Almerinda Farias Gama e o voto feminino

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Feminista, sufragista, advogada, nordestina e líder sindicalista, Almerinda Farias Gama foi uma mulher negra pioneira na luta pelo voto feminino no Brasil.

Almerinda nasceu em Maceió, no estado de Alagoas em 16 de maio de 1899. Trilhou e desbravou novos caminhos como representante das mulheres e teve papel fundamental na militância feminista dentro e fora dos sindicatos.

Cibele Tenório (2021), doutoranda em História pela Universidade de Brasília (UnB), estuda o sufrágio feminino, o ingresso das mulheres na política institucional a vida de Almerinda. Para a pesquisadora, as conquistas políticas das mulheres brasileiras são constantemente creditadas à luta de um grupo específico: sufragistas brancas e de famílias abastadas.

Ela argumenta que trajetórias como a de Almerinda evidenciam a presença de mulheres negras e integrantes da classe trabalhadora assalariada no palco dos acontecimentos históricos que levaram à obtenção dos direitos políticos femininos.

Neste texto da Politize! abordaremos a vida, o pensamento crítico sobre a desigualdade de gênero, a luta pela igualdade e a contribuição de Almerinda, uma sufragista que deixou seu legado na construção da cidadania feminina do país.

Fotografia em sepia, mostrando quatro pessoas.
Almerinda, pioneira líder sindical negra. Fonte: DMT em Debate

Almerinda Farias Gama e a indignação pela desigualdade de gênero

Almerinda mudou-se ainda criança para Belém, no estado do Pará, logo após a morte de seu pai, sendo criada por suas tias. Sua vida foi marcada por grandes perdas pessoais. Casou-se e teve um filho; entretanto, a criança morreu ainda na infância, além de ter ficado viúva em 1926, quando o marido foi vitimado pela tuberculose.

Trabalhou como datilógrafa e escrevia crônicas para o jornal A Província. Entretanto, um fato relacionado ao trabalho de datilógrafa trouxe uma nova mudança em sua vida: a desigualdade de gênero no mundo do trabalho.

Ao descobrir que para o mesmo trabalho que desempenhava recebia o corresponde à 200 réis (nome da moeda da época), enquanto seu colega de trabalho, pelo fato de ser homem recebia 300 réis, ficou indignada e decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro buscando melhores condições salariais.

Atuação sindical, política e feminista: pelo voto das mulheres

Na capital carioca, Almerinda formou-se em Direito, dedicando-se nas lutas sindicais, políticas e feministas. O primeiro registro em jornal de sua presença no Rio de Janeiro ocorreu em março de 1930 no Diário da Noite.

Foi presidente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos, fez campanha e tornou-se apoiadora da renomada feminista Bertha Lutz (1894-1976), para que assumisse a presidência da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

Bertha Lutz é reconhecida como uma das maiores lideranças na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. Filha da enfermeira inglesa Amy Fowler e do cientista e pioneiro da Medicina Tropical Adolfo Lutz, Bertha foi educada na Europa, formou-se em Biologia pela Sorbonne e tomou contato com a campanha sufragista inglesa.

Foi na FBPF que Almerinda foi ocupando o espaço de assessora de imprensa e relações públicas. Seu trabalho era de divulgar ações e atividades da entidade, como também cuidar do secretariado: fazer o registro das reuniões em atas, tomar notas, ajudar na organização de congressos.

“ Também recebia pessoas que procuravam a FBPF e conduzia reuniões para atender a suas demandas, dava entrevistas falando em nome da entidade, emprestava sua voz e fazia as vezes de locutora de rádio para a narração de programas curtos da FBPF inseridos na programação da Rádio Sociedade, redigia as convocações para as associadas e mandava para que os jornais as publicassem, tomava nota das reuniões e, depois, punha-se a redigir as notícias, “traduzindo” as ações para que tivessem tom mais palatável, tudo isso, claro, sob a supervisão de Bertha Lutz.” (Tenório, 2021)

Em 1933, como representante classista, Almerinda acabou sendo indicada para ser delegada na votação que escolheu os integrantes da Assembleia Nacional que elaboraria uma nova Constituição para o Brasil.

Todos os delegados com direito a voto, poderiam votar e serem votados nas eleições de classe. Almerinda não obteve votos suficientes para ser eleita, mas o plano para a sua participação nas eleições deu certo. No dia seguinte, os jornais destacaram que uma mulher participou da eleição da representante da classe e concedeu entrevista a sindicalista, concedendo visibilidade à pauta das mulheres no campo político.

