversos direitos fundamentais e não os reconhecia como cidadãos.

Isso significa que os negros não possuíam direitos civis nem políticos, não tendo permissão para votar e não possuindo acesso à educação, saúde e justiça garantidos por lei.

Sendo assim, a abolição da escravidão não resultou na inserção dos afrodescendentes na sociedade, que permaneceram sofrendo com a discriminação e os preconceitos sociais, fundamentados no racismo.

Foi somente no século XX, com a elaboração da Constituição de 1934, por Getúlio Vargas, que certos direitos de grupos étnico-raciais vulnerabilizados foram reconhecidos pela primeira vez no Brasil.

Nela, ficou estabelecido o sufrágio universal, ou seja, o direito ao voto a todos os adultos no país, independente de gênero e raça. Importante ressaltar que a conquista dos grupos étnicos-raciais por direitos políticos no país foi consequência de muita luta e esforços. 

Imagem de homens negros protestando representando a desigualdade racial no Brasil

Isso ocorreu principalmente por meio de movimentos sociais dos negros, que desde à época colonial se organizavam e criavam mobilizações de resistência, como os quilombos, que representavam um refúgio para os escravos.

Já no início do século XX, o movimento negro representava uma mobilização social na busca pela igualdade em direitos, justiça e tratamento. Denunciando a desigualdade racial e o preconceito social, reivindicando por políticas de inclusão para grupos sociais vulneráveis. 

A evolução do direito antidiscriminatório e a promulgação da Constituição de 1988

Como resultado da pressão dos movimentos, em 1951 foi promulgada a Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390/1951), que determinou o racismo como contravenção penal, isto é, uma infração penal de menor gravidade.

Foi a primeira lei na legislação brasileira a condenar práticas discriminatórias em razão de raça, como negar emprego, impedir entrada em estabelecimentos e recusar hospedagem em hotel, prevendo multa e até um ano de prisão. 

Um pouco mais de vinte anos depois, no ano de 1973, foi promulgado o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973). Nele, os povos indígenas são tidos como “relativamente incapazes” e necessitam ser auxiliados por um órgão indigenista estatal (atualmente a Fundação Nacional do Índio – FUNAI) até que estivessem totalmente integrados à comunidade nacional. 

Contudo, essa data integra o período da ditadura militar (1964-1985) no país, que foi marcado pela retirada de diversos direitos sociais, principalmente em relação às liberdades individuais e coletivas.

Tanto os negros como os indígenas sofreram uma maior repressão política nesse período, aprofundando a desigualdade racial no Brasil. O movimento negro, por exemplo, foi desmobilizado e desarticulado, vivendo numa espécie de semiclandestinidade, em que a discussão pública sobre questões raciais foi quase banida. 

Dessa forma, foi apenas com a redemocratização em 1985, que resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988, que os direitos fundamentais, como saúde, educação, trabalho, segurança, igualdade e justiça passaram a ser garantidos a todos, sem discriminação de origem, raça, sexo, cor e idade.

Além disso, o documento é o primeiro na história a reconhecer aos indígenas o direito de manter a sua própria cultura e, em seu art. 5º, determina que o racismo é um crime inafiançável e imprescritível.

A realidade atual da desigualdade racial

As conquistas por direitos que visam proteger os grupos étnicos-raciais vulnerabilizados no país, apesar de representarem um grande avanço, são recentes e insuficientes para eliminar a desigualdade racial no Brasil.

Todo o contexto histórico comentado produziu efeitos que são sentidos até os dias de hoje e evidenciam a vulnerabilidade socioeconômica desses grupos.

Olhando para a população negra (pretos e pardos), temos que ela compõe 75% das pessoas que vivem em situação de pobreza no país, mesmo sendo a maior parcela da população nacional (54,9%), segundo o IBGE

As mulheres negras, por exemplo, recebem em média menos da metade do salário de um homem branco, mesmo exercendo funções similares ou iguais.

E, ainda de acordo com o IBGE, entre os 10% da população com os maiores rendimentos, apenas 27,7% são pretos ou pardos, sendo que estes também correspondem a 64% dos desempregados no Brasil.

Imagem de uma mulher negra representando a desigualdade racial no Brasil

Além de tudo, a desigualdade racial não é exclusiva aos aspectos econômicos e financeiros, mas também possui efeitos em áreas como a saúde e a segurança.

Em termos de segurança, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2019, 66,6% das mulheres que sofreram violência doméstica e sexual eram negras.

E 75% das crianças e adolescentes que sofreram violência doméstica também eram negras. Sendo que o sistema prisional brasileiro é composto majoritariamente (66,7%) por pessoas negras.

