martelo de justiça feito de grama

Justiça ambiental: o que é isso?

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O conceito de justiça ambiental propõe uma série de questionamentos. Para falar sobre o tema, é preciso compreender que desastres ambientais têm efeitos distintos para grupos sociais diferentes. Dito isso, é importante destacar que a justiça ambiental conecta-se a conceitos como “condição de vulnerabilidade” e “racismo ambiental“.

O movimento por justiça ambiental propõe a desnaturalização e a politização da condição de vulnerabilidade. Conforme especialistas do tema, quando há condições de desigualdade – social ou de poder – sobre os recursos naturais, os instrumentos de controle ambiental tendem a aumentar essa desigualdade. Nessa dinâmica, ocorre a alocação de atividades predatórias para áreas onde há menor resistência social e, portanto, maiores fragilidades.

Neste texto a Politize! te apresenta a esse movimento que objetiva a redução de assimetrias dentro do contexto ambiental. O assunto se torna mais relevante diante das questões climáticas e da maior incidência de desastres decorrentes do antropoceno. Continue a leitura para saber mais!

Justiça ambiental: o que é e quais seus objetivos?

Muitos autores consideram como episódio inicial do movimento os protestos de moradores na Carolina do Norte (EUA) em 1982. No momento em que foi divulgada por cientistas a descoberta de que os resíduos de policlorobifenilo (PCB) – amplamente usados em tintas e plásticos – poderiam causar doenças graves em caso de inalação ou absorção pela pele, os habitantes do condado de Warren se organizaram para protestar contra o descarte de resíduos de PCB na região.

A cidade de Afton tinha aproximadamente 16.000 habitantes, dos quais 60% eram afro-americanos e a maioria vivia abaixo da linha de pobreza. Vale destacar que, em média, 500 pessoas foram presas em razão dos protestos. A partir deste momento, a luta por Justiça Ambiental ficou amplamente conhecida no país. Além disso, tornou-se mais evidente que a condição de vulnerabilidade da comunidade contribuiu de forma significativa na escolha do local para o descarte da carga tóxica.

A luta por justiça ambiental é, portanto, uma extensão do movimento moderno pelos direitos civis. Em 1992, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unido não só criou um escritório dedicado ao assunto, como também definiu oficialmente o significado de “justiça ambiental” nos seguintes termos:

É o tratamento justo e o envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de raça, cor, nacionalidade ou renda, com relação ao desenvolvimento, implementação e aplicação de leis, regulamentos e políticas ambientais.

No mesmo ano, a Conferência Eco-92 teve desdobramentos importantes nos campos científico, diplomático, e político. A Agenda 21 Global – principal registro da Rio-92 – tem 40 capítulos. Esse documento contém uma proposta de planejamento para auxiliar na construção de sociedades sustentáveis, evidenciando formas de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

Em 1994, o então presidente estadunidense, Bill Clinton, emitiu um decreto solicitando a todas as agências governamentais que considerassem a justiça ambiental em suas decisões. Entretanto, 30 anos depois, ainda existem movimentos sociais lutando pela mitigação das desigualdades ambientais.

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No Brasil, a desigualdade ambiental deriva, em parte, da concentração de terras e de poder caracterizada pelo processo de formação nacional. A injustiça e o racismo ambiental geram efeitos como a ausência de saneamento básico, moradias em locais propensos a deslizamentos e enchentes, bem como deslocamentos compulsórios de populações tradicionais e pequenos produtores, que perdem o acesso à terra, às matas e aos rios ao serem expulsos por empresas gestoras de projetos desenvolvimentistas.

Assim, a noção de justiça ambiental nasceu para se contrapor às dimensões ambientais das injustiças sociais, vislumbrando um futuro em que sejam superadas. Essa noção tem sido utilizada, sobretudo, para integrar as lutas ambientais e sociais. Segundo o professor brasileiro Henri Acselrad, a justiça ambiental se refere “aos princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo.”

Para que o desenvolvimento sustentável seja compatível com os ideais da Justiça Ambiental, o Estado deve, portanto, se nortear pela democratização das decisões a respeito dos recursos naturais, pelo processo de formulação das políticas ambientais e pela contenção de mecanismos que permitem a destinação desequilibrada dos danos e dos riscos ambientais aos grupos em situação de maior vulnerabilidade. Somente assim a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado será efetiva.

