6 países que fizeram uma reforma previdenciária

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Reforma Previdenciária
Foto: Senado Federal/Visual Hunt.

Em 2019, a reforma previdenciária brasileira foi aprovada. O governo de Jair Bolsonaro concretizou uma reforma que alterou diversas regras na concessão de benefícios da aposentadoria dos brasileiros. Por isso, o tema foi bastante polêmico e reuniu grande oposição. 

Entretanto, o Brasil não foi o único país a passar por esse processo. Como vamos ver em seguida outros países já aplicaram reformas no sistema previdenciário, cada um a seu modo. 

Uma observação importante: ao apresentar esses países, não pretendemos defender a  reforma previdenciária, nem que as medidas tomadas deveriam ser semelhantes à de qualquer um deles. O objetivo é apenas apresentar as soluções encontradas em outros países para que você possa comparar e formar sua opinião.

As reformas previdenciárias pelo mundo

Reforma previdenciária da França

Anos de cada reforma previdenciária: 2010 e 2013

Principais mudanças:

  • Idade mínima para aposentadoria: aumentou de 60 para 62 anos (2010);
  • Idade para aposentadoria integral: 65 para 67 anos (2010);
  • Tempo de contribuição mínimo: aumento gradual até 43 anos em 2035 (2013).

Expectativa de vida: 81,8 anos (2017).

A Previdência Social na França funciona no modelo de repartição (contribuições dos trabalhadores financiam benefícios dos aposentados e pensionistas) com contribuições compulsórias do empregado (6,75% do salário de benefício) e do empregador (8,4% do salário de benefício e mais 1,6% sobre o restante do salário). Além do sistema público, a maior parte dos empregados também adere a um sistema complementar compulsório, ligado à classe profissional do trabalhador. De acordo com Sergio Guimarães Ferreira, pesquisador do BNDES, o sistema francês pode ser classificado como “generoso”, uma vez que possui alta taxa de reposição salarial (o valor do benefício costuma ser cerca de 70% do salário).

Desde 1993, estão em curso reformas na Previdência francesa. As mudanças mais recentes datam de 2013, quando o presidente François Hollande aumentou o tempo de contribuição mínimo para 43 anos. Já a idade mínima para se aposentar foi aumentada para 62 anos em 2010, pelo então presidente Nicolas Sarkozy. A regra vale apenas para os nascidos a partir de 1955 e, além disso, Sarkozy aumentou a idade para receber aposentadoria integral de 65 para 67 anos.

O motivo para as reformas na França são semelhantes aos alegados no Brasil: o sistema registra déficits ano após ano. Em 2010, o rombo da previdência francesa era de 32 bilhões de euros, segundo o Estado de São Paulo. Já em 2013, de acordo com a agência Reuters, ainda se projetava um déficit de 20 bilhões de euros até 2020, se uma nova reforma previdenciária não fosse feita naquele momento.

A reforma previdenciária sempre enfrentou forte rejeição popular na França, tanto que três tentativas fracassaram: em 1995, 2003 e 2007. Em 2010, as oito maiores centrais sindicais francesas eram contrárias à reforma previdenciária proposta por Sarkozy. Entre março e outubro daquele ano, houve pelo menos onze dias de manifestações em todo o país. As estimativas mais conservadoras foram de cerca de 1 milhão de manifestantes em todos os dias de protestos.

Hoje, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), a França gasta 13,8% de seu produto interno bruto (PIB) em benefícios previdenciários, acima da média dos países da organização (7,9% do PIB). Para efeito de comparação, a previdência social brasileira custa 7,4% do PIB, segundo a OCDE. A diferença está na proporção de idosos na população: eles são apenas 8% entre brasileiros, enquanto são 18,3% dos franceses.

Reforma previdenciária da Alemanha

Reforma previdenciária na Alemanha
Angela Merkel, chanceler alemã. Foto: World Economic Forum.

