O que são ilhas de calor e como impactam a região amazônica?

Publicado em:

Compartilhe este conteúdo!

As cidades amazônicas, embora cercadas por vastas áreas verdes, enfrentam um fenômeno climático cada vez mais preocupante: as ilhas de calor urbanas. Com o avanço desordenado da urbanização e a crescente substituição da vegetação por concreto e asfalto, capitais como Manaus e Belém registram temperaturas muito superiores às de áreas florestadas próximas. 

Esse contraste revela que mesmo no coração da maior floresta tropical do planeta, o calor excessivo tornou-se um desafio urbano e de saúde pública. Neste artigo, vamos entender como esse fenômeno se forma na região amazônica, quais são suas causas, impactos e quais medidas podem ser tomadas para enfrentá-lo.

Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

Ilhas de calor e a região amazônica

Entre 1960 e 2010, o crescimento urbano transformou o clima das capitais da região amazônica. A urbanização avançou de forma acelerada e muitas vezes sem planejamento. Entre 1973 e 2008, o território urbano de Manaus cresceu de 91 km² para 242 km², enquanto Belém e sua região metropolitana se expandiram de 76 km² para 270 km². 

Essa expansão significou mais asfalto, concreto e edificações, e menos árvores, rios e áreas permeáveis. O efeito imediato foi o surgimento de ilhas de calor urbanas.

Veja também: Conheça a história da urbanização da Amazônia

A relação entre o calor urbano e a saúde pública em Manaus, por exemplo, foi aprofundada pelo estudo que mapeou as zonas mais quentes da cidade usando imagens de satélite, e identificou os bairros mais afetados: Centro, Nossa Senhora das Graças, Cachoeirinha, Raiz, Glória, Santo Antônio, Vila da Prata, Dom Pedro, Chapada e Alvorada. 

Mesmo cercadas pela maior floresta tropical do planeta, as capitais amazônicas Belém e Manaus registram temperaturas até 10 °C mais altas do que as áreas de floresta próximas. Esse fenômeno, conhecido como ilha de calor urbana, revela o contraste entre o avanço do concreto e a perda de cobertura vegetal em meio à abundância verde da região. 

As transformações no uso do solo dessas cidades são determinantes para o aumento das temperaturas. Em Belém, a cobertura vegetal corresponde a cerca de 39% da área urbana, já em Manaus, a 41,7%

Representação gráfica de comom funcionam as ilhas de calor. Texto: O que são ilhas de calor e como impactam a região amazônica?
Imagem: Revista PesquisaFAPESP.

Essa redução compromete a regulação natural do clima e eleva as médias térmicas em 2,6 °C e 3 °C, respectivamente, em comparação às florestas próximas. Nos bairros mais populosos, como Sacramenta, em Belém, e Dom Pedro, em Manaus, a diferença chega a 5 °C, tornando essas áreas polos de calor intenso. 

Cercada por extensas áreas verdes, Manaus enfrenta temperaturas que chegam a 42 °C em determinadas zonas urbanas, resultado direto da falta de arborização e da expansão desordenada de áreas pavimentadas. Segundo o geógrafo Marcos Castro, apenas 22% da capital amazonense é coberta por vegetação arbórea, tornando-a uma das cidades com maior variação térmica do país.

Saiba mais: O que os dados revelam sobre a urbanização na Amazônia?

O ambiente urbano potencializa esse aquecimento porque materiais como concreto e asfalto absorvem calor durante o dia e o liberam lentamente à noite, impedindo o resfriamento natural. 

O fenômeno das ilhas de calor na região amazônica não se restringe às grandes capitais. Desde 1960, a população amazônica aumentou mais de cinco vezes, segundo o IBGE (2021), impulsionando a expansão dos núcleos urbanos. 

Esse avanço resultou em cidades com baixa arborização e ampla presença de concreto e asfalto, que favorecem o acúmulo e a retenção de calor

De acordo com estudo, em Tefé (AM) foram registradas diferenças de até 4,6 °C nas temperaturas durante outubro de 2019, com picos nas áreas centrais, onde predominam construções de baixo custo e escassez de árvores.

Em Uarini (AM), município localizado a 570 quilômetros de Manaus, o mesmo estudo mostrou que, mesmo em áreas de urbanização reduzida, a substituição da vegetação por pavimentação e edificações altera significativamente o clima. 

O que são ilhas de calor?

O chamado efeito ilha de calor urbana é um fenômeno climático no qual, em uma mesma hora do dia, as temperaturas nas áreas mais densamente construídas e povoadas das cidades são significativamente mais altas do que nas zonas rurais ou florestadas próximas

No caso das ilhas de calor na região amazônica, esse contraste se torna ainda mais evidente, já que as cidades estão imersas na maior floresta tropical do planeta. Segundo Leonardo Vergasta, o aquecimento anormal das cidades é resultado direto da ação humana e da substituição de ecossistemas naturais por ambientes construídos. 

Vergasta explica que o fenômeno é causado pela “acumulação de estruturas como edifícios, calçadas e asfaltos, que absorvem mais calor e energia, aliada à poluição veicular e industrial, e à geometria urbana com ruas estreitas e prédios altos que bloqueiam o fluxo natural do vento”. 

Saiba mais: Efeito estufa, aquecimento global e crise climática: qual a relação?

Esse conjunto de fatores faz com que o ar quente fique retido nas camadas mais baixas da atmosfera, agravando a sensação térmica e dificultando o resfriamento natural das cidades amazônicas

Como as ilhas de calor se formam na região amazônica?

A formação das ilhas de calor na região amazônica está diretamente ligada à composição das áreas urbanas. Materiais como asfalto, concreto e tijolos absorvem mais calor e possuem baixa capacidade de reflexão, o que aumenta o aquecimento das superfícies. Uma cidade construída majoritariamente com esses materiais pode armazenar o dobro de calor em comparação a uma área florestada vizinha. 

A concentração de edifícios interrompe o fluxo dos ventos, impedindo a dispersão do calor. A poluição atmosférica proveniente do tráfego de veículos e da atividade industrial cria uma camada de gases e partículas que age como um “tampão térmico”, retendo a radiação infravermelha e dificultando a troca de calor entre o solo e a atmosfera. 

O fenômeno é, portanto, resultado direto da transformação da paisagem natural em um ambiente construído. À medida que a vegetação é substituída por superfícies impermeáveis, as cidades passam a absorver mais calor durante o dia e a liberá-lo lentamente à noite. Essa retenção térmica eleva a temperatura média do ar e da superfície.

O geógrafo João Lima Sant’Anna Neto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), observa que o uso de materiais inadequados, como telhas de fibrocimento em bairros populares, intensifica o fenômeno. Paralelamente, a falta de vegetação e a diminuição de corpos d’água, como igarapés e lagos, agravam o cenário, pois eliminam mecanismos naturais de regulação térmica, como a evapotranspiração e a sombra das árvores. 

A evapotranspiração, processo em que as plantas e o solo liberam vapor d’água para a atmosfera, atua como um “ar-condicionado natural”, resfriando o ambiente. Quando a vegetação é removida, o ar se torna mais seco e quente, especialmente em cidades amazônicas com altos índices de radiação solar e umidade relativa do ar. Esse desequilíbrio térmico contribui para o aumento do desconforto térmico e dos impactos sobre a saúde humana.

Além disso, o calor vindo de veículos, indústrias e aparelhos de ar-condicionado intensifica o aquecimento. A poluição atmosférica atua ainda como uma espécie de “efeito estufa urbano”, mantendo o ar quente próximo à superfície. 

Você sabia?: El Niño: o que é, causas e consequências

Por outro lado, fatores como vento, nuvens e umidade podem atenuar parcialmente o fenômeno. O vento dispersa o calor acumulado e renova as massas de ar, enquanto as nuvens reduzem a perda de calor noturno. Já a umidade exerce papel duplo: ameniza o calor por meio da evaporação da água, mas também pode intensificá-lo quando há limitação da circulação de ventos.

Quais são os impactos das ilhas de calor na saúde pública da região amazônica?

As consequências vão além do desconforto térmico. O calor extremo aumenta os riscos de doenças cardiovasculares, câncer de pele, desidratação e estresse térmico, além de comprometer o bem-estar psicológico da população. 

Projeções indicam que, até 2050, Belém poderá enfrentar 222 dias de calor extremo por ano, enquanto Manaus poderá registrar até 258 dias nessas condições, ampliando os desafios de adaptação urbana. 

