Economia solidaria

Economia solidária: a moeda social e o caso de Palmas

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

Economia solidária moeda social

Você já ouviu falar em economia solidária? A economia solidária é uma forma alternativa de realizar atividades econômicas no mundo, porém pouco conhecida pela maioria das pessoas. Esse modo de movimentar a economia, através das moedas sociais, está, inclusive, presente no Brasil, como no caso de Palmas. Vamos entender mais sobre o assunto!

Primeiro vamos contextualizar!

A economia solidária surgiu na Inglaterra, durante o século XIX, como um instrumento de combate à pobreza e à desigualdade por parte da população socialmente excluída, que sofria com os reflexos do capitalismo industrial. Esse movimento geralmente está presente em pequenas comunidades e surge como uma iniciativa de aquecer a economia local. Mas por que isso ocorre? Muitas vezes, as pessoas preferem comprar em comunidades vizinhas ou nos grandes centros, onde os preços tendem a ser mais competitivos. Como consequência, a economia da pequena comunidade começa a desacelerar e a população passa a perceber que o dinheiro não está circulando naquele lugar. Assim, surge a necessidade de reorganizar o modo de produção por meio da instituição das moedas sociais, ou moedas alternativas, com o objetivo de estimular e desenvolver a economia da comunidade em questão.

É importante lembrar que houve um tempo em que as transações comerciais ocorriam por meio de trocas de mercadorias, como o escambo. De certa forma, a moeda social busca resgatar esse tipo de relação, já que é utilizada somente como meio de troca. A moeda oficial, por outro lado, possui outras funções além dessa, como unidade de conta e reserva de valor.  

Leia mais: Economia Colaborativa: você sabe o que é?

Mas afinal, no que consiste a economia soliária?

Pode-se dizer que a Economia Solidária é um modo alternativo de lidar com as atividades econômicas de um determinado lugar. As relações de produção, compra, venda e troca, por exemplo, ocorrem de uma maneira um tanto quanto diferente do convencional. Por exemplo, os trabalhadores são, ao mesmo tempo, os donos do negócio, diferentemente da economia convencional, na qual há uma distinção entre esses dois grupos. Também existe um forte senso de coletividade fundamentado no princípio da autogestão, que diz respeito às decisões nos empreendimentos serem tomadas de forma coletiva, e da cooperação, que defende a ideia de trabalho colaborativo em prol dos interesses e objetivos comuns, evitando a competição.

Ainda, o princípio da ação econômica apoia as iniciativas econômicas como a produção, a comercialização, a prestação de serviços, as trocas, o crédito, o consumo e a solidariedade, demonstrando uma preocupação com o próximo, uma vez que os resultados gerados são pautados numa divisão igualitária entre os trabalhadores.

As iniciativas podem ocorrer de diversas maneiras, sendo algumas delas por meio de associações, cooperativas, como as de coleta e reciclagem, ou grupos, tanto no campo quanto na cidade.

Vantagens e desvantagens da economia solidária

Vantagens

    • Modelo de organização aberta e democrática, onde os trabalhadores têm seus interesses acomodados em qualquer atividade.
    • Não há relação patrão-empregado.
    • Preservação dos valores culturais, de solidariedade, cooperação, direitos humanos e democracia, visto que é a população que faz funcionar.
    • Inclusão social.
    • Para cada moeda social que circula, existe seu correspondente em real nos cofres do Banco comunitário ou em conta bancária específica.
    • Incentivo ao comércio e consumo locais, e ao aprimoramento do trabalho e da inteligência partilhados e livres.
    • Preza pela sustentabilidade, incentivando o consumo de produtos saudáveis e não prejudiciais ao meio ambiente.

Desvantagens

    • Pode haver falta de recursos e dificuldade de acesso ao crédito.
    • Não há, em sua maioria, trabalho assalariado. Os lucros gerados são divididos entre os trabalhadores ou reinvestidos no empreendimento.
    • Geralmente os empreendimentos são formados por uma pequena quantidade de capital e iniciam suas atividades com equipamentos obsoletos e com baixo grau de tecnologia.
    • Dificuldade de encontrar fontes de financiamento.
    • Não se pode demitir os trabalhadores, pois eles são proprietários dos meios de produção.
    • Falta de capital de giro (recurso financeiro necessário para financiar a continuidade das operações e uma empresa).
    • As empresas de autogestão são formadas por cooperativados que não possuem grande patrimônio pessoal e, comumente, têm grau mais reduzido de instrução.

A moeda social

A moeda social é o meio que viabiliza a prática da Economia Solidária. Ela possui características específicas que a diferem da “moeda normal” e pode ter algumas diferenças dependendo do local de origem, pois existem diferentes modelos em países como Quênia, França e Japão.