Em relação à saúde, segundo a primeira Pesquisa Nacional de Saúde, de 2013, a expressiva maioria das pessoas negras, cerca de 78,8%, não possuem plano de saúde.

Nesse aspecto, a desigualdade racial no Brasil se inicia ainda no útero, visto que segundo dados de 2019 do Ministério da Saúde, 2 em cada 3 mortes maternas são de mulheres negras e a mortalidade no primeiro ano de vida é 22,5% maior entre os negros. 

Atualmente, a pandemia do Covid-19 realçou a desigualdade racial no país, visto que segundo as notificações do Ministério da Saúde, o vírus apresentou maior letalidade entre a população negra brasileira. Atingindo a proporção de 1 em cada 3 mortes.

Além disso, dados coletados por pesquisadores independentes em mais de 5.500 municípios mostram que 55% dos pacientes negros hospitalizados com Covid-19 não sobreviveram, em comparação com 38% dos pacientes brancos. 

Importante ressaltar que a desigualdade racial não afeta apenas a população negra, mas também os indígenas e quilombolas no país. Estes, por exemplo, devido às distâncias e à dispersão dos seus povos, encontram dificuldades de acesso aos serviços de saúde.

Sendo que apenas 32,8% dos seus domicílios rurais estão ligados à rede de distribuição de água. Mas você pode conferir melhor sobre a situação desses grupos étnico-raciais em nossos textos sobre os direitos indígenas e os direitos quilombolas no Brasil. 

Conclusão

Desde o período da colonização, grupos étnico-raciais sofrem com a discriminação, que antes se manifestava na escravidão e na imposição de um modelo cultural de vida e agora se manifesta nas mais diversas desigualdades raciais às quais esses grupos são submetidos.

Dessa forma, é possível perceber a vulnerabilidade dos negros, indígenas e quilombolas em diferentes aspectos sociais no país. 

Como diz o grupo de rap brasileiro Racionais Mc’s: “500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou”. É claro que retirando a licença poética da frase, vimos que muitos direitos foram previstos e avanços obtidos durante todo esse tempo.

Mas realmente algumas coisas ainda não mudaram, como as desvantagens e mazelas enfrentadas por determinados grupos étnico-raciais. 

Isso não é apenas fruto de um longo período de exploração e escravização, mas também de um preconceito social que acaba efetivando a desigualdade.

Por isso, hoje não há como falarmos em democracia no Brasil sem que o racismo, a discriminação e a igualdade não façam parte do debate público. Nós como cidadãos devemos ter consciência dessa realidade e solicitar ao Poder Público que políticas que visem combater a desigualdade racial sejam efetivadas. 

Além disso, individualmente podemos melhorar o nosso próprio comportamento, eliminando preconceitos e estereótipos que ainda se fazem presentes na sociedade de maneira estrutural.

Aliás, esse será o assunto do nosso próximo texto, em que vamos falar sobre o racismo estrutural, buscando entender o que isso significa e representa na sociedade brasileira. Então, confere lá!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos Étnico-raciais“, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Eduardo de Rê
Isabela Campos Vidigal Takahashi de Siqueira
Julia Reis Romualdo
João Pedro de Faria Valentim
Leonardo Gabriel Reyes Alves da Paes

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

 2- COLAÇO, Thais; APARICIO, Adriana. Direitos étnicos-culturais na Constituição Federal de 1988 e a Superação da Hegemonia Cultural. Revista Dat@venia, vol. 8, nº 1, p. 67-77, 2016.

3- DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Revista Tempo, vol. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. 

4- ESTEVES, Gabriel. As relações étnico-raciais no Brasil: cultura e preconceito. Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, vol. 10, n. 2, p. 111-117, 2018. Disponível em: <https://periodicos.fclar.unesp.br/redd/article/view/11898>. Acesso em: 22 de fevereiro de 2021

5- HERINGER, Rosana. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(suplemento): p. 57-65, 2002.

6- MAIA, Maria. História do Direito no Brasil – os direitos humanos fundamentais nas Constituições Brasileiras. Revista JurisFIB, vol . 3, ano 3, p. 267-283, 2012.

7- MENEZES, Jaci. Abolição no Brasil: A Construção da Liberdade. Revista HISTDEBR On-line, Campinas, nº 36, p. 83-104, 2009. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639642/7210>. Acesso em: 04 de março de 2021.

8- MOURA, Clóvis. Escravismo, Colonialismo, Imperialismo e Racismo. Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA) – São Paulo, Afro-Ásia, 14, 1983. Disponível em: <https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/20824/13425>. Acesso em: 04 de março de 2021.

9- SEYFERTH, Giralda. Colonização, Imigração e a questão racial no Brasil.  Revista USP, São Paulo, nº 53, p. 117-149, 2002.

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