Estudo revela que o aquecimento urbano agrava doenças crônicas, amplia a proliferação de vetores e aumenta a pressão sobre o sistema de saúde local

Doenças cardiovasculares, respiratórias e diarreicas representaram 50,6% das internações hospitalares de pessoas economicamente ativas (acima dos 14 anos) em Manaus entre 1998 e 2009. 

Esses problemas de saúde também foram responsáveis por 55,2% dos dias de trabalho perdidos e 62,9% dos custos totais com doenças no mesmo período, um impacto econômico estimado em R$ 28,4 milhões, somando gastos hospitalares e perdas de produtividade, de acordo com pesquisas complementares do ILMD/Fiocruz Amazônia.

Além das doenças crônicas, o estudo alerta para a expansão de enfermidades transmitidas por vetores, como dengue, zika, chikungunya e malária, que encontram nas áreas mais quentes e úmidas condições ideais para proliferação. 

O cruzamento de dados de temperatura, umidade e incidência de vetores pode servir de base para políticas públicas de vigilância ambiental e sanitária, permitindo ações preventivas mais eficazes. 

A ausência de políticas públicas consistentes de arborização é apontada como um dos principais agravantes dessa situação. Especialistas defendem a criação de parques lineares e a restauração da vegetação ciliar dos igarapés como medidas para reduzir as temperaturas e melhorar o conforto térmico urbano. 

Nesse sentido, o efeito das ilhas de calor na região amazônica deve ser tratado como um problema de saúde coletiva, já que a urbanização desordenada também agrava as condições de vulnerabilidade socioambiental. 

O pesquisador Sylvain Jean Marie Desmoulière alerta para experiência de ondas de calor intensas na Europa, que já causaram mais de 20 mil mortes. Segundo ele, há risco de que episódios semelhantes ocorram em cidades amazônicas caso não sejam adotadas medidas de solução.

Outros fatores que afetam a saúde pública

As alterações no regime de chuvas, tanto na intensidade quanto na distribuição ao longo do ano, vêm modificando a quantidade e a qualidade da água disponível na Amazônia. O aumento de eventos extremos, como enchentes e períodos prolongados de estiagem, provoca a contaminação de mananciais e poços artesianos, ampliando o risco de doenças de veiculação hídrica, como hepatite A e E, cólera, leptospirose e infecções diarreicas

Veja também: Uma Amazônia sem água e sem comida

Essas transformações também afetam a produtividade agrícola e a qualidade dos alimentos, comprometendo o abastecimento e a segurança alimentar da população. Em um cenário de escassez, há maior risco de subnutrição e desnutrição infantil, especialmente entre as comunidades mais vulneráveis, cujo desenvolvimento depende diretamente de uma alimentação adequada. 

As altas temperaturas aumentam o risco de estresse térmico, desidratação e colapso térmico, especialmente entre idosos, crianças e pessoas com doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, câncer e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). 

Em períodos secos, a umidade relativa do ar abaixo de 30% causa desidratação das mucosas e agrava doenças respiratórias. Já em ambientes quentes e úmidos, o corpo humano enfrenta dificuldade para regular sua temperatura, elevando o risco de exaustão e descompensações cardiovasculares. 

Texto: O que são ilhas de calor e como impactam a região amazônica?
Imagem: Organização Mundial da Saúde – OMS | Reedição do infográfico “Whether you live in a…”, da OMS: Vera Fernandes (Ascom/Icict/Fiocruz) | Versão do infográfico “Whether you live in a…”, da OMS: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz).

Outro fator agravante das ilhas de calor na região amazônica é o aumento da concentração de gases e partículas poluentes na atmosfera. Substâncias como monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre, ozônio e material particulado fino têm efeitos comprovadamente nocivos à saúde humana. 

Esses poluentes, provenientes da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento e dos incêndios florestais, agravam doenças respiratórias e cardiovasculares, além de reduzir a qualidade do ar. 

Durante períodos quentes e secos, os poluentes permanecem suspensos por mais tempo na atmosfera, potencializando crises de asma, bronquite e alergias respiratórias. O Conselho Nacional do Meio Ambiente alerta que esses poluentes tornam o ar prejudicial ao bem-estar humano e ao meio ambiente. 

O monóxido de carbono, por exemplo, diminui o transporte de oxigênio no sangue; os óxidos de nitrogênio afetam principalmente crianças, provocando irritação pulmonar; e o material particulado fino está diretamente associado ao aumento da mortalidade por doenças cardíacas e pulmonares. 

Como políticas públicas podem reduzir as ilhas de calor urbanas?

O plantio de árvores é destacado como solução-chave, pois as copas fornecem sombra, melhoram a circulação do ar e reduzem a temperatura do ambiente. 

Com a preservação dos igarapés, a evaporação da água ajuda a resfriar o clima urbano. Canalizar ou aterrar esses cursos d’água agrava o aquecimento local e reduz o conforto térmico. 

A recuperação de áreas de vegetação ciliar e de bosques urbanos, como o do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs), tem se mostrado uma medida eficaz para interromper as manchas de calor em regiões adensadas.

A política de arborização de Belém ganhou repercussão nacional após a polêmica das chamadas “árvores artificiais”, instaladas em um parque construído para a COP30, no bairro do Reduto. 

As estruturas metálicas, inicialmente apresentadas como árvores, foram posteriormente rebatizadas pela prefeitura como “jardins suspensos”. A iniciativa recebeu críticas por parte da população e de ambientalistas, que questionaram sua efetividade ambiental quando comparada ao plantio de árvores naturais. 

Apesar das controvérsias, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belém informou que já foram plantadas 7 mil mudas de árvores reais em Belém, como parte de um programa de reflorestamento urbano. 

O maior desafio da cidade para ampliar as áreas verdes está na escassez de espaço físico, especialmente nas regiões periféricas. A expansão urbana irregular resultou em bairros densamente ocupados, com pouca disponibilidade para o plantio de árvores. 

Por isso, os projetos de arborização têm se concentrado na requalificação de praças, calçadas e margens de rios, buscando reintegrar o verde à paisagem urbana. 

Em Manaus, a prefeitura anunciou a meta de plantar 15 mil mudas até 2025, com o objetivo de recuperar a cobertura vegetal da capital amazonense. 

Especialistas ouvidos pelo InfoAmazônia ressaltam que o sucesso dessas ações depende não apenas da quantidade de árvores plantadas, mas também da escolha de espécies nativas, mais adaptadas ao clima úmido e quente da Amazônia, e do monitoramento técnico após o plantio. 

Para Manaus, a solução defendida pelo pesquisador Desmoulière é um modelo de urbanização sustentável, baseado em um plano de ocupação do solo que leve em conta os aspectos climáticos e ambientais. 

Ele recomenda a construção de edifícios que não bloqueiem os corredores de vento, o uso de materiais permeáveis em calçadas e ruas e o aumento de parques e avenidas arborizadas. Essas soluções são vistas não apenas como melhorias estéticas, mas como medidas estruturais de saúde pública. 

O pesquisador afirma que a dependência de soluções individuais, como o uso intensivo de ar-condicionado, é insustentável. Além de elevar o consumo de energia, esses equipamentos emitem calor e poluentes, agravando o próprio problema que se busca amenizar. 

Para ele, o combate ao calor urbano requer respostas coletivas, com políticas permanentes de arborização, conservação dos igarapés e incentivo a soluções baseadas na natureza. 

Outras iniciativas, como o Projeto Emergência Climática em Cidades Amazônicas, são importantes, pois produzem relatórios e materiais educativos que podem auxiliar na criação de políticas públicas bem embasadas, e sensibilizar a sociedade civil sobre a questão. 

O projeto investiga como o aumento das temperaturas e a intensificação de eventos extremos (como ondas de calor, secas e chuvas intensas) afetam a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida das populações urbanas amazônicas.

O que você achou da situação atual das ilhas de calor na região amazônica? Se ficou alguma dúvida, deixe para a gente nos comentários!

Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!

Referências

WhatsApp Icon

Deixe um comentário

Conectado como Júlia Girio. Edite seu perfil. Sair? Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:

Júlia Christina Gírio Gonçalves

Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!.
Gonçalves, Júlia. O que são ilhas de calor e como impactam a região amazônica?. Politize!, 29 de setembro, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/ilhas-de-calor-regiao-amazonica/.
Acesso em: 29 de set, 2025.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Secret Link