Primeiramente, é importante deixar claro que as moedas sociais não substituem as moedas oficiais, ou seja, exercem uma função de complementaridade e tem como objetivo melhorar a vida dos habitantes locais, produzindo trabalho, serviços e bens, limitando-se à comunidade na qual foi instituída. Todo o processo de produção, distribuição e funcionamento é estabelecido pela própria comunidade, que troca parte do salário recebido em reais (ou na moeda oficial do país) pela moeda social.

Além disso, no Brasil, as moedas sociais são lastreadas em reais. Isso significa que para cada unidade da moeda social posta em circulação, o banco comunitário deve possuir o equivalente em moeda oficial para garantir e facilitar o entendimento das transações. Por exemplo, 1 Palmas (moeda social do Conjunto Palmeiras) corresponde a 1 Real. Elas também não possuem a assinatura dos presidentes do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) – assinaturas impressas em tamanho reduzido que dão à cédula oficial do país o seu valor legal –  e não são fabricadas pela Casa da Moeda, mas pelos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD). Apesar disso, fisicamente, elas se parecem com as moedas convencionais, sendo impressas em papel moeda e com elementos de segurança.

Outro diferencial é que os bancos comunitários podem emprestar valores em moeda social para os habitantes das comunidades que não possuem linhas de crédito em instituições bancárias tradicionais, logo os BCDs também funcionam como uma ferramenta de democratização de crédito, permitindo a ampliação de investimentos locais.

A economia solidária no Brasil

E no Brasil, como esse movimento chegou? Como já foi dito, a ideia de economia solidária surgiu na Europa. Aqui, o economista Paul Singer foi o responsável por estudar e desenvolver o tema.  

Fatores como combate à exclusão, desigualdade, desemprego urbano e desocupação rural servem de motivação para impulsionar a iniciativa no cenário brasileiro e buscar uma melhor qualidade de vida para as classes mais vulneráveis.

Na última década o movimento ganhou proporções maiores, pois passou a ocorrer uma articulação nacional, deixando de existir tantos casos isolados. Essa tendência resultou na demanda pela criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em 2003, durante o governo do ex-presidente Lula, tendo Paul Singer como secretário. Essa ação demonstrou uma ampliação e possibilitou maior representatividade da Economia Solidária no Brasil.

O caso de Palma

Cédulas de palma, moeda alternativa do Conjunto Palmeiras
Cédulas de palma, moeda alternativa do Conjunto Palmeiras

Não, o Real não é a única moeda que circula no Brasil. Dentre as 117 moedas alternativas existentes hoje no país, tem-se a Palma. Ela foi a primeira moeda social, criada pela própria comunidade do Conjunto Palmeiras, localizado no sul de Fortaleza, Ceará, em 1998. O objetivo era o desenvolvimento local, já que os moradores viam-se fazendo praticamente todas as compras fora do bairro, de forma que o dinheiro não se mantinha lá.

Foi com a vontade de mudar esse cenário e de gerar renda e trabalho local que surgiu a ideia do Banco Comunitário Palmas, onde são concedidos microcréditos para a produção e para o consumo. O primeiro é dado em reais, com o intuito de melhorar o relacionamento entre quem produz e quem consome, e o segundo é dado em Palmas, a moeda oficial do banco. Para os empréstimos em Palmas, não há cobrança de juros, já para os empréstimos em reais é cobrado de 1,5 a 3% de juros para que o banco possa se sustentar.

A Palmas circula apenas dentro do Conjunto Palmeiras, possui permissão de câmbio e cada uma equivale a 1 real. Além disso, o banco possui cinco elementos de segurança: papel moeda, numeração seriada, código de barras, faixa holográfica e infravermelho. Para entender melhor: no Real, a numeração seriada aparece na nota em vermelho e em tamanhos crescentes, sendo os dois primeiros caracteres referentes ao ano e ao mês de fabricação; a faixa holográfica pode ser vista na nota ao movimentá-la, quando há alternância entre o valor e a palavra “reais”.

E não para por aí! Desde 2015, existe uma versão eletrônica dessa moeda social, o e-dinheiro Palmas. Como funciona essa plataforma? A pessoa vai até o banco para cadastrar seu número de telefone e CPF na rede, deposita algum valor em reais, logo convertido em saldo eletrônico, e, então, pode fazer transações e pagamentos através de um aplicativo ou até mesmo de mensagens de texto.

O Impacto na vida das comunidades

Será que a adoção da Economia Solidária e da moeda social realmente melhoram a vida e o cotidiano da comunidade onde ela circula?

Em 2017, o total da movimentação das moedas sociais no país foi de mais de 6 milhões de reais, tanto em crédito produtivo quanto em meio circulante físico, compondo o chamado sistema financeiro solidário.

