Quando você pensa em um(a) juiz(a), imagina um(a) senhor(a) com semblante sério batendo um martelinho na mesa e usando peruca? Cena de filme! Aliás, no Brasil, o traje oficial usado por um(a) magistrado(a) em atos formais é a toga preta, símbolo de impessoalidade e solenidade.
Se os filmes exageram nas roupas, acertam na responsabilidade da profissão. Longe dos clichês, a rotina de juízes(as) envolve presidir audiências, garantir a aplicação das leis, administrar prazos e demandas, lidar com muitas pessoas e decidir casos que mudam vidas.
Para te ajudar a entender melhor o papel de um(a) magistrado(a), criamos um guia completo. Neste artigo, você encontrará:
- As funções práticas da carreira de juiz(a), com base no Código de Ética da Magistratura e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN);
- Os requisitos legais para ingressar na magistratura, conforme previstos na Constituição Federal e também na referida Lei Orgânica da Magistratura Nacional/LOMAN (Lei Complementar nº 35/1979);
- Informações sobre concursos públicos para a carreira de juiz(a) e dicas para se preparar;
- Os principais desafios e as recompensas dessa carreira jurídica.
Quer conhecer os caminhos para seguir na magistratura? Acompanhe a leitura!
O Guia das Carreiras Jurídicas, uma iniciativa do Instituto Mattos Filho em parceria com a Civicus e a Politize!, busca democratizar o conhecimento jurídico e orientar quem deseja explorar as diversas áreas do Direito, construindo uma carreira com propósito e impacto.
O que faz um(a) magistrado(a)?
Um(a) magistrado(a), ou simplesmente juiz(a), é muito mais do que aquela figura que vemos em filmes, presente nos tribunais apenas para ouvir as partes e sentenciar. Sua atuação nos bastidores do Poder Judiciário também é fundamental para garantir que a lei seja aplicada com justiça, imparcialidade e eficiência.

Na prática, o dia a dia de um(a) juiz(a) envolve:
- Mediação: incentivar acordos entre as partes, quando fizer sentido para o caso, a fim de evitar prolongamentos desnecessários;
- Leitura dos autos: analisar com atenção os “autos”, que são todo o conjunto de peças e registros de um caso (petições, decisões, certidões, provas, laudos, áudios/vídeos e movimentações). Hoje, a maior parte dos documentos são eletrônicos;
- Atividades administrativas: liderar e organizar a equipe (assessores, secretariado, analistas, técnicos e estagiários), distribuir tarefas, definir prioridades e prazos, gerir o orçamento e acompanhar indicadores para manter o fluxo de trabalho eficiente e ético;
- Elaboração de decisões e fundamentos: redigir despachos e sentenças com linguagem objetiva, organizando os fatos, as questões jurídicas, as provas consideradas e a conclusão;
- Domínio de precedentes e jurisprudência: acompanhar como os tribunais decidem casos parecidos e, conforme a comparação, aplicar o precedente (ou seja, no caso atual, usar a mesma solução e razão jurídica de uma decisão anterior quando há situações iguais ou muito semelhantes), distinguir (mostrar a diferença relevante que impede aplicar o mesmo entendimento) ou, excepcionalmente, superar (mudar a orientação porque ficou desatualizada);
- Aprimoramento contínuo: manter rotina de estudo e atualização — cursos, seminários, leitura técnica e troca com colegas — para acompanhar mudanças na legislação, novas teses dos tribunais e boas práticas de gestão do trabalho.
Tipos de juízes(as)
Os tribunais lidam com uma grande quantidade de demandas, que variam em natureza e complexidade. Para garantir que cada tipo de caso seja tratado adequadamente, o Poder Judiciário tem juízes(as) especializados(as) em macroáreas do Direito.