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Conceitos importantes para entender a justiça ambiental

Condições de vulnerabilidade

Em todos os aspectos dos desastres – causas, prevenção, reconstrução, resultados e resposta –, a diferença entre quem vive e quem morre é um cálculo social. A vulnerabilidade se refere à incapacidade de prevenção, mitigação ou atenuação das consequências à exposição do risco – conceito que também será explicado. Envolve ainda fatores combinados: as qualidades intrínsecas (etnia, gênero, idade, grupo demográfico, renda, entre outros) somada aos recursos disponíveis.

A vulnerabilidade é uma variável socialmente construída e define como os diferentes grupos populacionais se diferenciam em relação a saúde, renda, segurança, localização residencial e profissional. Em coexistência com as injustiças socioambientais, a condição de vulnerabilidade nos aponta os riscos heterogêneos entre grupos demografica e socioeconomicamente distintos. Portanto, existe uma discussão política e moral sobre a vulnerabilidade, vez que compromete a capacidade do indivíduo de construir sua própria história.

A existência de ameaça ou perigo não define por sí só a vulnerabilidade – ela resulta da análise do contexto em um dado território em certo momento histórico. Assim, esse conceito envolve, necessariamente, duas outras noções – o processo histórico e as relações, sejam interpessoais, com instituições públicas, privadas ou do terceiro setor que dialoguem com a comunidade de determinado território. Explico: a condição de vulnerabilidade surge de relações em que alguém imputa dano ou ameaça a outros. Além disso, a condição de vulnerabilidade é historicamente fabricada por conjuntos de decisões técnicas e polítcas que deram origem a essa condição.

Desse modo, é fundamental examinar as origens históricas e sociopolíticas que transformam certo grupo ou certo território em vulnerável. Além disso, esse é um conceito chave para que seja realizada análise integrada e contextualizada dos riscos.

casal se abraçando olhando para terreno tomado por lama de barragem.
Foto: Movimento dos Atingidos por Barragens

Risco

De acordo com Ulrich Beck, sociólogo alemão, o risco é uma antecipação da catástrofe. Existem três aspectos do risco que se destacam nas tentativas de sua classificação: a eventualidade, o contexto e as consequências. Há, além disso, uma definição do conceito a partir da ideia de caráter global dos riscos – um marco teórico que tem sido criticado por destacar a racionalidade técnico-científica do desenvolvimento sem considerar as estruturas de poder e suas corporações, que promovem um sistema em que esses riscos são desigualmente distribuídos.

A definição de risco não é uma questão meramente técnica, mas é fundamentalmente política e considera perdas potenciais resultantes de uma análise das combinações entre perigos e vulnerabilidades. Compreende-se, portanto, que: “as sociedades altamente industrializadas enfrentam riscos ambientais e tecnológicos que não são meros efeitos colaterais do progresso, mas centrais e constitutivos destas sociedades”.

Desastres “naturais” e tecnológicos

A definição de desastre, por sua vez, pressupõe a combinação de dano e da exposição das pessoas, considerando suas vulnerabilidades. Apesar de essa definição não ser homogênea entre demógrafos, assume-se amplamente que o desastre possui caráter inerentemente social e isso inclui as falhas nas políticas públicas, as injustiças e a exclusão social.

A área de conhecimento denominada “demografia dos desastres” pressupões transpor a demografia simplista e unidirecional. Possibilita, portanto, compreender as respostas demográficas pré e pós-desastres através de atributos referentes à população. Segundo Dombrowsky (1995), “desastres não causam efeitos, os efeitos são aquilo que chamamos de desastre.”

O que o desastre representa, desencadeado pela exposição contínua e cumulativa às modalidades históricas de injustiça ambiental, é a falha dos sistemas de proteção. Nesse contexto, o desastre é compreendido como “fenômeno em processo” que resulta de escolhas políticas e condições socioeconômicas associadas.

Não existem desastres naturais. A negação da naturalidade dos desastres não é, de forma alguma, uma negação do processo natural. Eventos naturais podem ter impactos realmente muito fortes. Contudo, o geógrafo Neil Smith reflete sobre a naturalização da catástrofe social evidenciada por um evento natural de grandes proporções. Essa naturalização é produto do próprio capitalismo e ajuda a esconder as condições sociais que os eventos naturais afloram quando atingem determinadas localidades.

Os riscos e os desastres a eles associados são socialmente construídos ao longo do tempo. Por exemplo, apesar de barragens se romperem em pouco segundos, o desastre – enquanto processo social – já acontecia há décadas antes do rompimento. Além disso, o desastre não acaba com o evento do rompimento, ao contrário, o desastre se estende durante a busca pelos corpos soterrados, além das consequências socioeconômicas, ambientais e de saúde que prosseguem por tempo indeterminado após o evento do rompimento.

Conflitos ambientais

Todo recurso natural está investido de sentido e significado e esses significados muitas vezes são conflitantes. Além disso, todos os territórios estão permeados por práticas, condições de uso, formas técnicas, sociais e culturais que constituem acordos. Os conflitos ambientais surgem, portanto, quando esses acordos são quebrados e se materializam quando essas diferenças são consumadas no espaço em disputa.

Parte do debate ambiental contemporâneo considera que vivemos uma crise ambiental objetiva e universal, visto o diagnóstico de escassez dos recursos frente à necesidade de crescimento. Diante disso, não há fronteira temporal ou espacial para gerenciar de forma eficaz os riscos. O conceito de justiça ambiental vem, contudo, questionar porque determinados grupos são mais direcionados a sentir os efeitos de riscos técnico-ambientais.

A discussão sobre Justiça Ambiental torna-se importante por demonstrar que os riscos, impactos e desastres não recaem de maneira democrática a todos, como muitos autores tentam argumentar. Diante isso, vale salientar que as lutas por justiça ambiental reúnem:

  • A defesa do direito a ambientes e modos de vida culturalmente específicos, como comunidades tradicionais e etnicamente diversas;
  • A defesa do direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial;
  • A defesa do direito de acesso equânime aos recursos ambientais;
  • A defesa dos direitos das gerações futuras, visando garantir sua autonomia nas decisões sobre seus territórios;
  • A denúncia da desigualdade ambiental promovida pelo mercado; e
  • A contestação do monopólio das terras férteis, das águas e do solo por corporações e setores econômicos.

Você já conhecia essa concepção sobre os desastres? Compartilhe nos comentários se você já havia ouvido falar sobre justiça ambiental e se conhece algum evento que tenha impactado de maneira desproporcional alguma comunidade em condição de vulnerabilidade.

Referências:

  • ACSELRAD, H. As Práticas Espaciais e o Campo dos Conflitos Ambientais. ACSELRAD, H. (Org.) Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 2004, pp. 13-35.
  • ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça ambiental
  • e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 97.
  • BECK, Ulrich. No Vulcão Civilizatório: os contornos da sociedade de risco. In. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 21 – 60.
  • Dicionário de Favelas Marielle Franco – In-Justiça Ambiental
  • HABERMANN, Mateus; GOUVEIA, Nelson. Justiça Ambiental: uma abordagem ecossocial em saúde. Revista de Saúde Pública [online]. 2008, v. 42, n. 6, pp. 1105-1111. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000600019>.
  • IORIS, Antônio Augusto Risoto. O que é justiça ambiental. Ambiente & Sociedade [online]. 2009, v. 12, n. 2, pp. 389-392.
  • Justiça Ambiental – Como começou a luta pela Justiça Ambiental?
  • Le Monde Diplomatique Brasil – Não existe desastre natural
  • National Geographic – As origens da justiça ambiental – e por que só agora ela recebe a atenção devida
  • OLIVEIRA, Raquel. O risco colhe recompensas. A gente tem que falar aquilo que a gente tem que provar: a geopolítica do risco e a produção do sofrimento social na luta dos moradores do bairro Camargos em Belo Horizonte–MG. Tese. Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFMG, 2014.
  • PORTO, M. F. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: um ensaio de epistemologia política. Revista Crítica de Ciências Sociais [online], 93, 2011.
  • Rede Brasileira de Justiça Ambiental – Justiça Ambiental
  • SILVA, T. C. Desastre como Processo: saberes, vulnerabilidade e sofrimento social no caso de Goiânia. LEINBING, A. (Org.) Tecnologias do Corpo: uma antropologia das medicinas no Brasil. Rio de Janeiro. NAU Editora, 2004, pp. 201-225.

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Conteúdo escrito por:
Feminista, ambientalista, poeta, ativista pelo veganismo popular, graduanda em ciências socioambientais pela UFMG, cozinheira amadora e advogada com especialização em políticas públicas para a redução da desigualdade. Gosto de conversar sobre economia política, comida, saúde e bem viver.

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02 maio. 2024

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