Imagem de duas mãos quebrando correntes de ferro

Entenda como ocorreu a abolição da escravatura no Brasil

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Exposição 130 anos da Abolição da Escravatura, apresenta os documentos originais da Lei Áurea e da Lei do Ventre Livre dentre outros do período da escravidão – Foto Tomaz Silva/Agência Brasil.

13 de maio é comemorado como o dia da abolição da escravatura, data da assinatura da Lei Áurea. É comum conferir à princesa Isabel o crédito quase total pelo evento, entretanto, o fim da escravidão ocorreu gradualmente, com discussões se desenrolando ao longo de todo o período imperial.

A data em questão não é comemorada pelo movimento negro, isto em decorrência dos termos em que se deu a libertação dos escravizados. 

Liderado por interesses nacionais, mas sem ignorar pressões externas, o abolicionismo era mencionado desde o tratado de reconhecimento da independência, em 1822, sendo alvo de várias iniciativas nas décadas seguintes. 

Você conhece os detalhes do processo da abolição da escravatura?

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A pressão internacional do século XIX

Enquanto o território brasileiro ainda estava sob domínio português, o governo do país sofria pressões pela abolição da escravatura, especialmente por parte da Inglaterra. Se na primeira metade do século XIX as discussões concentravam-se na abolição do tráfico humano, somente a partir de 1850 cresceram as pressões no sentido de proibir o próprio regime de escravidão.

No século anterior, a Inglaterra foi pioneira na Revolução Industrial e tinha grande interesse na busca de novos mercados para seus produtos. Além disso, saiu das Guerras Napoleônicas, encerradas em 1815, como principal potência marítima do mundo, segundo o historiador Eric Hobsbawm. 

A maior parte dos escravos era transportada pela via marítima a partir do continente africano e este comércio era um dos negócios mais lucrativos da época. Assim, a força da marinha britânica tinha capacidade de exercer forte pressão sobre esse comércio.

Os interesses ingleses eram múltiplos e não se concentravam em preocupações humanitárias. Na verdade, o tráfico possuía forte impacto sobre os interesses econômicos britânicos. Isto porque poderia reduzir os custos de produção de países concorrentes e afetar os mercados consumidores de produtos britânicos, pois o fim do tráfico liberaria expressivas quantidades de capitais, que poderiam ser utilizados em outras áreas. 

Assim, a Inglaterra exerceu forte pressão pelo fim do comércio de escravos que, nesse período, não se assemelhava ao o fim da escravidão.

Já em 1815, no Congresso de Viena que encerrou as Guerras Napoleônicas, Portugal tinha como um de seus principais interesses adiar a abolição do tráfico, que era a principal fonte de mão de obra no território brasileiro. No Congresso, ficou acertado que o tráfico ficaria proibido ao Norte da Linha do Equador, garantindo a manutenção do transporte entre o continente africano e o Brasil.

A Independência do Brasil, proclamada em 1822, só foi reconhecida por Portugal em 1825, com o auxílio da mediação inglesa. Como resultado da negociação trilateral, o país recém independente renovou tratados de comércio que Portugal havia firmado com a Inglaterra, nos quais ficou estipulado o compromisso com o fim do tráfico até 1830.

Em 1831, a chamada Lei Feijó estipulou o fim do tráfico de escravos do Brasil, como prometido aos britânicos. O texto dizia “Declara livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impõe pena aos importadores dos mesmos escravos”. Mas a medida teve pouca aplicabilidade prática, motivo pelo qual ficou conhecida como (dando origem à expressão) “para inglês ver”.

De fato, em 1822, período da Proclamação da Independência, cerca de um terço da população brasileira era formada por escravos. Em 1850, os escravos compunham 30% dos cerca de 7,5 milhões de habitantes. O que demonstrou um aumento em seu número absoluto, conforme consta no livro A Ordem do Progresso.

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As controvérsias políticas

Seria muito difícil associar automaticamente a questão abolicionista a um determinado partido político. De fato, embora fosse uma reivindicação eminentemente liberal, as principais leis abolicionistas foram aprovadas por gabinetes liderados pelo Partido Conservador, sendo este partido menos coeso sobre a questão.

Na verdade, poderíamos traçar uma batalha parlamentar que se dava entre três grupos principais: 

  • Os escravistas, que defendiam a manutenção da escravidão; 
  • Os emancipacionistas, que buscavam a mera libertação jurídica dos escravos (e foram o grupo vitorioso); 
  • E os abolicionistas, que apoiavam não apenas a libertação, mas a concessão de direitos aos ex-escravos, com sua plena inserção na sociedade.