Almerinda gama colocando cédula de votação em urna.
Almerinda Gama vota na eleição de representantes classistas em 1933. Fonte: CPDOC|FGV

Almerinda foi uma das duas únicas mulheres a participar da Assembleia Constituinte. Segundo o Senado, as primeiras mulheres eleitas para uma Assembleia Constituinte no Brasil foram Carlota Pereira de Queirós (1892-1982) como deputada constituinte e Almerinda Farias Gama como delegada classista, representando o sindicato que presidia.

Num plenário com 252 homens e com apenas 02 mulheres foi possível que a Constituição de 1934 consagrasse o princípio da igualdade entre os sexos, o direito da mulher votar e proteção para as trabalhadoras. Portanto, o trabalho desenvolvido por essas mulheres foi notável e de merecedora ênfase na construção da cidadania feminina no país.

Veja também: Voto feminino: a história do voto das mulheres | Politize!

Apesar desse feito, Almerinda tinha a esperança de que, depois de alcançar o direito ao voto, a FBPF também se engajasse na luta por igualdade em outras áreas. No entanto, como suas expectativas não foram atendidas, ela se afastou gradualmente do movimento feminino. Em 1935, ela já não fazia parte da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

Com a intensificação do Estado Novo, regime autoritário iniciado em 1937, sob o governo de Getúlio Vargas, Almerinda se retirou das atividades políticas partidárias e sindicais. Também não tentou mais se eleger para um cargo político. Continuou trabalhando como datilógrafa e jornalista até se aposentar nos anos 70.

De 1939 em diante trabalhou como professora e tradutora de francês, inglês e espanhol. Atuou também como jornalista, escreveu artigos, editou livros, inclusive de poesia.

Foi entrevistada por Joel Zito de Araújo (1954 – ) que produziu e dirigiu com Ângela Freitas o média-metragem Almerinda, uma Mulher de Trinta (1991), premiado no Festival Guarnicê de Cinema, realizado no Maranhão.

Em 1984, foi entrevistada por Angela Maria de Castro Gomes e Eduardo Navarro Stotz pelo projeto “Velhos Militantes”,  de vigência entre os anos de 1983 e 1986, que foi parte integrante de um livro com mesmo título, publicado pela Zahar Editores em 1988. 

Almerinda faleceu em 31 de março de 1999, em São Paulo.

Invisibilidade e ações de reconhecimento

Apesar da atuação memorável e multifacetada de Almerinda, há pouco destaque e reconhecimento sobre sua luta pelo sufrágio feminino e pouco se sabe sobre sua história de vida.

Uma das iniciativas em reconhecimento ao seu legado foi a criação do Prêmio Almerinda Farias Gama, em 2016, pela Prefeitura de São Paulo. A premiação que tem como objetivo distinguir iniciativas na área da comunicação relacionadas à defesa da população negra.

Para Cibele Tenório, a invisibilidade e falta de reconhecimento do legado da sufragista negra e o motivo desse silenciamento sobre a vida e a obra de Almerinda Farias Gama tem a ver com o racismo e afirma que:

“Há no Brasil já algumas excelentes pesquisas sobre os projetos sufragistas, mas nada sobre ela. Apesar de ela fazer parte desse grupo, destoava por ser negra, por não ter um sobrenome influente, por ser assalariada”. (Tenório, 2021)

O projeto de Tenório, que também é alagoana, narra a trajetória de Almerinda a partir de suas memórias, de sua participação na construção da emancipação feminina e de sua experiência sendo uma mulher negra na sociedade brasileira pós-abolição.

Projetos como esse e outros que possam surgir sobre a vida de personagens históricas brasileiras, contribuem para que os feitos de mulheres notáveis sejam reconhecidos e visibilizados.

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Referências

1 comentário em “Almerinda Farias Gama e o voto feminino”

  1. Nájara Sena Gomes

    Agradecida pelas informações, não conhecia essa cidadã definitiva para o voto feminino e concordo que sua invisibilidade deve está na conta da desigualdade de gênero, interseccionada pelo racismo.

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Conteúdo escrito por:
Doutoranda em Estudos Contemporâneos (Universidade de Coimbra), Mestre em Ciências Sociais (PUC/SP).

Almerinda Farias Gama e o voto feminino

26 jul. 2024

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