Eleições municipais e presidenciais: há conexão entre os resultados?

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Pessoa votando com uma cédula de papel em uma caixa.
Foto – Freepik

Realizadas em anos pares, as eleições no Brasil ocorrem em recortes distintos: as eleições municipais, onde os eleitores escolhem Vereadores e Prefeitos para os legislativos e executivos dos municípios; e as gerais, onde é feita a escolha de Deputados Estaduais e Governadores para o legislativo e executivo nos Estados, e Deputados Federais, Senadores e Presidente da República para o legislativo e executivo, dessa vez em nível federal.

Nas disputas “Os partidos ou os candidatos fazem propostas políticas durante a campanha e explicam como essas propostas poderiam afetar o bem-estar dos cidadãos” (Przeworski, Stokes, Manin). Assim, em uma eleição como a brasileira, que ocorre em momentos distintos, há uma percepção primeira de que elas refletem as preferências políticas, cada uma a seu tempo, considerando a popularidade e adesão do eleitorado aos candidatos no momento da ocorrência do voto, sem necessariamente haver uma conexão entre o resultado da eleição anterior, de esfera diversa. 

Agendas distintas, resultados conectados 

Essa leitura quanto a separação dos resultados das eleições, pode guardar resultado inclusive com a própria percepção do eleitorado sobre as agendas em disputa. “(…) o eleitorado brasileiro historicamente tem feito escolhas independentes, conforme o nível de governo e a disputa em questão (…) Essa independência da decisão do voto para diferentes pleitos se deve ao fato de que os cidadãos consideram que as eleições têm agendas diferentes, e não necessariamente intercambiáveis” (Couto, Abrucio, Teixeira).

A despeito disso, vale a indagação,: se apesar da diferença na escolha dos candidatos em cada um dos pleitos, há possível conexão entre os resultados? Uma eleição pode, de alguma maneira, apontar o futuro da seguinte?  

Para George Avelino, Ciro Biderman e Leonardo S. Barone, o efeito existe e será chamado de coattail, que “evidencia a articulação intrapartidária ao associar o desempenho eleitoral dos candidatos do partido em diferentes níveis” (2012, pp. 990). O efeito apontaria então que existem possíveis correlações entre o desempenho eleitoral entre eleições de esferas distintas, como as que ocorrem no Brasil bienalmente.

Os autores avançam no texto e destacam ainda que o efeito pode ser lido como  “a capacidade de um candidato de primeira linha do partido, normalmente os candidatos a cargos executivos, de transferir votos para seus companheiros de partido que sejam candidatos em níveis mais locais de competição eleitoral” ou, no que chamam de coattail reverso, os casos “se referem às transferências intrapartidárias de votos, mas desta vez observadas de uma perspectiva de baixo para cima, ou seja, a habilidade das organizações partidárias locais de transferir votos para candidatos do partido em eleições disputadas em distritos mais amplos” (Ibid. p. 990 e 991).

Últimas eleições em análise

As visões distintas sobre  a possibilidade ou não de uma conexão entre os resultados das eleições, nos possibilitam uma gama extensa de reflexões no tema. No entanto, se colocarmos em análise os resultados das eleições municipais e da disputa para a Presidência da República de 2012 até hoje no Brasil, haveria conexão entre os cenários? Os resultados na disputa municipal teriam previsto o resultado na disputa pela Presidência? 

Para buscar uma resposta às indagações, olhemos os dados desde 2012, em uma comparação em pares 2012-2014, 2016-2018 e 2020 e suas perspectivas atuais.  

2012-2014

As eleições de 2012 foram precedidas da disputa de 2010 que elegeu, para o posto de Presidente da República, Dilma Rousseff (PT). Michel Temer (MDB) era o vice da chapa e o 2º turno foi disputado com José Serra (PSDB), como candidato a Presidente, e Índio da Costa, então filiado ao DEM, como candidato a vice. 

Resultados das eleições municipais de 2012:

PPS: 123; PV: 96; PSC: 83; PRB: 78; PCdoB: 56; PMN: 42; PTdoB: 26; PRP: 24; PSL: 23; PTC: 19; PHS: 17; PRTB: 16; PPL: 12; PTN: 12; PSDC: 9; PSOL: 2. Fonte: TSE

PPS: 1823; PV: 1537; PSC: 1431; PRB: 1174; PCdoB: 952; PSL: 744; PMN: 598; PRP: 567; PHS: 534; PTdoB: 518; PTC: 470; PSDC: 432; PTN: 421; PRTB: 413; PPL 173; PSOL: 49; PCB: 5; PSTU: 2. Fonte: TSE

Considerando o cenário de 2010 e voltando o olhar para 2012, apontado nos gráficos acima, percebe-se, em determinado sentido, a permanência do protagonismo do MDB, PSDB e PT no cenário eleitoral nacional, uma vez que, além de estrelarem a disputa presidencial em 2010 foram as siglas que mais conquistaram Prefeituras e cadeiras nas Câmaras Municipais em 2012. 

Já em 2014, a disputa presidencial em 1º turno terminou com 41,59% para a candidata do PT, Dilma Rousseff, que buscava a reeleição, contra 33,55% do candidato do PSDB, Aécio Neves. No 2º turno, Dilma é reconduzida para um segundo mandato com 51,64% dos votos, contra 48,36% de Aécio.

Com isso, considerando unicamente o resultado eleitoral, se podia destacar,  no pós-2012, uma tendência ao protagonismo do MDB, PSDB e PT, o que é confirmado pelo resultado do pleito em 2014: Dilma, do PT, é reeleita, tendo como vice Michel Temer, do MDB, e como principal adversário Aécio Neves, do PSDB. 

Certamente apenas o bom desempenho eleitoral em uma disputa municipal não é suficiente para apontar a perspectiva de vitória ou derrota em uma eleição presidencial. Muita coisa acontece entre dois pleitos, fatores que afetam a preferência dos eleitores, bem como as estratégias de partidos e lideranças (COUTO, ABRUCIO, TEIXEIRA. 2013, pp. 194), no entanto, ao menos a evolução do PT nos resultados de 2000 até 2012 possibilitavam compreender, pós-2012 e pré-2014, a já citada tendência à reeleição de Dilma. 

2016-2018

Resultados das eleições municipais de 2016:

PPS: 118; PRB: 104; PV: 100; PSC: 87; PCdoB: 80; SD: 62; PROS: 52; PHS: 36; PSL: 30; PTN: 30; PMN: 28; PRP: 19; PTC: 15; PTdoB: 15; PEN: 14; PRTB: 10; PSDC: 9; REDE: 5; PPL: 4; PMB; 3; PSOL: 2. Fonte: TSE

PPS: 1669; PRB: 1617; PSC: 1525; PV: 1519; SD: 1432; PCdoB: 998; PROS: 982; PSL: 875; PHS: 873; PTN: 751; PRP: 610; PTC: 569; PEN: 524; PMN: 522; PTdoB: 491; PSDC: 411; PRTB: 387; PMB: 218; REDE: 180; PPL: 110; PSOL: 53; NOVO: 4; PCB: 1. Fonte: TSE

De pronto, um fator principal  chama a atenção no gráfico do resultado de 2016. Na tríade de partidos com maior número de Prefeituras surge, junto ao MDB e PSDB, que mantiveram as posições, o PSD. O PT, que ocupou o posto em 2012 e desde 2000 vinha crescendo no número de Prefeituras comandadas, amarga severa queda e vai para a 9ª posição, conquistando apenas 261 Executivos pelo Brasil. No legislativo, a sigla cai para a 10ª posição entre os partidos que mais elegeram. 

Alguns são os fatores que podem explicar a baixa adesão do eleitorado ao PT nas urnas em 2016: os efeitos da “Operação Lava Jato”, os altos índices de reprovação do 2º mandato de Dilma Rousseff – a porcentagem do eleitorado que desaprovava o mandato chegou à 65% – e, é claro, o derradeiro impeachment de Dilma em 2016.