Paralelamente aos grupos parlamentares, como movimento de contestação, somavam-se rebeliões negras, como a muito conhecida Revolta dos Malês. Além disso, também se juntava ao conjunto de oposição, movimentos populares, que faziam propagandas em jornais e organizavam compras de alforrias. Nomes como os de André Rebouças, Abílio Borges, Luiz Gama, José do Patrocínio ou Joaquim Nabuco desempenharam funções importantes no ativismo pela abolição.

Para a classe dominante, um argumento corrente era que se devia realizar uma “abolição por cima”, evitando risco de subversão. De fato, uma expressão muito utilizada para o período é o “receio do haitianismo”, que faz alusão ao medo de ocorrer no Brasil uma rebelião similar à que permitiu a independência do Haiti, que foi liderada por escravos contra seus senhores.

Assim, essa classe dominante alegava que uma libertação legal daria margem a uma ideia de direito, favorecendo reivindicações e rebeliões que colocariam em risco a própria integridade brasileira. Defendia, então, que deveria ocorrer uma libertação concedida pelos senhores de escravos, que fosse vista como um ato de generosidade e favorecesse a obediência.

Então a abolição não veio das mãos da princesa Isabel?

Há vertentes da história que acredite que a abolição da escravidão ocorreu somente por causa da assinatura da Lei Áurea pelas mãos da princesa Isabel. Entretanto, essa teoria já foi refutada por diversos historiadores e sociólogos.

Clóvis Moura (1925-2003) foi um sociólogo brasileiro que, em seu livro Rebeliões da Senzala, apresentou o quilombismo como o movimento protagonista na conquista do abolicionismo. Isso porque, o protagonismo dado à princesa, no entendimento de Clóvis Moura, atribui ao negro papel passivo diante da construção da história do pais, já que indica que a escravidão era “tolerada” pelos escravizados e coloca um viés de “bondade” à Coroa portuguesa.

Nesse sentido, o sociólogo diverge diretamente desse raciocínio e menciona que o escravizado sempre esteve ativamente lutando contra a condição de escravo desde os primeiros anos do regime.

Desse modo, Moura afirma que os quilombos e as diversas revoltas no Brasil são os maiores exemplos disso, pois representaram a luta dos escravizados e foi o elemento principal de desgaste do sistema escravista. Portanto, a escravatura chegou ao fim não por bondade da princesa Isabel, mas sim pela resistência e empenho dos escravizados.

Além disso, para ele, mais do que a assinatura da Lei Áurea, a conquista pela abolição da escravidão representou a liquidação do sistema de governo baseado no escravismo.

Através desses estudos, conseguimos perceber que o quilombo de Palmares é considerada uma das primeiras experiências políticas do negro escravizado e uma das mais fortes enquanto movimento de oposição ao regime colonial. Além de Palmares, diversos agrupamentos foram criados e tiveram tamanha importância para o movimento de resistência, como pontua Walmyra Albuquerque, professora e pesquisadora da UFBA:

“Palmares é nosso exemplo mais bem documentado de quilombo. Mas acho que a gente precisa pensar sobre outras comunidades quilombolas que foram mais numerosas, algumas delas muito mais próximas dos centros urbanos, que representavam formas muito bem-sucedidas de articulação de resistência e até de negociação”, constata a pesquisadora em entrevista ao UOL.

O fim do tráfico: Lei Eusébio de Queiroz

A Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, foi responsável pelo fim do tráfico de escravos, após a aplicação quase inexistente da Lei Feijó. Na verdade, o período entre 1831 e 1850 seria marcado pela intensificação do tráfico, o que reduziria a oposição à Lei Eusébio, dada a grande disponibilidade de mão de obra escrava e o alto nível de endividamento dos latifundiários.

A Lei de 1850 foi aprovada sem grande oposição durante a “Trindade Saquarema”, um gabinete liderado pelo Partido Conservador, sendo uma das prioridades dos ministros da Justiça e dos Negócios Estrangeiros, Eusébio de Queiroz e Paulino José Soares de Sousa.

O tema era especialmente relevante após a Lei Aberdeen, de 1845, que permitia a abordagem a navios suspeitos de transportarem escravos. A legislação em questão foi considerada um desrespeito à soberania nacional e fortemente criticada no Brasil, causando embates com a Inglaterra, em virtude de suas abordagens a navios brasileiros.

Os motivos do embate podem ser percebidos pelo nome original da lei, chamada de “Brazilian Act” (algo que poderia ser traduzido como a “Lei do Brasil”), em clara intervenção sobre assuntos domésticos. 

Como forma de evitar as abordagens inglesas, o Brasil chegou a recorrer à utilização de navios estadunidenses no transporte, os chamados “clippers”, a fim de evitar a fiscalização. Essa Lei funcionaria como uma forma de pressão que não podia ser ignorada, embora oficialmente a abolição já houvesse ocorrido.

Em 1850, o Brasil travou uma guerra com Juan Manuel Rosas, então líder da Confederação Argentina. A busca pela simpatia internacional à causa brasileira favoreceu o fim do tráfico, que sofreu influência de pressões estrangeiras.

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Lei abolicionistas

abolição da escravatura no Brasil

Em 1871, a Lei Rio Branco, popularmente conhecida como “Lei do Ventre Livre”, enfrentou maiores dificuldades em sua aprovação, em um contexto de fortalecimento dos movimentos abolicionistas. 

A década de 1860 desempenhou importante função nesse sentido, com a abolição ocorrendo nos EUA no pós-Guerra de Secessão (1861-1865). Além da participação de negros nos batalhões brasileiros de voluntários da pátria, na Guerra do Paraguai, sob promessa de alforria.

A Lei do Ventre Livre criou dois cenários. Basicamente, a legislação determinava que todo filho de escravizado nascido após a promulgação dessa lei seria considerado livre. Porém, a lei seria concedida por etapas, pois a criança deveria permanecer sob domínio dos senhores de engenho até completar 8 anos de idade, quando estes optariam por manter sua posse até os 21 anos ou entregá-los ao Estado.

A lei  previa ainda a possibilidade de processos por maus-tratos, restringindo a permissão de castigos corporais. A criação de organizações e a promoção de eventos destinados a estimular a libertação de escravos exerceram outra fonte de pressão pela abolição.

Por sua vez, houve forte resistência de latifundiários, que pleiteavam o fim natural da escravidão. Por um lado, se o tráfico estava proibido, não seria possível a entrada de novos escravos em território brasileiro. Por outro, a Lei Rio Branco impedia o crescimento natural dentro do Brasil. Assim, segundo eles, o fim ocorreria naturalmente.

Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe ficaria conhecida como “Lei dos Sexagenários”, representando mais uma tentativa de negociação da pauta abolicionista. A Lei Saraiva-Cotegipe previa a alforria dos idosos, aos 60 anos (podendo chegar aos 65), mas garantia o direito à indenização dos senhores de escravos.

Em 1884, os estados do Ceará e do Amazonas aboliram individualmente a escravidão, aumentando a pressão sobre o Império. Assim, às vésperas da abolição, o Vale do Paraíba seguia como a única zona ainda apegada à escravidão, o que pode ser percebido pela aprovação da Lei Áurea com grande maioria no Congresso.

A Lei Áurea, em 1888, formalizaria a abolição da escravatura, no momento em que a proporção de escravos já se reduzira substantivamente. Se o censo populacional de 1872 apontava que 15% dos cerca de 10,1 milhões de habitantes brasileiros eram escravos, em 1887 estima-se que somente 700 mil dos 14,3 milhões de pessoas ainda eram escravos (cerca de 5%).

Legado da abolição da escravatura

A Lei Áurea foi apenas o culminar de um processo de abolição que ocorreu de forma gradual, ao longo de boa parte do século XIX. Na verdade, não é possível afirmar que esse processo já esteja encerrado, com diversos debates acerca da “escravidão moderna ou de “condições de trabalho análogas à escravidão”.

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A abolição brasileira contou com muitos marcos legais, ocorridos em contextos diversos, com peculiaridades próprias. Expressando os embates internos e as pressões internacionais sobre o tema, deixando legados de várias naturezas.

Já em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz foi acompanhada de uma Lei de Terras e do incentivo à imigração. Buscando favorecer a substituição da mão de obra escrava pela assalariada.

Ao final do Império, a Lei Áurea teve efeitos distintos. Por um lado, não foi capaz de garantir direitos aos ex-escravos, permitindo a marginalização social do negro. Por outro, não satisfez os latifundiários, que não receberam indenizações por seus escravos. Muitos dos quais aderindo ao Movimento Republicano, ficando conhecidos como “Republicanos de última hora” e auxiliando na derrocada da Monarquia.

A abolição da escravatura no Brasil foi a última da América Latina e teve influência sobre a Proclamação da República. Sendo um tema rico e de grande validade para os interessados na história brasileira e seus impactos sobre a atualidade.

Por que substituímos a palavra escravos por escravizados?

A diferença entre os dois termos não é somente gramatical.

Entende-se como escravo, aquele que é intrinsecamente digno da escravidão, sendo parte de sua identidade e, por isso, pertence a um senhor como propriedade, privado de liberdade e submetido à vontade de quem o detém.

Por outro lado, escravizado refere-se a quem foi alvo da escravidão, sendo obrigado a deixar sua terra, contra sua vontade, para ser submetido ao trabalho escravo.

Conseguiu entender como foi a abolição da escravatura? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários! 

Referências:

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Entenda como ocorreu a abolição da escravatura no Brasil

19 mar. 2024

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