O que é Racismo Ambiental?

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Devido à urgência da crise ambiental e climática e de suas consequências, estamos vendo a popularização desse debate em diversos canais de comunicação e, com isso, a dinamização de diversos termos, entre eles o de racismo ambiental. O intuito deste texto é somar-se ao portfólio tão diverso que vem debatendo a crise climática, e fazer isso através de uma contextualização abrangente, porém não exaustiva, do conceito de racismo ambiental. Acompanhe a leitura!

Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

O projeto é realizado pela Politize!, em parceria com o Pulitzer Center.

O que é Racismo Ambiental?

O termo racismo ambiental surge no contexto do movimento por justiça ambiental situado nos Estados Unidos na década de 1980. Na época, ativistas e pesquisadores evidenciaram a correlação existente entre uma série de danos ambientais e a sua localização em  territórios cuja maioria da população era negra e marginalizada. 

Oriundos das áreas afetadas e além, diferentes ativistas, pesquisadores e setores da sociedade civil, passaram a perceber que empresas deliberadamente escolhiam áreas habitadas por minorias, em detrimento de comunidades brancas, para serem o local de instalações nocivas para o ambiente ao redor. Isso porque  as empresas sabiam que, ao se tratarem de populações já marginalizadas socialmente, enfrentariam uma menor resistência política

Um estudo importante da época demonstrou, por exemplo, que o local de residência de famílias negras era um forte indicativo da existência de instalações de descarte de resíduos nocivos no local (ERGENE et al. 2004).

Ao chamarem a atenção para o fato de que certas populações estavam mais expostas a áreas de degradação ambiental e seus impactos, e que esta exposição desproporcional estava diretamente relacionada à fatores como classe, raça e gênero, o movimento uniu demandas por defesa do meio ambiente com reivindicações por justiça social

É a partir desse amplo movimento ativista e teórico que emerge o conceito de racismo ambiental, para descrever mais especificamente a maneira como as populações negras, e não-brancas no geral, eram mais afetadas pela poluição e descarte incorreto de resíduos tóxicos, e estavam mais propensas a habitar áreas com maior risco de desastres ambientais. 

Um dos pioneiros do campo da justiça ambiental e responsável por uma das primeiras formulações do conceito, Robert Bullard (apud DO CLIMA, O. 2022), define que: 

O racismo ambiental refere-se a qualquer política, prática ou diretiva que afete de forma diferenciada ou prejudique (intencionalmente ou não) indivíduos, grupos ou comunidades com base na raça ou cor. O racismo ambiental se combina com políticas públicas e práticas da indústria para fornecer benefícios para os brancos enquanto transfere os custos da indústria para as pessoas negras. É reforçado por instituições (…)

Fruto da intersecção entre ativismo ambiental e a luta antirracista, o conceito busca a mobilização em torno da constatação de que as desigualdades sociais, político e econômicas produzidas pelo racismo também se manifestam na maneira como populações racializadas experienciam o meio ambiente.  

Diversos desdobramentos se seguiram à esse primeiro momento do movimento por justiça ambiental, e o conceito segue sendo utilizado para compreender as múltiplas dinâmicas com as quais populações racializadas são afetadas na esfera ambiental

  • pela exclusão de sua participação e representação em políticas públicas e demais centros de decisão sobre o tema; 
  • pelo alvo que são para empresas que buscam elos frágeis de regulamentação para suas atividades nocivas; 
  • pelo fato de que a marginalização racial é muitas vezes acompanhada de vulnerabilidade econômica, o que torna essas populações mais suscetíveis a práticas ambientais injustas e aos efeitos das mudanças climáticas. 

É importante ter em mente que, apesar do termo surgir nos Estados Unidos, e ter sua popularização a partir do debate dos anos 1980, povos originários de diferentes partes do mundo têm levantado essa questão há algum tempo, mesmo que não necessariamente utilizando o mesmo conceito. 

Povos indígenas enfrentam os efeitos do racismo ambiental há aproximadamente cinco séculos, quando os primeiros colonizadores europeus chegaram às Américas e os expropriaram de suas terras. O mesmo acontece com comunidades quilombolas, nas periferias urbanas, refugiadas, às quais lhe foram tiradas o vínculo com a terra e direitos básicos como saneamento básico, acesso à água limpa, e moradia digna. 

Ou seja, apesar do termo racismo ambiental ter surgido no contexto estado-unidense, profundamente relacionado com a luta contra o racismo anti-negro, ele deve ser compreendido mais amplamente. 

Afinal, diferentes populações sofrem com o racismo e, além disso, as manifestações de racismo ambiental variam desde ser alvo de práticas industriais nocivas; falta de suporte e representatividade por políticas públicas ambientais; gentrificação; e maior risco de não ser capaz de se preparar ou se proteger de eventos como inundações, furacões, deslizamentos, secas extremas. 

Racismo Ambiental existe mesmo?