Existem cinco tipos principais de juízes(as), definidos pela esfera em que atuam e pela natureza dos processos que julgam:
- Juiz(a) Estadual (ou Juiz de Direito): atua na Justiça Estadual, julgando casos que envolvem pessoas físicas, empresas ou órgãos públicos estaduais e municipais. É responsável por analisar os autos, conduzir as audiências, tomar decisões e redigir sentenças. Tais funções estão previstas, de forma geral, na Constituição Federal de 1988, especialmente no art. 125, que trata da organização da Justiça Estadual;
- Juiz(a) Federal: responsável por processos que envolvem a União, autarquias (como o Instituto Nacional do Seguro Social — INSS) e empresas públicas federais (ex.: Caixa Econômica Federal e Correios). As demais atribuições podem ser consultadas no art. 109 da Constituição Federal de 1988;
- Juiz(a) do Trabalho: atua exclusivamente nas Varas do Trabalho, julgando conflitos entre empregadores e empregados da iniciativa privada, além de outras questões ligadas às relações de trabalho. Para saber mais, veja o art. 114 da Constituição Federal de 1988;
- Juiz(a) Eleitoral: encarregado(a) da organização, administração e supervisão das eleições, além de julgar questões eleitorais que envolvem registro de candidaturas, propaganda eleitoral, crimes eleitorais, prestação de contas etc. O Código Eleitoral reúne informações detalhadas sobre a Justiça Eleitoral;
- Juiz(a) Militar: profissional responsável por casos da Justiça Militar; julga crimes praticados por integrantes das Forças Armadas, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar (art. 124 e art. 125, §4º e §5º da Constituição Federal de 1988).
Requisitos legais para se tornar juiz(a)
Ingressar na magistratura exige mais do que dedicação aos estudos. O caminho para se tornar juiz(a) no Brasil envolve uma série de requisitos legais, definidos pela Constituição Federal e regulamentados por leis e editais de concursos.
Veja as principais exigências:
1. Formação acadêmica e experiência jurídica
- Diploma de Direito: o(a) candidato(a) deve ter formação superior em Direito, com diploma reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).
Veja também nosso vídeo “Vale a pena cursar Direito?” com participação especial de Marcelo Mansur Haddad, sócio do Mattos Filho!
- Experiência Jurídica: o(a) candidato(a) deve comprovar pelo menos três anos de experiência na área jurídica, conforme disposto na Emenda Constitucional nº 45/2004. Essa experiência pode ser adquirida por meio de atuação na advocacia, como defensor(a) público(a), promotor(a) de justiça, em cargos de assessoria, entre outras opções de atividades jurídicas.
Saiba mais sobre as atividades jurídicas válidas para os concursos da magistratura no artigo 59 da Resolução CNJ nº 75/2009.
2. Idade e Reputação
- Idade mínima: para ingressar na magistratura, o(a) candidato(a) precisa ter no mínimo 18 anos completos;
- Reputação ilibada: a Constituição Federal também exige que o(a) candidato(a) tenha uma reputação ilibada, o que significa que não pode ter antecedentes criminais ou processos éticos pendentes. A análise de sua vida pregressa será realizada durante o processo seletivo.
3. Aprovação em concurso público
- O ingresso na magistratura ocorre única e exclusivamente por meio de concurso público, conforme o artigo 93 da Constituição Federal.
Como funcionam os concursos para Magistratura?
Os concursos para a magistratura estão entre os mais difíceis do país, devido ao elevado nível de exigência e ao grande número de concorrentes. Em média, há entre 200 a 500 candidatos(as) para cada vaga oferecida.
Além disso, todas as etapas dos certames seguem as regulamentações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e são realizadas pelos tribunais estaduais ou federais. Não há calendário nacional fixo: cada tribunal publica edital conforme a necessidade de provimento de vagas e a disponibilidade orçamentária.
Etapas típicas dos concursos
1. Exame Nacional da Magistratura – Prova Preliminar
A primeira etapa obrigatória para candidatos(as) à magistratura é o Exame Nacional da Magistratura (ENAM), introduzido pelo CNJ por meio da Resolução CNJ nº 531/2023.
A partir dessa regulamentação, todos(as) os(as) candidatos(as) interessados(as) em participar de concursos para tribunais estaduais, federais, do trabalho, militares e do Distrito Federal precisam ser aprovados(as) no ENAM antes de se inscreverem nos certames específicos.
Podemos classificar o ENAM como uma prova preliminar de caráter eliminatório, que avalia os conhecimentos teóricos do candidato, com foco em questões práticas e situações cotidianas que um(a) juiz(a) pode enfrentar em seu exercício profissional.