Anos de cada reforma previdenciária: 1992, 2007 e 2014

Principais mudanças:

  • Idade mínima para aposentar: aumento de 65 anos para 67 até 2029 (2007);
  • Convergência da idade mínima de mulheres e homens (anos 1990).

Expectativa de vida: 80,7 anos (2017).

A Previdência social alemã foi a primeira a ser criada na história, em 1889, obra do chanceler Otto von Bismarck. Inicialmente, a idade mínima era de 70 anos, mas passou para 65 anos em 1916 e assim permaneceu por muitas décadas. Até hoje, o sistema adota o modelo de repartição.

O sistema previdenciário alemão público recebe contribuições de empregados e empregadores (cada classe contribui com o mesmo valor), que juntas equivalem a 18,7% do salário bruto. Ainda existem outros dois sistemas complementares: planos privados mantidos pelas empresas para seus empregados e planos privados individuais. De acordo com o estudo de Ferreira, a Alemanha também possui alta taxa de reposição (cerca de 72%) e regras benevolentes para a concessão de benefícios.

A partir de 1992, o governo alemão iniciou mudanças para manter o sistema sustentável. A idade mínima para aposentadoria das mulheres foi progressivamente igualada à dos homens ao longo dos anos seguintes. A reforma previdenciária mais significativa, de 2007, estabeleceu um aumento gradual da idade mínima, que em 2029 passará a ser de 67 anos.

Mas outra reforma previdenciária, feita em 2014, foi positiva para alguns beneficiários. Entre várias medidas, foi permitida aposentadoria aos 63 anos para trabalhadores que contribuíram por pelo menos 45 anos – a regra valeu apenas para os nascidos em 1951 e 1952. Essa reforma previdenciária também contemplou mães que tiveram filhos antes de 1992: elas puderam registrar até dois anos a mais em seu tempo de contribuição – dos períodos em que estiveram afastadas por licença maternidade – o que aumentou o valor de seus benefícios.

Hoje, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), a Alemanha gasta 10,6% do produto interno bruto (PIB) em benefícios previdenciários, acima da média dos países da organização. 21,4% da população do país tem mais de 65 anos de idade.

Reforma previdenciária da Grécia

Anos de cada reforma previdenciária: 2010, 2012 e 2016

Principais mudanças:

  • Aumento da idade mínima: 60 anos para mulheres e 65 para homens para 67 (ambos);
  • Aumento do tempo de contribuição para aposentadoria integral: de 35 para 40 anos;

Expectativa de vida: 80,5 anos (2017).

Os esforços para reformar a Previdência na Grécia começaram em 2010. O país enfrenta sérios problemas com a dívida pública, que chegou a 176% do PIB em 2015. Na avaliação de muitos economistas, isso tem relação com a evolução dos benefícios previdenciários. Segundo reportagem da revista The Economist, os gregos se aposentavam em média com 35 anos de contribuição e 58 anos de idade. Regimes especiais para diferentes categorias profissionais também colaboravam para aprofundar o problema previdenciário. Um benefício mínimo era garantido a todos que contribuíssem por pelo menos 15 anos (como ocorre hoje no Brasil).

Isso passou a mudar em 2012, quando a idade de aposentadoria passou a ser de 67 anos, com contribuição mínima de 40 anos para benefício integral. Houve também convergência da idade mínima das mulheres com a dos homens. Aqueles que se aposentam antes dos 67 anos sem completar o tempo de contribuição de 40 anos têm o benefício reduzido.

Com 20,2% da população com mais de 65 anos, a Grécia gasta 14,6% do produto interno bruto (PIB) em benefícios previdenciários, bem acima da média dos países da OCDE.

Reforma previdenciária da Suécia

Anos de cada reforma previdenciária: 1994 e 1998;

Principais mudanças: introdução de contas individuais nocionais e alterações no cálculo dos benefícios;

Expectativa de vida: 82,1 anos (2017).

Entre todos os países citados neste post, a reforma previdenciária sueca foi a mais diferente, porque não se focou apenas nas medidas tradicionais, como aumentar o tempo de contribuição ou a idade mínima. Nos anos 1990, o país viu piorar as contas da previdência, que chegou a um déficit 2,5 vezes seu próprio PIB. Para resolver o problema, mudou significativamente a forma de cálculo do benefício de cada contribuinte, em 1998.

De acordo com Sérgio Ferreira, foram criadas contas individuais nocionais para cada contribuinte. Essas contas na realidade são fictícias, uma vez que não possuem lastro em ativos reais. Tudo que elas fazem é imitar a estrutura de um esquema de capitalização – em que cada um tem sua própria conta. Nas contas nocionais, o dinheiro das contribuições do cidadão rende juros – também fictícios. Esses juros são baseados na taxa de crescimento do salário médio. No cálculo do benefício, dividem-se as contribuições acumuladas e os supostos rendimentos pela expectativa de sobrevida do indivíduo na idade que se aposenta – que é no mínimo 61 anos.

As contas nocionais suecas funcionam quase como poupanças individuais. Mas, na prática, as contribuições dos trabalhadores de hoje continuam a financiar os benefícios de hoje, assim como acontece no Brasil e em boa parte dos países. É por isso que as contas nocionais são fictícias – são nada mais do que um cálculo prévio do valor do benefício futuro.

Segundo Ferreira, o sistema sueco possui algumas vantagens sobre os sistemas de repartição tradicionais, bem como de sistemas de capitalização:

  • Os ajustes dos benefícios são feitos automaticamente, a partir de dados estruturais da economia e da população;
  • Existe uma ligação maior entre contribuição e benefício do que em regimes de repartição clássicos. O cálculo do benefício baseia-se tanto nas contribuições feitas, quanto em dados da economia, evitando distorções;
  • Os recursos ficam protegidos das flutuações de mercado existentes em sistemas de capitalização clássicos;
  • A taxa de administração do sistema sueco é menor do que em um sistema de capitalização tradicional – justamente porque as contas e a taxa de juros são apenas nocionais.

Hoje, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), a Suécia gasta 7,4% do produto interno bruto (PIB) em benefícios previdenciários, um pouco abaixo da média dos países da organização (7,9% do PIB). 20%, ou um em cada cinco suecos, possui mais de 65 anos de idade.

Reforma previdenciária do Japão

Reforma previdenciária no Japão
Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão. Foto: Chatham House.

Anos de cada reforma previdenciária: 1994, 2000 e 2016

Principais mudanças:

  • Idade mínima:
    • 1994: 60 para 65 anos (pensão básica);
    • 2000: aumento gradual de 60 para 65 anos, entre 2013 e 2025 (pensão de empregado).
  • Benefícios:
    • 1994: base de cálculo passou a ser salário líquido (para pensão básica);
    • 2000: redução de 5% do valor do benefício (pensão dos empregados).
  • Tempo mínimo de contribuição (2016): redução de 25 anos para 10 anos, a partir de 2017.

Expectativa de vida: 83,7 anos (2016).

Um dos países asiáticos mais desenvolvidos, o Japão também tem uma grande população idosa. Já em 1994, o governo japonês tinha dificuldades em pagar benefícios previdenciários, na época equivalentes a 17,9% do PIB. Por isso, passou a promover reformas.

O sistema previdenciário japonês é dividido em duas partes: (i) a pensão básica (kiso nenkin), para a qual todos os maiores de 20 anos – empregados ou não – devem contribuir; e (ii) o seguro de pensão do empregado (kousei nenkin), com contribuições descontadas do salário dos trabalhadores (8,5%). Para receber pensão básica, é preciso ter no mínimo 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. Já para a pensão dos empregados, é preciso ter pelo menos 60 anos e 25 anos de contribuição.