O apoio dos bancos comunitários é fundamental para o avanço na renda, na qualidade de vida e no desenvolvimento. Na prática, tem-se vários exemplos. O banco responsável pela moeda digital Mumbuca, na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, conquistou um edital da prefeitura da cidade para distribuir a bolsa-mumbuca, uma espécie de bolsa-família local, na forma de e-dinheiro. Essa experiência já dura mais de 8 meses, possui mais de 5 mil usuários cadastrados e gera um volume significativo de dinheiro, que passa a casa de um milhão de reais em compras locais, utilizando a plataforma do banco.

Os projetos do Banco Palmas são financiados por diversos parceiros ao passo que o Instituto Palmas participa de editais de várias entidades públicas e privadas: Caixa, Avon, Petrobrás e BNB, por exemplo. Este último, inclusive, desenvolveu um projeto que deu origem aos Consultores Comunitários, um curso de capacitação que acontece anualmente para formar jovens da comunidade nas atividades de todos os setores do Banco.

Outro projeto importante é o “Elas”, implementado para as mulheres beneficiárias do Bolsa Família, o qual envolve a parceria de várias instituições como a Senaes/MTE, a Caixa, o Governo do Estado do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza, com o objetivo de agir em prol da promoção, educação e do acompanhamento das mulheres, tomadoras de crédito do Banco Palmas, para a inclusão e emancipação financeira e bancária das mesmas. Elas podem, uma vez por semana, participar de um curso sobre educação financeira.

O Banco possui, ainda, uma moeda social voltada apenas para as crianças do local, a Palminhas, com a finalidade de fazer com que elas conheçam a história da comunidade por meio da moeda e de incentivar o empoderamento infantil e a cultura da solidariedade.

Por outro lado, para os representantes do Banco Palmas e para os criadores da moeda, parece que a Palmas já cumpriu seu papel de fazer com que as pessoas consumissem no bairro, visto que sua circulação tem diminuído. Um dos motivos é a concentração do volume de Palmas no único posto de gasolina do bairro, que foi, em 2012, de 81%. Isso mostra que a grande parte das Palmas recebidas pelos empreendimentos locais eram usadas para abastecer automóveis e motos, encurtando o circuito monetário.

Mesmo assim, esta situação não tira a importância do uso das moedas sociais como um mecanismo, ainda que temporário, para estimular o consumo interno e a valorização do local. No Conjunto Palmeiras, mesmo com a diminuição do uso das Palmas, o nível de consumo se manteve elevado, entre 93% e 95% dos moradores, segundo o mapeamento da produção e do consumo empreendido pelo Banco Palmas.

Ficou curioso sobre outras moedas? Algumas outras moedas alternativas que circulam no Brasil são: a Mumbuca, na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro; a Bem, no Morro de São Benedito, no Espírito Santo; a Santana, na cidade de Santana do Acaraú, no Ceará; e a Ita, primeira moeda social da área rural, no Assentamento Itamarati, em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul.

Conseguiu entender o que é Economia Solidária e moeda social? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

Aviso: mande um e-mail para contato@politize.com.br se os anúncios do portal estão te atrapalhando na experiência de educação política. 🙂

Referências do texto: 
Cirandas – O que é Economia Solidária

Conexão Planeta – Moedas sociais circulam por todo o Brasil e impulsionam economia das comunidades

Crédito e Débito – O que é Moeda Social?

ECOSOL Base Brasília – Economia Solidária no Brasil

Estadão – Moedas Sociais

Estadão – Moeda social Palmas ganha versão eletrônica

G1 – Bairro de Fortaleza cria moeda própria e enriquece

Ipea – Banco Palmas: a serviço da comunidade – O real é a moeda oficial do Brasil…

Ministério do Trabalho – Economia Solidária

Nexo Jornal – O que é economia solidária, foco de estudo e ação de Paul Singer

Projeto Colabora – Muito além do Real

Revista Emancipação – A economia solidária diante da concorrência capitalista: os limites econômicos da autogestão

Revista Fórum – Banco Palmas: moeda própria, economia solidária e desenvolvimento local

RIGO, A. S. Moedas sociais e bancos comunitários no Brasil: Aplicações e implicações, teóricas e práticas. 2014. Tese (Pós Graduação em Adminstração) – Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, Salvador

Scielo – O paradoxo das Palmas: análise do (des)uso da moeda social no “bairro da economia solidária”

UNISOL Brasil – O que é Economia Solidária?

Viração – O que são moedas sociais e como contribuem para a construção de uma economia justa e solidária

GoCache ajuda a servir este conteúdo com mais velocidade e segurança

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Redatora Voluntária Politize! Estudante de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina.

Economia solidária: a moeda social e o caso de Palmas

22 abr. 2024

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo