Estatuto da Igualdade Racial: o que diz e qual a sua importância?

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Em 2018, 4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), no Centro Internacional de Convenções do Brasil. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.

Com a celebração de uma década para o surgimento do Estatuto da Igualdade Racial, no ano de 2020, torna-se importante conhecer essa política de igualdade racial. Isso porque, cerca de 56% da populaçãoé composta de negros e pardos, segundo dados do IBGE, em 2019.

Dessa forma, neste texto vamos entender o que diz esse Estatuto, seus objetivos, e como essa lei tem se evidenciado na prática. Para finalizar, iremos debater como perspectiva de sua importância.

Então, como surgiu essa lei?

De autoria do deputado Paulo Paim, atualmente senador, a lei 12.288/2010 foi promulgada em 20 de julho de 2010. Contudo, esse processo teve início bem antes, ainda como um PL 3198/2000, no ano de 2000. 

Assim, o PL prolongou-se por uma desta década de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com subsequentes emendas que iam alterando, complementando ou retirando propostas e formulações Estatuto.

E o que é o Estatuto da Igualdade Racial?

Logo em seu 1º artigo, o Estatuto já nos informa do que se trata. Podemos entender que esta lei foi criada de forma a tentar efetivar a igualdade de condições e acesso a uma parcela cumulativa da população – pretos e pardos – que historicamente, nenhum período escravocrata e depois dele, passa por discriminação racial e desigualdades de acesso aos direitos considerados básicos.

Foi pela ideia central de defender os direitos básicos dessa parte da população que o Estatuto surgiu, com muito valor e importância para aqueles que entendem que as desigualdades de gênero e raça precisavam ser discutidas e estruturadas no âmbito político e jurídico, 

Diante disso, tem como princípio apresentar que é dever do Estado a garantia e o estabelecimento de políticas públicas para aplicabilidade desses direitos, bem como definir, por meio de seu texto-base, quais são esses direitos fundamentais.

O objetivo da lei é planejar, garantir e colocar em prática, ações que permitem o desenvolvimento dessa igualdade, propondo um texto-base, como já mencionado, que pode ser aplicado em prol de políticas públicas e ações afirmativas.

Então, como é dividido esse texto-base da Lei n. 12.288 / 2010?

Em seus 65 artigos, compostos de 4 títulos com divisões e subdivisões temáticas, como principais partes que integram o texto-base dessa lei são:

  1. As disposições iniciais do Estatuto (o que a lei determina, basicamente, e o que é entendido por desigualdade racial, discriminação étnico-racial, entre outros conceitos elencados)
  2. Os direitos fundamentais (no caso, como bases que devem ser asseguradas para uma população de negros e pardos no país e a garantia de igualdade de acesso)
  3. A respeito do SINAPIR (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial)
  4. As disposições finais da lei.

Direitos fundamentais para a população de negros e pardos no Brasil

Acerca dos direitos fundamentais, que abrangem os artigos 6 ao 46, logo no início, foi estabelecido previsto ao acesso à saúde para essa população.

Saúde

O Estatuto, no artigo 6, reforça que o SUS (Sistema Único de Saúde) deve garantir acesso igualitário, universal e sem distinção étnica.

Nos artigos 7 e 8, constitui-se uma política específica para uma população negra, em relação à saúde e seus objetivos. É uma chamada Política Nacional de Saúde Integral da População Negra , que visa o fortalecimento do SUS, para um atendimento mais especializado, bem como acessibilidade de informações e comunicação, compreendendo as necessidades específicas dessa população.

E que tal conferir nosso vídeo sobre o SUS?

Educação, cultura, esporte e lazer

O segundo ponto que orienta este eixo, é referente à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Do artigo 9 ao 22 são estabelecidas disposições que assegurem a base desses direitos para a população negra no Brasil:

Art. 9o  A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira. […]

Art. 11.  Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Em associação ao disposto no artigo 11, a Lei 12.288/10 garante, no que se refere a cultura, que:

Art. 17.  O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal.


Liberdade de Consciência e de Crença

Uma outra pauta, garantida pelo Estatuto, que se interliga ao que foi mencionado antes, é o que se refere ao direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos, especificados nos artigos 23, 24, 25 e 26. Assegura-se que:

Art. 23.  É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Terra, trabalho e moradia

Os artigos 27 ao 42, trazem os direitos relacionados à garantia do acesso a terra e a uma moradia adequada, e o direito de igual acesso a trabalho, como sendo algo de responsabilidade do poder público:

Art. 35.  O poder público garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida.