Dado o cenário, a previsão mais sólida nos pós-2016 seria de que o Partido dos Trabalhadores sairia derrotado nas eleições de 2018. No lugar da vitória petista, poderia despontar um melhor desempenho para o MDB ou PSDB, visto que ambas as siglas tiveram um 2016 com bons resultados nas eleições municipais.

As possibilidades, no entanto, embora confirmadas no caso do PT, não se confirmam para o MDB e PSDB.

Em 2018, as eleições gerais têm a disputa presidencial em 1º turno terminando com 46,03% para o candidato então filiado ao PSL, Jair Bolsonaro, contra 29,28% do candidato do PT, Fernando Haddad. No 2º turno, Bolsonaro conquista seu primeiro mandato no Executivo Federal com 55,13% dos votos, contra 44,87% de Haddad.

Embora se possa argumentar que a vitória de Bolsonaro foi recebida com surpresa no cenário político nacional, uma vez que disputava ali sua primeira eleição para o cargo e, até 2018, era um parlamentar do “baixo clero”, a crescente construção de seu nome para a disputa Presidencial, que tem início antes mesmo das eleições de 2014, não pode ser ignorada.

Já o baixo desempenho do MDB e PSDB, contraindo as previsões de uma possível ascensão, podem ter ligação com uma série de episódios enfrentados pelas siglas entre 2016 e 2018, ambas foram alvos de acusações e processos investigatórios. 

2020 e as perspectivas atuais 

Com a disrupção trazida pelas eleições de 2018, que levou à centralidade da disputa eleitoral um nome que não carregavam histórico partidário que pudesse lhe conectar de forma tão sólida com os pleitos anteriores e acabou por afastar nomes que, até aquele momento, poderiam ser apostas mais sólidas, as eleições de 2020 deveriam então cumprir um certo papel como instrumento para análise da consistência dos resultados obtidos naqueles dois anos anteriores.

Apesar disso, as circunstâncias presentes no período pós-2018, em especial aquelas observadas propriamente em 2020, como a ascensão de novas regras eleitorais e a pandemia do novo Coronavírus, deram nova roupagem ao pleito.

Resultados das eleições municipais de 2020:

PT: 183; Cidadania: 139; PSC: 116; Podemos: 102; SD: 94; PSL: 90; Avante: 84; Patriota: 49; PV: 47; PCdoB: 46; PROS: 41; PMN: 13; PRTB: 6; REDE: 5; PSOL: 5; PMB: 1; DC: 1; PTC: 1; NOVO: 1. Fonte: TSE

PTB: 2474; Cidadania: 1585; PODE: 1528; PSC: 1510; SD: 1348; PSL: 1205; Avante: 105; PV: 805; PROS: 754; Patriota: 719/ PCdoB: 694; PTC: 220; PRTB: 220; PMN: 200; REDE: 144; DC: 123; PSOL: 89; PMB: 46; NOVO: 29. Fonte: TSE

Os resultados das eleições de 2020 trouxeram efetivamente maiores transformações do que continuidades, quando comparado com os resultados das duas eleições municipais anteriores. 

A permanência do MDB como sigla com maior número de prefeituras e de cadeiras conquistadas nas Câmaras Municipais e a continuidade na trajetória de queda do PT são os padrões observados, ao passo que como fatores inéditos estão a ascensão do PP e PSD como 2º e 3º partidos, respectivamente, com maior número de prefeituras e cadeiras nas Câmaras, a queda do PSDB para a 4ª posição, sendo seguido, com números bastante próximos, pelo DEM.

A partir disso, nos resta o questionamento, esses novos atores em destaque poderão estar presentes nas eleições do próximo ano? O que o resultado de 2020 pode nos dizer sobre 2022?

Como citado, condições muito particulares estiveram presentes no último pleito municipal. Com a pandemia, o processo eleitoral sofreu com incertezas: as datas de realização, inicialmente agendadas para o mês de outubro, foram transferidas para novembro e a impossibilidade de realização de eventos presenciais fez com que campanhas e propagandas eleitorais tivessem seu principal foco em ambientes virtuais. 

Além disso, 2020 trouxe a validade da Emenda Constitucional 97/2017 que extinguiu as coligações partidárias para as eleições proporcionais. A nova regra pouco alterou o número de siglas que conquistaram cadeiras nos legislativos, em 2012 foram 28 partidos com representatividade nas Câmaras, em 2016 foram 33 e, por fim, em 2020 foram 29 as siglas a garantir uma cadeira nas Casas, permanecendo próxima a dos anos anteriores. No entanto, há de se apontar também outras possíveis transformações advindas da nova regra, João Paulo Viana indica que “com o fim da coligação (…) os partidos tendem a lançar um maior número de candidaturas nas eleições ao executivo no intuito primordial de garantir maior visibilidade”.

A previsão apontada fica comprovada quando analisada a evolução dos registros de candidatura para a disputa pelos executivos. Em 2012 foram 15.127 candidatos pelo Brasil, em 2016 foram 16.565 (crescimento de 9,5%) e, por fim, em 2020 houve nas urnas 19.347 candidatos para o executivo (crescimento de 16%).

Assim, tais particularidades podem ter significado um resultado bastante próprio para as eleições de 2020, especulações como o aumento no número de candidaturas ter resultado na diversificação dos partidos nas primeiras posições no número de prefeituras e cadeiras no legislativo conquistadas e a pandemia como fator para a renovação dos quadros, são possíveis. No entanto, os fatores não necessariamente estarão presentes no próximo ano. O arrefecimento da pandemia e a possibilidade de retomada das coligações nas eleições proporcionais, discutida atualmente pelo Senado, poderão trazer novos traços para 2022, próximos ou não dos resultados obtidos em 2020.

Conclusão 

Considerando os dados, a dinâmica eleitoral nos últimos nove anos apresenta cenários distintos que pouco conseguem estabelecer uma regra que possa apontar para uma relação de resultados entre a disputa municipal e as disputas presidenciais. 

Em 2012, os resultados representaram o ápice da ascensão do Partido dos Trabalhadores em nível municipal. O cenário positivo foi mantido na disputa dois anos depois, resultando na reeleição de Dilma Rousseff. 

Os acontecimentos pós-2014 trazem um novo cenário para 2016. As eleições consagram o protagonismo do MDB e PSDB nas urnas, no entanto, com uma série de novos acontecimentos entre 2016 e 2018, o resultado não encontra correspondência na disputa seguinte. Em 2018, os partidos terminam em 8º e 5º lugar, respectivamente, na disputa pela Presidência. No lugar, é cravada a ascensão de um novo nome para o comando do Executivo. 

Permanecendo um ambiente de forte mudança social e política, o pleito de 2020 traz a ascensão de novos partidos nos cenários municipais, no entanto, as circunstâncias em torno da disputa, como a pandemia da COVID-19, são específicas e poderão não estar presentes no próximo ano. 

Assim, podemos apontar que um efeito mais sólido das eleições municipais em uma disputa presidencial talvez possa se fazer presente em um ambiente político de menor turbulência.

Em um ambiente de alta mutabilidade, como os enfrentados após 2014, o resultado eleitoral deverá exprimir, ao fim, escolhas independentes do eleitorado, elegendo agendas autônomas para os comandos em nível municipal e da Presidência da república. Nesse cenário, a escolha em cada disputa eleitoral enfrentará os efeitos do seu tempo, podendo ser tão imprevisível quanto os próprios anos que as separam. 

Referências:

AVELINO, George; BIDERMAN, Ciro; BARONE, Leonardo S. Articulações intrapartidárias e desempenho eleitoral no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 4, p. 987-1013, dez. 2012.

COUTO, C. G.; ABRUCIO, F. L.; TEIXEIRA, M. A. C.; As Eleições Municipais de 2012 e seus efeitos nacionais. Cadernos Adenauer XIV. 2013. nº 2.

MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam e STOKES, Susan C. Eleições e representação. Lua Nova [online]. 2006, n.67 [Citação 2021-04-11]

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