Entenda por que o STF barrou a reeleição de presidentes do Legislativo

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Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal - STF. (Foto: Marcello Casal/Agência Brasil)
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF. (Foto: Marcello Casal/Agência Brasil)

O julgamento online, feito em 6 de dezembro de 2020, causou uma mobilização atípica de todos os poderes. O Executivo acompanhava atentamente a decisão do Judiciário sobre uma questão legislativa. A decisão era importantíssima, pois cabe aos comandantes do Legislativo definirem as pautas em jogo. Os próximos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão pautar temas importantes, como o impeachment, CPIs, reformas ou matérias de interesse de partidos políticos. 

Os atuais presidentes das Casas – Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara e Davi Alcolumbre (DEM-AP) no Senado – já estavam articulando suas reeleições quando o STF decidiu, por maioria apertada, proibi-las. Novas articulações, desde então, se formaram.

Nos bastidores do Congresso as negociações não pararam com a virada do ano. Você quer entender a polêmica decisão e o porquê de ela ser tão importante para os próximos anos – e talvez até décadas – do cenário político? É sobre isso que iremos tratar aqui.

POR QUE ESSA DECISÃO É TÃO IMPORTANTE?

Os juristas reforçaram muito os riscos que uma decisão contrária à Constituição pode ter. 

Um exemplo cotidiano pode ilustrar: há uma situação muito comum quando passamos pela experiência de ter irmãos ou irmãs. Geralmente, seguimos regras de convivência, como ir deitar cedo ou não comer doces antes do almoço. Mas, às vezes, um dos irmãos quebra essa regra. Pode ser que coma um doce e os pais, cansados, façam vista grossa pensando: “vou deixar só dessa vez”. Mas, assim que o outro irmão tenta a mesma coisa, é repreendido pela mãe. Esse irmão, indignado, fala para a mãe com uma frase comum: “ por que ele pode e eu não?”. Isso pode fazer com que ele perca o respeito pelas regras ou até mesmo force para que a exceção – comer doces antes do almoço – se torne uma regra. 

Assim como a família, outras instituições da sociedade também têm regras. A mesma lógica pode se aplicar a elas.

Bem, essa história toda é para você entender a importância das regras  no sistema jurídico e o risco de abrir exceções.  Caso seja permitido a reeleição desta vez, nada impede que interpretações contra o texto da Constituição aconteçam de forma mais frequente. E quando se abre uma exceção, a sociedade e os atores políticos podem se comportar como um dos irmãos, perguntando “por que ele pode e eu não?”. Esse pode ser o primeiro passo para a descrença nas leis e a segurança jurídica seja abalada, o que é muito perigoso em uma democracia. 

O risco de reeleições infinitas para cargos do Legislativo e até do Executivo fica mais alto. Em casos extremos, isso pode gerar crises democráticas extremamente graves. Na crise política na Bolívia, o ex-presidente Evo Morales planejou se reeleger de forma ilimitada para o cargo. Como se sabe, o país ficou, por mais de um ano, com a democracia muito fragilizada.

Por isso é muito importante que fiquemos atentos às decisões das instituições. A sua correta fiscalização e os debates públicos em relação a esses temas são essenciais para fortalecer nossa república.

O QUE DIZIA A AÇÃO DO PTB

Bem, vamos começar do começo. Como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um partido político, pode fazer com que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue casos como esse?

Nesse caso, o PTB propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que é uma das formas que os partidos têm de fazer o STF dizer se uma lei é constitucional ou não, fazendo o que os juristas chamam de controle de constitucionalidade.

Como funciona o controle de constitucionalidade

Essa parte é um pouquinho técnica. Se quiser, pode pular para o próximo tópico sem medo. Mas entender isso pode te fazer saber um pouco mais sobre como o STF funciona e de que forma pode ser acionado.

A Constituição é o documento jurídico mais importante do nosso país. Todos os outros documentos devem, de alguma forma, estar de acordo com ela. Para garantir isso, o nosso sistema jurídico tem uma coisa chamada controle de constitucionalidade. Nome meio complicado, né? Mas é fácil de entender: nosso sistema prevê várias formas de adequarmos as leis à Constituição.  Um exemplo é que o Congresso tem até uma  Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para isso.

No caso que estamos discutindo, há ações judiciais para que algumas organizações ou pessoas em cargos importantes possam ir ao STF questionar leis ou atos normativos que sejam contrários à Constituição. Eles agem como um filtro que mostra ao Tribunal Superior que certas leis devem ser declaradas nulas. Foi o que o PTB fez.

Mas quem exatamente pode fazer isso?  O art. 103 da Constituição diz:

Constituição de 1988, artigo 103
Constituição Federal de 1988, Art. 103. Fonte: site do TSE, destaque do autor.

Duas observações: apesar de, entre os legitimados, estarem as entidades de classe e os sindicatos, são poucas as formas para que organizações sociais comuns mobilizem o STF. Curioso, né? Também é interessante o fato de que as Mesas do Congresso tenham esse poder. O que torna ainda mais importante essa decisão.