Meios de Comunicação

É estabelecido também, nesta lei, o incentivo de produções que valorizem a participação da população negra e sua herança cultural na História do Brasil, determinando uma prática de contratação de negros e pardos, dos artigos 43 ao 46. Essa prática visa diminuir desigualdades e discriminação racial nos conteúdos produzidos.


Mas como ocorre, na prática, uma organização de políticas públicas com base no Estatuto?

Lembram-se que anteriormente, nesse texto, mencionamos o SINAPIR? Então, o SINAPIR (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial) foi criado para que pudesse organizar e articular, na prática, projetos, políticas públicas e ações afirmativas destinadas a erradicar ou minimizar as desigualdades raciais no país. Esse sistema veio para trazer um maior alcance aos objetivos da Lei 12.288 e o que foi disposto.

O poder público federal, através deste sistema, transfere recursos aos estados, Distrito Federal e municípios que desejam promover a igualdade racial em suas regiões. Tais instâncias públicas aderem ao SINAPIR e realizam planos de implementação para políticas públicas e ações afirmativas que visem a contribuir para minimizar impactos causados pelas desigualdades étnicas em seus estados e municípios. 

E qual a estrutura por trás disso?

O poder público federal tem um órgão chamado SNPIR (Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial). O SNPIR está inserido no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

O SINAPIR, por sua vez, está contido no SNPIR. Mas é o SNPIR que vai realizando os termos de adesão e compromisso. Ou seja, os estados e municípios solicitam adesão por meio do SNPIR. 

O SINAPIR é apenas um sistema desenvolvido para promover, formular e garantir políticas públicas de forma descentralizada, realizando a distribuição dos recursos e formalizando o que foi disposto no Estatuto. Para que essa adesão aconteça, os estados e municípios devem ter como requisitos, um órgão público que seja voltado à promoção da igualdade racial, em sua localidade, e um Conselho de Promoção da Igualdade Racial em funcionamento.

Só depois de preenchido esses requisitos, é que um ente federado pode aderir. É a partir daí que há (ou deveria haver) o incentivo do poder público federal para que estados e municípios possam se empenhar, se conscientizar e participar do SINAPIR.

O que financia as iniciativas de promoção de igualdade?

Sobre o financiamento de iniciativas de promoção da igualdade racial, com base no Estatuto, determina-se, em um inciso do artigo 56, que:

§ 1o  O Poder Executivo federal é autorizado a adotar medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na alocação e na execução dos recursos necessários ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando, entre outros, a proporção dos recursos orçamentários destinados aos programas de promoção da igualdade, especialmente nas áreas de educação, saúde, emprego e renda, desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento regional, cultura, esporte e lazer.

Uma iniciativa recente, tomada com base no Estatuto, foi o Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Paraíba (PlanePIR). Tal iniciativa comprometeu-se em designar, para a agenda de execução de políticas públicas desse município, demandas da população negra e de povos originários, abrangendo algum dos eixos mencionados pelos direitos fundamentais contidos no Estatuto, como, por exemplo, “do direito à liberdade de consciência e de crença”, reconhecendo e realizando o cadastramento de Casas de Matriz Africana.

Leia também: o que diz o Estatuto do Índio?

Além disso, a nível nacional, outro exemplo concreto que ocorreu foi a política de cotas para o serviço público e para o ensino superior, ainda hoje, assunto polêmico e que gera divisões.

Apesar de certos avanços, há muitos desafios de implementação para a Lei 12.288/10, e apesar da adesão de 20 estados brasileiros ao SINAPIR, apenas 71 municípios brasileiros solicitaram inclusão ao sistema desde o seu surgimento, segundo dados divulgados até o período de Novembro de 2019.

Debates públicos em torno do Estatuto da Igualdade Racial

Aconteceram grandes debates públicos nos períodos finais em que a lei 12.288/2010 estava ser promulgada. Não houve um consenso geral definitivo. Alguns justificavam que não havia a necessidade de um estatuto específico com demarcação étnica, já que tal conotação racializada sobre o tema, por meio de uma lei, só traria mais divisão, provocando ainda mais segregações com uma medida tão especializada para os negros. Para estes, a pobreza e as desigualdades socioeconômicas podem explicar grande parte das mazelas sociais no Brasil. 

Essa explicação tem lá seus embasamentos e razões, mas foi aos poucos, sendo repensada e refletida por uma outra vertente, que achava necessário um entendimento que possibilitasse compreender a trajetória histórico-social dos negros e pardos no Brasil, e que ela se diferenciava daquela percorrida pelos brancos, na História do país.

Tal parcela desses grupos, junto ao Movimento Negro, ressaltou que as questões em torno de um debate étnico no Brasil são primordiais para compreender como essas desigualdades raciais se desenvolveram ao longo do tempo.

Para uma rápida compreensão do que foi esse Movimento Negro, temos que seu início ocorreu já na fase do período republicano em 1889, em uma organização que é diferente da que ocorre nos dias atuais. Tal movimento foi refletindo a participação dos negros e pardos no Brasil, e pensando políticas de igualdade racial em sua trajetória, estruturando e participando de formas que viabilizassem direitos e garantias para ir erradicando injustiças sociorraciais.

A importância do Estatuto da Igualdade Racial

Com tudo, o que vimos, há quem entenda o Estatuto como algo mais simbólico do que prático. Isso pode ser explicado, com o fato de o próprio contexto da política brasileira e a estruturação social após a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, ter facilitado certas permanências em relação a desigualdade étnica. 

Junto a isso, temos a democracia racial, que foi muito difundida no Brasil. Esse pensamento foi mais fortemente difundido na Era Vargas (1930-1945),  dizendo que as etnias existentes no brasil tem uma certa igualdade de tratamento e de acesso, devido a uma natural tolerância étnica, uma vez que o país já seria pluricultural e miscigenado por natureza, não havendo espaços para existência das desigualdades com base racial.

Tal ideia de democracia racial, aliada a uma estrutura política com maioria composta por pessoas brancas, no qual certa parte dessa maioria, não reconhece o racismo como um problema estrutural em nossa sociedade (e uma considerável parte da sociedade também não vê o racismo dessa forma).

Leia mais sobre racismo estrutural aqui!

Com certas permanências em torno da naturalização das desigualdades raciais ao longo da História e de poucas atitudes do Estado para com a real aplicabilidade do que está no Estatuto da Igualdade Racial, é que vem o entendimento de que ele se apresenta mais simbolicamente, do que na prática.

Apesar dessa constatação, podemos mencionar sua importância quando verificamos que foi pela existência do Estatuto que outras problemáticas recentes puderam ser evidenciadas. Outra questão, é que a Lei 12.288/10 propôs um caminho no modo como com essa igualdade racial pode ser concretizada aos poucos.

Sua importância se interliga ao fato de que com sua existência, evidenciou-se algumas garantias e uma melhor estruturação de iniciativas e recursos para o financiamento de políticas públicas destinados a diminuir as diferenças relacionadas a pauta racial no país,

Para o cenário jurídico, social, e também, político, o Estatuto da Igualdade Racial no Brasil veio trazendo legitimidade e maior viabilidade de aplicação do que antes, por parte de cada estado e município, no combate ao racismo e as desigualdades de oportunidades e de acesso entre brancos e negros.

Diante do exposto, está demonstrado a real necessidade em compreendermos a existência da lei 12.288/10 e seu nível de amplitude e importância para os negros e pardos desse país e para toda a população brasileira, em um contexto geral.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Estatuto da Igualdade Racial. Lei n. 12.288. 2010

Com o apoio do PNUD, governo da Paraíba lança Plano de Promoção da Igualdade Racial. Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento

Implantação efetiva do Estatuto da Igualdade Racial ainda é desafio no Brasil. Senado Federal

LUNA, E.M. Legislação simbólica e estatuto da igualdade racial: Os limites do Estado no combate ao racismo

Maringá/PR adere ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir). Governo Federal

SILVA, T.D. O Estatuto da Igualdade Racial. Brasília: IPEA, 2012. 

Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial conta com adesão de 20 estados e 71 municípios. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

TOKARNIA, M. Apenas 67 municípios aderiram a sistema contra desigualdade racial: Sinapir dá preferência a recursos para políticas de igualdade


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