Com uma rápida busca no Google podemos encontrar um grupo variado de matérias e artigos sobre racismo ambiental. Entre esse grupo é possível identificar posições que, apesar de não negarem a realidade de crise ambiental e climática, questionam se o racismo ambiental existe de fato e, consequentemente, se seria o termo mais adequado para descrever os efeitos de danos ambientais sobre determinadas populações. 

Na ocasião das fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro em janeiro de 2024, por exemplo, a então Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, declarou no antigo Twitter que se tratava de um caso fruto do racismo ambiental e climático. 

Em resposta, diversas pessoas, tanto nos comentários da postagem, quanto a partir de outros veículos de informação, discordaram de sua afirmação, desacreditando a realidade do conceito de racismo ambiental e vinculando sua existência a uma agenda político-partidária.

Muitas questionavam se o conceito era mesmo ideal para lidar com os efeitos de eventos climáticos e ambientais. O argumento era que havia muitos moradores brancos entre as vítimas das chuvas, apesar das regiões afetadas serem regiões periféricas com a maioria da população negra. Nessa visão, o termo excluia as vítimas brancas de serem contabilizadas.

Mãos de um grupo diverso são colocadas juntas em um pedaço de solo cercado por folhas. Texto: O que é Racismo Ambiental?
Imagem: Freepik.

Há também aqueles que acreditam que as discussões sobre racismo ambiental desviam a atenção para debates mais diretos e soluções mais assertivas e de longo prazo à crise climática e ambiental. 

Pesquisadores como José Eustáquio, defendem, por exemplo, que promover políticas públicas voltadas a sanar a desigualdade ambiental e a promover a adaptação climática das populações mais vulneráveis, é um caminho a ser perseguido. 

Porém, segundo o autor, carece de fundamentação a ideia de que há racismo nas políticas públicas ambientais brasileiras e que desastres naturais e ambientais se manifestam de maneira racializada. 

Por outro lado, estudos e movimentos sociais, mostram que, apesar do meio-ambiente não ser racista, tampouco o serem as consequências da crise climática, elas afetam de maneira desproporcional populações vulneraveis ao redor do mundo e que esta vulnerabilidade é histórica e estruturalmente determinada por fatores como raça. 

É importante, no entanto, interseccionar raça com outras variáveis, como gênero, localização geográfica, etnia, deficiência, que é justamente o que propõe o conceito e as demandas por justiça ambiental e justiça climática.

Racismo Ambiental e suas raízes

Na seção anterior traçamos uma genealogia do termo conforme popularizado na esfera acadêmico-institucional e dos movimentos sociais. É de extrema importância, no entanto, que compreendamos as raízes do termo. 

Isto é, o que possibilitou em primeiro lugar a divisão entre humano e natureza, de um lado, e como esta divisão se relaciona com raça, por outro. E a resposta está na colonização das Américas.  

É com a colonização europeia das Américas, a partir de 1492, que temos o ínicio de um processo marcado por extrema violência, manifestada pelo genocídio e extensa expropriação de terras de povos originários no chamado Novo Mundo – e também na Europa a partir dos cercamentos – caça às bruxas e pelo tráfico transatlântico de escravizados africanos.

Esse processo permitiu um acúmulo de riquezas sem precedentes, tornando a Europa centro de um novo mercado que ia se consolidando, conectando a partir do Atlântico partes do mundo ainda então sem relação (MIGNOLO, 2005). 

Crucial a essa concentração de poder econômico foi a hierarquização dos povos dominados de acordo com a ideia de raça. 

A ideia de raça serviu para as colônias europeias legitimarem a dominação de povos não-europeus, primeiramente a partir da noção de que negros e indígenas eram biologicamente inferiores, com sua humanidade até mesmo questionada, e que suas culturas e modos de vida eram atrasados. 

O não-europeu foi relegado ao status de Outro, de sujeito inferiorizado, que habitava um estado de natureza, primitivo, predecessor do contrato social. No discurso da modernidade, a natureza é, portanto, sinônimo de atraso, em contraposição à cultura, aquilo formado pelo homem. 

Assim como as populações colonizadas, a natureza também deveria ser dominada para dar origem à civilização, ao progresso, à sociedade moderna. 

É uma visão que exclui as cosmologias dos povos originários, onde há cultura, saberes, em confluência com a natureza, e de tantos outros povos que oferecem uma alternativa ao modo de vida capitalista e sua relação predatória com a natureza.

É nesse sentido que o autor caribenho, Malcolm Ferdinand (2001), irá falar, por exemplo, que a colonização trouxe uma dupla cisão: entre humanidade e natureza, e entre humanos – a partir de diferenças raciais, de genêro e classe.

Acompanhando, portanto, a divisão racial entre povos europeus e não-europeus como superiores e inferiores, estava a divisão entre natureza e humano. De acordo com Ailton Krenak (2019), importante liderança indígena, foi o homem branco europeu que separou o entendimento de que nós humanos e a natureza somos um só. 

As consequências ambientais que temos que lidar atualmente são, dessa forma, intrinsecamente relacionadas com a colonialidade que ainda persiste, sendo o racismo um de seus componentes.  

Como esse processo iniciado com a colonização europeia culminaria na constituição do capitalismo como novo sistema de organização social a nível mundial, mesmo com a independência da antigas colônias e a refutação na ciência de que raça enquanto diferença biológica existe, raça e racismo continuam a operar em nossas sociedades. 

A filósofa e ativista, Sueli Carneiro (2023),  desenvolve o conceito de dispositivo de racialidade para chamar atenção para as dinâmicas de poder exercidas por raça. É um conceito extremamente útil para compreendermos que o racismo não é apenas uma questão de preconceito entre indíviduos ou de injúria racial, muito menos que seu componente estrutural se resume a ações institucionais. 

O racismo é um emaranhado de relações de poder que perpetuam a exploração, marginalização e subjugação de diferentes populações a partir de diferenças estereotipadas – cor da pele, origem, ascendência.

Racismo Ambiental e as negociações sobre o clima

Vimos na primeira seção como o conceito de racismo ambiental surge a partir de um contexto mais amplo de luta por justiça ambiental e da sua interseccção com o movimento antirracista dos Estados Unidos da década de 1980. 

Paralelamente, a década de 1980 também representa um importante momento para as discussões internacionais sobre meio ambiente e clima, envolvendo negociações sobre desenvolvimento sustentável, emissão de gases de efeito estufa (GEE) e alterações humanas no equilíbrio climático da Terra. 

Essas discussões culminariam na institucionalização dos principais arranjos internacionais sobre governança ambiental e climática na década seguinte, em 1992 na ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92 ou Rio-92).

A Rio-92 instaura a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD).

A partir desse momento, países signatários das Convenções passam a se reunir e negociar metas de preservação, redução de emissão de GEE, entre outras, que deverão ser cumpridas. 

A Conferência das Partes, ou COP, como é o caso da COP-30 que ocorrerá esse ano em Belém-PA, por exemplo, é a reunião dos países signatários da Convenção-Quadro para estabelecer as metas e os mecanismos para combater as mudanças climáticas.

É importante notar que já na Rio-92, houve o reconhecimento de um importante princípio que deveria guiar as negociações: a de responsabilidades comuns, porém diferenciadas entre os países. 

Em outras palavras, esse princípio reconhecia que países desenvolvidos e subdesenvolvidos ou emergentes, contribuem de maneira diferente para o agravamento da crise ambiental e climática. 

Enquanto à primeira vista os países desenvolvidos são os que menos poluem em comparação com os países em desenvolvimento, olhando historicamente percebia-se que aqueles países haviam contribuído significativamente para a emissão de GEE e a destruição da camada de ozônio no seu processo de desenvolvimento, já alcançado. 

Ao mesmo tempo, por já terem se desenvolvido, estão mais preparados estruturalmente e nos recursos de mitigação e adaptação para lidar com os eventos climáticos extremos. 

O países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento enfrentam, dessa forma, um duplo desafio: o de cumprir com as metas para redução da poluição, ao mesmo tempo em que tentam se industrializar e se desenvolver e, aliado a isso, lidam com a falta de recursos para o enfrentamento eficiente das consequências da crise climática.

Nesse sentido, o conceito de racismo ambiental é útil para conseguir captar a maneira como a desigualdade se manifesta na ordem internacional dividida entre centro e periferia, no que diz respeito às negociações sobre clima e aos impactos da crise ambiental e climática.

O racismo, fruto da colonização europeia, não somente hierarquizou povos, mas também, consequentemente, causou uma divisão na ordem mundial entre Norte e Sul Global, entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. 

Países do Sul Global, em sua maioria colonizados no passado, reivindicam o direito de crescer, sem arcar com os custos da crise climática de maneira desproporcional. 

 Dessa forma, aliado aos desenvolvimentos na teoria ecofeminista, decolonial, ecossocialista, o racismo ambiental desafia a concepção universalizante do Antropoceno e sua ideia de que toda a humanidade atuou de maneira igual na degradação do meio ambiente.

Entendeu mais sobre a teoria do Racismo Ambiental? Se ficou alguma dúvida, deixe nos comentários!

Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!

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Conteúdo escrito por:

Anna De Ruijter

Graduada em Relações Internacionais pela UNESP-Franca e mestre na mesma área pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, acredita que a construção de outros futuros possíveis se faz coletivamente. Tem como principal área de pesquisa a compreensão do Capitalismo Racial, incluindo múltiplas perspectivas teóricas raciais, feministas, estudos pós-coloniais e decoloniais.
Ruijter, Anna. O que é Racismo Ambiental?. Politize!, 4 de setembro, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/racismo-ambiental/.
Acesso em: 5 de set, 2025.

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