Na sociedade civil, há uma compreensível confusão entre as três espécies de crimes contra a honra existentes em nosso ordenamento jurídico: calúnia, difamação e injúria.
Embora haja algumas semelhanças entre elas, uma vez que protegem o mesmo bem jurídico (honra), carregam importantes diferenças. São exemplos: conceito, previsão legal, contexto para a prática do delito e consequências penais.
É fundamental saber diferenciá-las por dois principais motivos: (i) para que situações sociais sejam adequadamente enquadradas; (ii) conhecimento de que a atribuição falsa de um crime a alguém também é crime.
Ficou confuso? Vem com a gente entender!
Em primeiro lugar: o que é a honra?
Honra é o conjunto de características físicas, morais e intelectuais de um ser humano que promovem a sua autoestima e o fazem merecedor de respeito perante a sociedade.
Dado o seu conceito amplo e abstrato, os estudiosos do Direito a subdividem em honra objetiva e honra subjetiva.
A honra objetiva diz respeito ao julgamento feito pela sociedade sobre o indivíduo, ou seja, trata-se de uma visão externa sobre as qualidades da pessoa. Assim, está relacionada à reputação de alguém.
Os tipos penais da calúnia e da difamação violam a honra objetiva, pois atribui-se a outrem a prática de um fato previsto como crime (calúnia) ou um fato ofensivo à sua reputação (difamação).
A honra subjetiva corresponde ao julgamento que o indivíduo faz sobre si mesmo. Trata-se do próprio sentimento que cada um possui sobre suas qualidades físicas, psíquicas e morais. Assim, está relacionada à autoestima.
O tipo penal da injúria viola a honra subjetiva, uma vez que, neste caso, há a imputação de um atributo negativo a alguém.
Possibilidade de violação
Como adiantado, o Código Penal prevê três condutas violadoras da honra e que, por isso, são tipificadas como crime. São elas: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140). Vamos entender cada uma delas?
Leia também: Direito Penal: o que é? e Código Penal: o que é e para que serve?
Calúnia (art. 138 do Código Penal)
Caluniar significa atribuir a alguém, pública e falsamente, a prática de um fato específico e determinado definido como crime.
É fundamental que a atribuição seja detalhada e verdadeira, sob pena de não restar configurado o crime em comento.
Por exemplo, qualificar determinada pessoa como “ladrão” não basta para esteja configurada a calúnia. Para tanto, deve haver a seguinte construção: no dia 26 de abril de 2024, por volta das 14h, “A” abordou a vítima “B” e, com o emprego de arma de fogo, roubou-lhe o aparelho celular.
A pena é de detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Atenção: o artigo 138, no §1º, prevê a mesma pena para quem, sabendo ser falsa a informação, a divulga.
Além disso, o crime restará configurado ainda que a vítima se trate de pessoa já falecida, por força do que dispõe o §2º (“É punível a calúnia contra os mortos.”).
É importante destacar que a imputação falsa de contravenção penal não tipifica o crime de calúnia, já que o tipo penal se refere exclusivamente a crime (espécie do gênero infração penal).
Aprenda a diferença: CNJ Serviço: qual a diferença entre crime e contravenção?
Não confunda: calúnia x denunciação caluniosa
Na denunciação caluniosa, crime previsto no art. 339 do Código Penal, o agente vai além da mera divulgação pública da mentira, levando a afirmação ao conhecimento do Estado, com movimentação da máquina estatal.
Nesse caso, o agente dá causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém que sabe ser inocente.
Pela elevada gravidade, a pena é de reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos, e multa.
Difamação (artigo 139 do Código Penal)
Difamar consiste em atribuir a alguém um fato que ofenda a sua reputação perante a sociedade, assim como ocorre na calúnia; porém, na difamação, o fato imposto não está previsto na lei como crime.
Para que se configure a difamação, basta que o fato contenha aptidão suficiente para desonrar a reputação da vítima, pouco importando ser verdadeiro ou falso (exceto quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções).
A atribuição deve ser descritiva, sob pena de não restar configurado o crime. Por exemplo, não basta dizer que determinada pessoa é adúltera (aqui, haverá injúria), sendo necessária uma descrição melhor pormenorizada, como detalhes íntimos e variados sobre a vida íntima da vítima, relacionando-a a relacionamentos extraconjugais.
A pena é de detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa.
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A imputação – atribuição de responsabilidade – de contravenção penal, embora não tipifique o crime de calúnia (que exige seja atribuído falsamente um crime), poderá tipificar o crime de difamação.
Atenção: apesar de não haver menção no art. 139 do Código Penal, entende-se que aquele que propala a difamação também comete o crime, pois é vedado que se leve o fato desabonador adiante.
Injúria (artigo 140 do Código Penal)
A injúria consiste na atribuição de qualidades negativas à pessoa, ofendendo a sua dignidade ou decoro. Em outros termos, trata-se do insulto, do ato de falar mal, abalando o conceito que a vítima possui de si própria.
Haverá ofensa à dignidade quando desqualificadas qualidades morais; ao decoro, quando atacadas qualidades físicas.
Por se tratar de um crime que ofende a honra subjetiva, sua configuração dispensa a exigência de que terceiros tomem ciência da ofensa, bastando que o fato chegue ao conhecimento da vítima. Os exemplos mais corriqueiros são as agressões verbais e xingamentos dirigidos à pessoa.
Admite-se também a ocorrência da injúria indireta (ou injúria reflexa), em que ao ofender uma determinada pessoa, o agente acaba por ofender também a terceiro. É o caso, por exemplo, de uma ofensa dirigida à esposa que, reflexamente, também atinge o marido que é chamado de “corno”.
A pena é de detenção de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.
Informação complementar: pelo artigo 142 do Código Penal, o crime de injúria e difamação poderão ser excluídos se estiverem em forma de crítica literária, artística ou científica, ou se cometidos durante o julgamento do processo ou a discussão da causa, por qualquer uma das partes envolvidas.
Não confunda: injúria racial x racismo
Em 11 de janeiro de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.532, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo.
Segundo a definição do art. 2º-A da Lei nº 7.716/1989 (Lei do Crime Racial), constitui injúria racial a ofensa à dignidade ou ao decoro da vítima em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.
A pena tornou-se mais severa: reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa. Pode ser aumentada de metade se o crime for praticado por duas ou mais pessoas.
Além disso, não mais é possível o arbitramento de fiança para que o acusado responda em liberdade. Por fim, o crime tornou-se imprescritível, podendo ser julgado a qualquer tempo, independentemente da data em que foi cometido.
Aprofunde no tema: Lei 14.532: O que muda com a lei que tipifica injúria racial como crime da racismo? e Racismo: como essa prática é estruturada no Brasil
Conseguiu compreender os crimes contra a honra e a diferença entre eles? Deixe seus comentários e dúvidas!
Referências:
- CNJ Serviço: diferença entre calúnia, injúria e difamação;
- MASSON, Cleber Rogerio. Crimes contra a honra. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017;
- NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008;
- Safernet: Calúnia / Injúria / Difamação;
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: Dos crimes contra a honra.