O exame é composto por 80 questões objetivas, cobrindo as principais áreas do Direito: Constitucional, Administrativo, Processo Civil, Civil, Penal e Empresarial, Direitos Humanos e formação humanística.
Ao atingir a nota mínima para aprovação, o(a) candidato(a) receberá um certificado de habilitação válido por 2 anos, que permite a inscrição nos concursos da magistratura em todo o país. O documento pode ter sua validade prorrogada uma única vez, por mais 2 anos, sem a necessidade de refazer o exame nesse período.
Vale destacar que a Resolução CNJ nº 75/2009 foi alterada pela Resolução CNJ nº 568/2024. Sendo assim, quando previsto em edital, a aprovação no ENAM pode substituir a primeira fase (prova objetiva) dos concursos da magistratura.
2. Prova Objetiva (para tribunais que não adotam o ENAM)
Nos tribunais que não adotam o ENAM, o concurso começa com a tradicional prova objetiva, que consiste em questões de múltipla escolha, abrangendo áreas essenciais do Direito, como Direito Penal, Constitucional, Administrativo e Civil, entre outras.
O número de questões pode variar entre 80 e 100, com cinco alternativas cada e apenas uma resposta correta. Esses aspectos, incluindo a duração da prova, dependem das especificações de cada edital.
3. Prova Discursiva e Prova Prática
Após a etapa objetiva, os(as) aprovados(as) seguem para a prova discursiva e a prova prática.
Prova discursiva: esta etapa exige um profundo domínio sobre o conteúdo jurídico. As questões discursivas pedem respostas claras, bem fundamentadas e com o uso adequado de terminologia técnica. O objetivo é avaliar a habilidade em argumentar e aplicar o Direito de forma estruturada e coesa.
Prova prática: esse é o momento de demonstrar capacidade de redigir sentenças nas áreas Cível e Penal, simulando situações reais que um(a) juiz(a) enfrentaria. O(a) candidato(a) precisa demonstrar habilidade na interpretação e aplicação das leis, redigindo decisões jurídicas claras e adequadas ao caso apresentado.
4. Prova oral
A prova oral é a última etapa eliminatória do concurso. Durante esta fase, os(as) participantes aprovados(as) serão questionados(as) por uma banca examinadora sobre vários temas jurídicos. A prova avalia principalmente a capacidade de argumentação rápida e precisa, além da postura e oratória em situações de pressão.
5. Avaliação de títulos
Essa fase é de caráter classificatório. Os(as) aprovados(as) nas etapas anteriores devem apresentar documentos que comprovem sua formação acadêmica (como diplomas de pós-graduação, por exemplo), experiência profissional e outras realizações que possam ser consideradas para a classificação final.

Dicas para a preparação
Como os concursos para a magistratura exigem preparação, aqui vão algumas dicas básicas para otimizar seus estudos:
- Estudo direcionado: coloque seu foco nas disciplinas com maior peso no edital e em áreas em que você tem mais dificuldade. Pratique muito, especialmente as provas discursivas e as redações de sentenças;
- Cursos preparatórios: considere realizar cursos especializados que ofereçam conteúdo atualizado e direcionado às necessidades específicas do concurso;
- Simulados e prática: realize simulados e treine a redação de peças processuais e sentenças, que são essenciais;
- Atenção às diretrizes: o CNJ, por meio da Resolução nº 75/2009, estabelece parâmetros para os concursos da magistratura. O texto aborda desde requisitos de ingresso e etapas do processo seletivo até orientações de conduta. Conhecer essas diretrizes é fundamental para quem pretende seguir a carreira.
Assista também: Como ser aprovado(a) em concurso público?
Descomplicando a carreira de “magistrado(a)” em 5 perguntas
Não fique com dúvidas sobre o assunto!
1. Juiz(a) pode ser politicamente ativo(a) ou ocupar outros cargos?
Em regra, não. Para garantir a imparcialidade, o Código de Ética da Magistratura veda a participação em atividades político-partidárias e a ocupação de cargos fora da carreira. A função exige neutralidade, justamente para que as decisões não sejam influenciadas por vínculos externos.
