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Da literatura inglesa à realidade brasileira: o que é a meritocracia?

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Imagem: Deposit Photos.

O conceito de meritocracia aparece em diversos contextos, podendo despertar múltiplas interpretações e opiniões. A origem etimológica da palavra vem do latim meritum, unida ao sufixo grego cracía, que quer dizer “poder”. Assim, o significado literal seria “o poder do mérito”.

Ele pode ser definido como um sistema social no qual a hierarquia é baseada no merecimento e esforço, em que a mobilidade e ascensão está diretamente relacionada ao desempenho individual. Mas por que será que é um assunto tão polêmico?

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Você sabe de onde surgiu o termo?

Esse neologismo – nova palavra – apareceu pela primeira vez no romance The Rise of Meritocracy, publicado em 1958 pelo escritor inglês Michael Dunlop Young, que já foi um importante membro do Partido Trabalhista Inglês. A obra é uma distopia que retrata a Inglaterra em um futuro no qual as pessoas são classificadas de acordo com sua inteligência, medida por testes padronizados.

Os “mais inteligentes” recebem a melhor educação e tem acesso aos melhores empregos, e os “menos inteligentes” ficam com o que sobra. A expressão foi criada como referência a um sistema de ensino que, segundo o autor, colocava em evidência as desigualdades entre os estudantes.

O que Young batiza de “meritocracia” contém distorções evidentes. Em sua própria obra ele destaca o ciclo no qual os “mais inteligentes” são assim, em parte, porque puderam receber educação de qualidade, sem a qual não teriam chance de ascender. Enquanto os “menos inteligentes” não tiveram nem a oportunidade de serem melhor educados.

Na obra, o termo é entendido como pejorativo pois se relaciona diretamente com a narração de uma sociedade segregada em dois aspectos: a inteligência (alto QI) e esforço, mostrando como um sistema aparentemente justo pode se tornar uma máquina de produzir e agravar injustiças, terminando na Revolta da Meritocracia, que se passa no ano de 2033.

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Michael era um crítico do sistema de ensino britânico que considerava as aptidões (méritos) como fator principal de sucesso e bons resultados obtidos pelos estudantes. Assim, o autor criou o termo meritocracia como uma crítica ao sistema.

Para ele, a análise baseada apenas no mérito não era eficiente porque não considerava as diferentes características ou situações dos alunos. O que não impediu que, ao longo das décadas, a expressão fosse ressignificada e acabasse adotada pela direita como exemplo de coisa positiva, o que Young detestava.

A meritocracia aplicada na realidade brasileira

Historicamente, a prática e ideologia meritocrática nunca foram a principal demanda da sociedade brasileira. Enquanto países europeus e norte-americanos buscavam se livrar de seus sistemas de privilégios através de uma lógica diferente, o discurso sobre o mérito no Brasil não foi tão forte como mecanismo de mudança.

Esse ideal que é crítico à cultura “paternalista” aparece em nossa realidade em um contexto diferente. Ele é contrário ao nepotismo e à exploração das relações pessoais, que são típicos da construção do pais, evidente desde o Império até personagens como Getulio Vargas e as grandes famílias políticas como de Tancredo e Aécio Neves e Rodrigo e Cesar Maia.

Para especialistas como o filósofo John Rawls, a meritocracia pode ser um sistema pouco justo em países como o Brasil. Quando existe uma desigualdade social muito grande, não é possível realizar uma avaliação justa quanto ao merecimento já que as pessoas não possuem as mesmas oportunidades e condições sociais.

Em contrapartida, também é fácil observar a presença de uma ideologia do mérito para além das raízes paternalistas do histórico brasileiro. Concursos públicos, vestibulares e até as próprias avaliações de currículos utilizadas para a entrada no mercado de trabalho e sistemas de promoção, que por muito tempo ignoraram qualquer individualidade ou desigualdade, são grandes exemplos.

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Prós e contras da meritocracia

O principal argumento daqueles que são favoráveis é de que a meritocracia proporciona uma justiça maior do que de outros sistemas hierárquicos. Em teoria, as distinções seriam baseadas apenas no desempenho, independente de sexo, raça, riqueza ou posição social. Além de estimular a competição e aumento da eficiência, fazendo dessa a ideologia do sucesso.

Por um lado, os que se posicionam mais ardorosamente a favor dessa lógica afirmam que não importa se o indivíduo nasceu pobre ou se é um refugiado de guerra, se é homossexual e sofre preconceitos ou se é negro vivendo em uma sociedade racista. Pouco importa o que a sociedade “faz” ou como é, tampouco se o governo facilita a vida dos cidadãos ou não. Nesse sentido, depende apenas do indivíduo lidar com sua realidade e tudo é fruto de sua escolha, inclusive a de conseguir superar sua condição, seja ela favorável ou não.

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Para os contrários, o sistema meritocrático, para além do debate político, faz parte da vida em sociedade. Porém, atribuir o sucesso exclusivamente ao mérito pode ser um equívoco. Como decidir quem merece mais ou menos, em um país onde os indivíduos não competem em situações iguais? Como forças opostas, a meritocracia e a igualdade só podem caminhar para uma reconciliação em sociedades que ofereçam o máximo possível de igualdade e amplitude de oportunidades com reconhecimento e valorização dos melhores desempenhos e características individuais.

Frente à desigualdade social, apenas o esforço e a força de vontade não são suficientes. Esse sistema só representaria a realidade do país se as pessoas avaliadas tivessem as mesmas oportunidades e condições de vida.

E as cotas?

Apesar de existirem para proporcionar equidade, as cotas não ignoram a hierarquia do mérito, mas buscam um equilíbrio. Elas reconhecem que não existe mérito em uma competição que não é justa e os competidores não partem do mesmo lugar. É como ganhar uma corrida contra competidores com pesos amarrados nos pés.

Hoje, o vestibular é um grande exemplo. Desde 2012, a Lei de Cotas obriga determinadas instituições a reservar parte de suas vagas para alunos vindos de escolas públicas, de baixa renda e para negros, pardos e indígenas. Os contemplados pelas ações afirmativas são aqueles que possuem algum tipo de desvantagem em comparação aos outros, seja pela condição ou falta de oportunidade.

Com as cotas, a concorrência passa a acontecer entre grupos que possuem condições mais parecidas. Dessa maneira, o mérito continua valendo, a diferença é que na hora de reconhecer o merecimento de cada um, as dificuldades de grupos mais vulneraveis são levadas em consideração para que a disputa seja justa.

Sem dúvida a sociedade é plena de pessoas que conseguiram conquistas e um conforto material devido a seus esforços, mesmo que saibamos que muitos entre esses tiveram também uma boa estrutura familiar, estudo, apoio dos pais, incentivo etc. Sendo assim, antes de defender ou não a meritocracia é necessário compreender a realidade brasileira e as diferentes aplicações possíveis do conceito, para que a noção de mérito seja vista de maneira justa, rompendo ciclos viciosos que alimentam as desigualdades.

E aí, você conseguiu compreender o que é a meritocracia? Deixe sua dúvida nos comentários!

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Carioca e curiosa. Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro e vê na educação política acessível o primeiro passo pra mudança. Se a política está em tudo, ela tem que ser pra todos.

Da literatura inglesa à realidade brasileira: o que é a meritocracia?

23 abr. 2024

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