De qualquer forma, é assim que se pode provocar os ministros a decidirem sobre uma questão constitucional.

Se for aprovada uma lei que limite nossa liberdade de expressão, por exemplo, esses legitimados mencionados acima podem propor uma ação para que o STF declare que a lei é inconstitucional, já que a liberdade de expressão é um direito previsto na Constituição.

É dessa forma que o STF julgou ações históricas, como a legalidade de união de casais homossexuais ou da prisão em segunda instância, por exemplo.

Foi isso que aconteceu no caso da ação proposta pelo PTB

A ação do PTB

O PTB considerou que artigos do Regimento Interno do Senado e da Câmara dos Deputados estavam contrariando a Constituição Federal.  Assim, decidiu ir à Suprema Corte para que a questão fosse resolvida. 

A argumentação central do partido era que, como o texto constitucional era claro sobre o tema, o Tribunal simplesmente deveria seguir o que estava escrito. Bem, mas o que exatamente a Constituição fala?

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO?

Todo o debate sobre a reeleição ser ou não possível se baseia nesse parágrafo da CF/88:

Art. 57, § 4º: Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (Fonte: site do TSE, destaque do autor.)

Como se observa, de fato o texto proíbe, de forma clara, a reeleição. Não parece haver como interpretar o texto de forma contrária. Então, por que há tanta polêmica sobre esse assunto? Não é só seguir o que a Constituição manda? Não é tão simples assim. 

O caso de Rodrigo Maia

Foto: Wikimedia Commons

O caso do deputado é um pouco curioso.  Rodrigo Maia (DEM-RJ) está prestes a terminar seu terceiro mandato como presidente da Câmara dos Deputados, estando no cargo há mais de 4 anos. Como isso foi possível?

O que aconteceu foi o seguinte: em 2016, o político entrou para tapar um buraco deixado pelo ex-presidente, Eduardo Cunha, que havia renunciado. Assim, ninguém viu problemas em que se candidatasse em 2017, ganhando novamente. Finalmente, em 2019, em uma nova legislatura (o que não vai contra a Constituição) se candidatou e venceu. Mesmo com o STF barrando sua reeleição, Maia foi o parlamentar com mais tempo de presidência da casa. Com isso em mente, vamos às teorias que os ministros usaram na sua argumentação.

QUAIS AS PRINCIPAIS TEORIAS LEVANTADAS?

Primeiro, vamos aos argumentos de Gilmar Mendes, relator do caso. 

Saiba mais: Quer entender melhor o papel de um ministro relator no STF? 

O ministro argumentou que a questão deveria ser tratada internamente, pelos próprios parlamentares. Segundo o ministro, como a proibição não era central ao sistema democrático, os membros do Legislativo teriam a legitimidade para decidir, de acordo com sua autonomia constitucional. 

Mas há alguns outros pontos relevantes do voto. Segundo o portal Poder360, os principais foram esses: 

  1. reeleição liberada – fica autorizada, independentemente de ser ou não na mesma Legislatura (período de 4 anos entre eleições gerais);
  2. só uma vez – só pode haver uma reeleição consecutiva;
  3. inclusão de Brasília, Estados e cidades – a norma passa a ser aplicada de maneira ampla nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas (nos Estados) e Câmara Distrital (em Brasília);
  4. vale para quem já está no cargo – a nova regra vale para todos daqui para a frente, independentemente de quem ocupar cargo de presidente em Poder Legislativo e já ter sido reeleito. (Fonte: Portal Poder360)

O voto foi julgado por especialistas como problemático, já que pouco enfrentava a questão principal da transgressão à Constituição e criava exceções para essa regra.

Os ministros Dias Toffoli, Alexandre Moraes e Ricardo Lewandowski concordaram com essa tese.

Já para o Ministro Kassio Nunes, que entrou recentemente na corte, concorda em partes. Para ele, a decisão, caso contrária, não deveria valer para presidentes já reeleitos, como é o caso do atual presidente da câmara, Rodrigo Maia. A decisão sofreu críticas de juristas, pois foi vista como alinhada aos interesses do atual Governo Federal, que não teria interesse em apoiar Maia.

Portanto, a favor da tese da reeleição de todos os ministros foram:

A favor da reeleição de Rodrigo Maia: 4 (Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre Moraes e Ricardo Lewandowski).

Os ministros podem ir contra a Constituição?

Foto: Wikimedia Commons

A favor da reeleição de Davi Alcolumbre: 5 (Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre Moraes e Ricardo Lewandowski e Kássio Nunes).

No entanto,  os outros 6 ministros votaram de forma contrária a ambas reeleições.  Portanto, nenhuma das duas chegou a acontecer.

Os ministros vencedores, por maioria apertada, usaram principalmente o argumento de que o texto da Constituição é literal sobre o tema. Ou seja, ele proíbe a reeleição de forma expressa. Logo, se a Constituição fala A e os parlamentares querem fazer B, isso é uma clara violação constitucional.

Segundo o ministro Edson Fachin, a solução deveria ser um debate sobre a possibilidade de uma emenda constitucional para que a reeleição fosse permitida. Essa possibilidade, porém, teria que enfrentar um longo processo legislativo.

Esse é um debate que, vira e mexe, aparece. Foram vários os julgamentos em que a crítica de que o Supremo estava indo contra o texto constitucional apareceram.

Isso aconteceu, por exemplo, no julgamento sobre a prisão após condenação em 2ª instância.

Também no caso do impeachment de Dilma Rousseff, em que os senadores, sob a presidência do então presidente da sessão, ministro Ricardo Lewandowski, deixaram de aplicar sanções, como a proibição para que a ex-presidente se candidate a cargos públicos. 

Quando se acredita que o Supremo passou de seu limite, aparece bastante o termo ativismo judicial. Mas, de fato, o STF pode tomar dois caminhos em uma decisão: os ministros podem interpretar o texto constitucional de forma diferente ou considerar outros princípios constitucionais (não escritos na CF/88) para tomarem a melhor decisão. Não há nada de errado nisso. No entanto, a crítica da maioria dos juristas diz que, nesse caso, não havia como tomar nenhum desses caminhos.

OS BASTIDORES DO JULGAMENTO

Há alguns fatos curiosos nesse julgamento. Além do fato dele ter sido feito de forma virtual, o peso que a opinião pública exerceu sobre os ministros do Supremo merece destaque. Algumas vezes, essa pressão pode fazer com que se reconsidere alguns votos e até mudem de opinião. Foi o que parece ter acontecido dessa vez.

Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux indicaram que estavam inclinados a votar de forma favorável à reeleição de Davi Alcolumbre ao Senado. As críticas de juristas e da sociedade podem ter feito com que eles mudassem de voto.  Até alguns assessores dos ministros tinham opinião contrária à tese.

Os ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso e Luiz Fux estavam tendendo a aceitar o argumento de que a questão deveria ser resolvida pelo Legislativo. Após as críticas e esse debate, os votos foram contra.

Quando o STF deve ouvir a sociedade?

Se, por um lado, estar atento à opinião da sociedade é uma coisa positiva, por ser uma decisão mais plural e democrática, a pressão social também tem seus riscos. Querendo atender às expectativas da população, o julgador pode ir contra o direito, o que pode ser  bem prejudicial para a democracia.

É positivo que o Supremo ouça as diferentes vozes da população. Isso é, inclusive, encorajado pelo sistema democrático. Por isso, a maioria das sessões são públicas e os julgamentos podem ser assistidos pela TV Justiça.

Algumas outras vezes, é possível que a voz de alguns fale mais alto do que a de outros. Isso pode fazer com que o direito de certas minorias seja comprometido. Nesses casos, é essencial que os ministros sejam guardiões de direitos.

No caso que estamos discutindo, é desejável que a sociedade seja ouvida. E tanto o público não especializado quanto juristas condenaram a interpretação dos ministros favoráveis à recondução. Isso ficou perceptível tanto nas redes sociais como no posicionamento de colunistas de jornais importantes. 

QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS?

Com a decisão,  o xadrez político parece ter mudado. Rodrigo Maia, ao que parece, já estava articulando um outro nome, em caso de decisão negativa. No governo, o nome de Arthur Lira (PP-AL) já era cogitado faz tempo. Aliás, até bem antes do centrão se alinhar ao governo Bolsonaro.

No momento em que escrevemos esse texto, as articulações continuam acontecendo.  Na Câmara, parece haver três grupos: a oposição, formada por partidos de esquerda; a  base governista, formada por partidos aliados e os alinhados ao Arthur Lira, e a base alinhada à Rodrigo Maia. No Senado, o nome de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado de Alcolumbre, aparece como favorito. O MDB, que por tradição sempre governou a Casa, também estuda lançar um candidato.

CONCLUSÃO

Ainda é cedo para saber como essa história vai terminar.  Não é possível tirar conclusões muitos certas desses fatos. Estaria a sociedade mais ativa em diálogos com o Supremo? Estaria o STF mais atento à pressão social? O episódio abalou a confiança da população na Justiça? Todas essas perguntas são pertinentes, mas não há evidências de que esses fatos aconteceram, são apenas especulações.

Além disso, não é incomum que haja reviravoltas. Tanto no Supremo como no Congresso. O que se sabe é que, por enquanto, a reeleição no mesmo mandato legislativo está proibida e os partidos irão ter que se adequar a essa regra.

Esse é um caso interessantíssimo para analisar as relações entre os Poderes no Brasil. E aí, ficou interessado em saber como está história vai terminar? Seja qual for a solução, ela ainda será muito debatida no Brasil. 

Fontes:

Podcast Café da manhã, da Folha de São Paulo

Podcast Saindo da Caverna, opinião de juristas

Artigo da Folha de São Paulo

Artigo da Folha de São Paulo

Artigo do blog Poder360

Artigo do blog Poder360

Vídeo do canal no Youtube do portal JOTA

Portal do STF

Portal do TSE

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Redator voluntário do Politize!. Formado em Direito e pós-graduando em Gestão Pública. Acredita que a cooperação é a melhor forma de impactar a política.

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22 abr. 2024

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