Exceção importante: a Constituição permite aos(às) magistrados(as) exercer a função de magistério (dar aulas), desde que haja compatibilidade de horários e ausência de conflito de interesses. Fora isso, permanecem as vedações usuais: não pode advogar, não pode exercer cargos em empresa (pode ser apenas sócio(a)/acionista, sem gestão) e não pode realizar atividades político-partidárias (CF, art. 95, parágrafo único; LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
2. Qual a diferença entre os termos magistrado e juiz?
“Magistrado” é o termo mais amplo: inclui juízes(as) e desembargadores(as) (e, em algumas classificações, ministros[as]). Já “juiz” refere-se especificamente ao(à) magistrado(a) que atua no primeiro grau, conduzindo audiências, analisando provas e decidindo os processos. Ou seja, todo(a) juiz(a) é magistrado(a), mas nem todo(a) magistrado(a) é juiz(a).
3. Qual o local de trabalho de um(a) juiz(a)?
O(a) juiz(a) trabalha, em regra, no fórum da comarca (na Justiça Estadual) ou na subseção judiciária (na Justiça Federal). É lá que ficam as varas, onde os processos começam e o(a) juiz(a) conduz audiências e dá suas decisões. Já os tribunais são locais de trabalho de desembargadores(as) e ministros(as).
4. É preciso ter carteirinha da OAB para ser juiz?
Não. Para ingressar na magistratura é obrigatório ter o diploma de Direito e comprovar pelo menos três anos de prática jurídica antes da posse (o que pode incluir a advocacia, mas também outras atividades, como atuação no Ministério Público, Defensoria etc.). A inscrição na OAB não é um requisito, pois, depois de assumir a função, o(a) juiz(a) não poderá mais advogar.
5. Como funcionam as progressões na carreira e promoções?
A carreira de magistrado(a) começa como juiz(a) substituto(a), que atua ao lado de titulares para adquirir experiência. Depois, com a primeira promoção, passa a ser juiz(a) de Direito de 1ª entrância, geralmente em cidades menores, onde concentra todos os tipos de processos.
Com o tempo, pode ser promovido(a) a juiz(a) de 2ª entrância, atuando em cidades médias ou maiores, em varas mais especializadas (como Família, Criminal ou Fazenda Pública). O passo seguinte é a entrância especial, que corresponde às capitais ou grandes centros, onde está o maior volume e a maior complexidade de causas. Após percorrer essas etapas, o(a) magistrado(a) pode alcançar o cargo de desembargador(a), nos tribunais de segunda instância.
As promoções seguem critérios alternados de antiguidade e merecimento. A cada degrau da hierarquia, aumentam as responsabilidades e o número de processos. Em média, levam duas décadas ou mais para atingir o topo da carreira.
Considerações finais
Você sabia que, no Brasil, há em média apenas nove magistrados(as) para cada 100 mil habitantes? Para comparar, na União Europeia essa relação chega a cerca de 18 magistrados(as) por 100 mil habitantes, ou seja, o dobro.
Esses dados, divulgados na edição 2024 do Justiça em Números, relatório anual do CNJ que reúne estatísticas sobre a estrutura e funcionamento do Judiciário brasileiro, ajudam a explicar a sobrecarga enfrentada no nosso país: milhões de processos para um número relativamente pequeno de juízes(as).
Entre os fatores que explicam esse cenário estão a demora na realização e conclusão dos concursos públicos para ingresso na magistratura, que dificulta a reposição de vagas, e o elevado número de demandas que chegam ao Judiciário. O que vemos hoje é uma carreira essencial para a democracia, mas marcada por desafios estruturais que afetam diretamente a agilidade e a eficiência da Justiça.
Mas isso não deve desanimar você! Afinal, mesmo diante das limitações, a magistratura cumpre um papel social indispensável: garantir que direitos sejam respeitados, que conflitos sejam resolvidos de forma justa e que o Estado Democrático de Direito se mantenha firme. É justamente essa relevância que torna tão importante conhecer melhor a carreira e valorizar o trabalho de quem a exerce.
Quer saber mais sobre o tema? Em breve lançaremos um vídeo explicando mais detalhes sobre essa carreira. Fique de olho!
Autora: Carla da Silva Oliveira
Fontes: