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Trabalhadoras domésticas: a relação entre a profissão e a herança escravagista

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Imagem: stockphotos/diretos reservados.

Quando você pensa em trabalhadoras domésticas, o que vem ao imaginário? Se veio a sua mente a imagem de uma mulher negra e pobre, é preciso entender o porquê de tal raciocínio.

No Brasil, segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2021, havia 5,7 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil. Deste total, 92% eram mulheres e 65% delas eram negras.

O que muitos podem enxergar como uma singela profissão, na realidade é uma função que carrega diversas desigualdades de gênero, raça e classe. Neste texto, a Politize te explica mais sobre esse temática. Vem com a gente!

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As trabalhadoras domésticas e a invisibilidade racial

Falar sobre o trabalho doméstico e principalmente quem o desempenha, é uma questão que vai além do gênero e classe, mas é também uma questão racial.

Em entrevista a Politize!, a socióloga Tamis Porfírio Costa, de 28 anos, autora do livro “A cor das empregadas: a invisibilidade racial no debate do trabalho doméstico remunerado”, afirma que, em sua maioria, as trabalhadoras domésticas se encontram nessa profissão não por escolha própria, mas porque não tiveram acesso a outras possibilidades.

E, por vivermos em uma sociedade machista, racista e classista, tendemos a naturalizar o nosso olhar quando vemos essas mulheres em tais posições.

“Essas trabalhadoras estão em maioria nesse tipo de emprego tão precarizado, porque não encontram outras opções disponíveis. Supostamente elas seriam as mais ‘adequadas’ para o trabalho doméstico pesado tão desvalorizado, precarizado e exploratório. Como se essa fosse a sua aptidão por natureza, por serem mulheres, negras, e fragilizadas socialmente por seu empobrecimento”, afirma.

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Como surge o trabalho doméstico no Brasil

As origens históricas do trabalho doméstico de hoje estão nas mucamas na época da escravização, regime que perdurou no Brasil de 1550 até 1888. As mulheres negras escravizadas atendiam as demandas domésticas da casa grande, onde morava o senhor de engenho e sua família.

Contudo, é importante ressaltar que a desumanização com que essas mulheres eram tratadas era gritante, já que seus corpos eram enxergados com o único objetivo de servir aos patrões, inclusive de forma sexual ou como amas de leite.

No artigo “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, a filósofa e antropóloga brasileira Lélia Gonzalez diz: “Quanto à doméstica, ela nada mais é do que a mucama permitida, a da prestação de bens e serviços, ou seja, o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas. Daí ela ser o lado oposto da exaltação; porque está no cotidiano”.

Tal passagem ressalta o quanto a sociedade enxerga as mulheres negras e pobres nesse lugar de subalternização, já que desde a época da escravização elas eram vistas através de estereótipos que permanecem até os dias atuais. A fala de Gonzalez também aponta o quanto esse trabalho, por ser enxergado como algo “natural” para essas mulheres, é mal remunerado e possui flexibilização nas leis trabalhistas.

“É importante ressaltar que a ligação entre a escravidão e o trabalho doméstico remunerado não se mostra apenas nas trabalhadoras domésticas, mas também nos seus ‘patrões’, uma vez que, como nos diz Maria Aparecida Bento, o nosso passado escravista não produziu apenas descendentes de escravizados, mas também descendentes de ‘sinhás’ e ‘sinhôs’ que reproduzem relações de extrema subordinação”, reflete Porfírio.

A abolição oficial do Brasil foi assinada no dia 13 de maio de 1888. No entanto, as marcas da escravidão ainda são visíveis na nossa sociedade. Quando se pensa nas relações de trabalho, é válido ressaltar que até hoje existem pessoas sendo resgatadas de situações análogas à escravidão.

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De acordo com um levantamento divulgado pela Câmara dos Deputados, em 2021, foram resgatados desta condição 1.937 trabalhadores. Até maio de 2022, foi confirmado o resgate de 500 pessoas. O Código Penal brasileiro criminaliza a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

O Artigo 149 define trabalho análogo ao escravo como “aquele em que seres humanos estão submetidos a trabalhos forçados, jornadas tão intensas que podem causar danos físicos, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto”. A pena se agrava quando o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

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E um dos casos que chocou o país foi Madalena Santiago da Silva, que passou cinco décadas submetida ao trabalho análogo pela sua “patroa” Sônia Seixas Leal, na região metropolitana de Salvador (BA).

“No caso citado podemos ver os efeitos do racismo na vida dessas mulheres quando Madalena tem receio de tocar a mão branca da jornalista. Uma cena que se apresenta quase como uma alegoria das extremas desigualdades raciais que se dão entre mulheres nessas diferentes posições”, afirma Porfírio.

A socióloga ainda observa que as violências e desigualdades que cercam essa profissão ainda podem vir disfarçadas pela afetividade. Um exemplo disso é o famoso discurso “ela é como se fosse da família”, onde os patrões se sentem confortáveis de pedir favores justamente por conta da troca afetiva.

“Também é comum tratar as trabalhadoras domésticas como ‘mães pretas’, aquelas que cuidam de tudo e todos, assim como a Tia Nastácia [personagem de Sítio do Picapau Amarelo, série de livros escrita por Monteiro Lobato] que viveu para o cuidado a sombra dos brancos. A afetividade pode sim vir acompanhada de exploração”, observa.

Veja também nosso vídeo sobre racismo estrutural!

E os direitos das trabalhadoras domésticas?

Muitas trabalhadoras domésticas se dividem no cuidado da casa e também na criação dos filhos dos patrões, e geralmente não são remuneradas para os dois serviços. Isso faz com que as condições de exploração desse trabalho se tornem ainda mais alarmantes.

De acordo com um estudo da Pnad Contínua, com dados elaborados pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a carga horária média semanal dessas trabalhadas pode ultrapassar as 50 horas, dependendo da região do Brasil. No Sudeste, a carga horária pode chegar a 54 horas, quando o permitido por lei é de no máximo 44 horas semanais.

Diante de tamanha precarização, em junho de 2015, a então presidenta Dilma Rousseff assinou a LC 150/2015, que ficou conhecida popularmente como “PEC das domésticas”, que que assegurou a garantia de direitos trabalhistas à categoria, o que inclui a obrigatoriedade do pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), multa por demissão imotivada e pagamento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Tais direitos que não eram garantidos pela Lei 11.324, de 2006.

Apesar do avanço desta importante legislação, muitas trabalhadoras ainda enfrentam a informalidade. “Muitos patrões se negam a assinar suas carteiras, ou até mesmo as demitem para fazer a recontratação como diaristas. Essa questão precisa urgentemente ser enfrentada pelo poder público e órgãos regulatórios em parceria com as sindicalistas da categoria, pois se trata de uma situação trabalhista complexa”, conclui.

E aí, compreendeu a relação entre a profissão de trabalhadoras domésticas e a herança escravagista no Brasil? Deixe sua dúvida nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Homenageada no 1º Prêmio Neusa Maria de Jornalismo e repórter da periferia.

Trabalhadoras domésticas: a relação entre a profissão e a herança escravagista

02 maio. 2024

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