O valor da pensão de trabalhadores é calculado a partir de uma média do salário ao longo da carreira. Considera-se também a idade do segurado e o tempo de contribuição. Recebem pensão integral apenas os que contribuíram por no mínimo 40 anos.

A primeira reforma previdenciária japonesa ocorreu em 1994, quando o governo aumentou a idade mínima para a pensão básica de 60 para 65 anos, além de alterar a base de cálculo do benefício básico. Depois, em 2000, foi a vez de alterar o seguro dos empregados: houve redução de 5% do valor dos benefícios e estabeleceu-se um aumento gradual na idade mínima para aposentadoria, de 60 para 65 anos, iniciado em 2013.

O que chama atenção, porém, é que em 2016, o governo do Japão tomou uma decisão generosa com a população. Segundo o portal Mundo Nipo, o parlamento japonês aprovou uma lei que reduz o tempo mínimo de contribuição de 25 para apenas 10 anos. A nova regra vale para segurados de ambos os sistemas de pensão.

A medida beneficiará mais de 600 mil idosos japoneses que não conseguiram cumprir os 25 anos de contribuição e, por isso, não recebiam aposentadoria. Mas quem se aposentar com contribuição de 10 anos receberá uma quantia de 16 mil ienes, o que equivale a algo próximo a R$ 500. Até 2016, a aposentadoria mínima – com 25 anos de contribuição – era de 40 mil ienes, ou R$ 1.220.

Hoje, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), o Japão gasta 10,2% do produto interno bruto (PIB) em benefícios previdenciários, acima da média dos países da organização. 26,4% dos japoneses já passaram dos 65 anos de idade.

Reforma previdenciária do Chile

Anos de cada reforma previdenciária: 1981 e 2008

Principais mudanças:

  • Mudança do sistema previdenciário: sai o de repartição e entra o de capitalização
  • Idade mínima para se aposentar: 60 anos para as mulheres e 65 para os homens
  • Contribuição mínima mensal: trabalhadores dependentes devem doar, mensalmente, 10% de sua renda. Os empregadores e o Estado não contribuem para o sistema.

Expectativa de vida: 78,8 anos (2017)

O caso da reforma da Previdência do Chile é emblemático. Isso porque o país foi o primeiro da história a implantar o regime de capitalização — em que o trabalhador faz a sua própria poupança —, tirando esse sistema previdenciário apenas dos livros de Economia e colocando-o na prática. A mudança foi implementada durante a ditadura militar no país (1973–1990), liderada pelo general Augusto Pinochet, no ano de 1981.

Funciona da seguinte maneira: os trabalhadores depositam 10% de sua renda mensal em contas individuais, chamadas de AFP (administradoras privadas de fundo de pensão), ao invés de um fundo coletivo. Essas contas individuais ficam sob os cuidados de empresas privadas, que podem investir no mercado financeiro, por exemplo.

Na época em que a reforma previdenciária foi aplicada, o país estava em um cenário de população economicamente ativa (trabalhadores) maior do que a não ativa (aposentados e crianças, que não contribuem economicamente), o que favoreceu a implementação do sistema. Porém, anos se passaram, e não só imprevistos aconteceram como a situação do país já não é mais a mesma.

Surgiram muitos idosos que, por uma série de fatores — seja por falta de renda, ou por trabalhar por muito tempo de maneira informal —, não conseguiram contribuir para suas contas individuais, e o resultado disso foram, basicamente, idosos com baixíssimas aposentadorias. Nesse momento surgiu a segunda reforma previdenciária do Chile, implantada pela então presidente, Michelle Bachelet. Nessa reforma foi criado um fundo estatal para garantir uma pensão básica à esses aposentados, chamado de Pilar Solidário.

Contudo, o valor das aposentadorias dos chilenos é alvo de críticas e protestos. De acordo dados disponibilizados em 2015 pela Fundação Sol,  90,9% recebiam menos de 149.435 pesos (cerca de R$ 851,78 em 2018). O salário mínimo do Chile, por sua vez, é de cerca de 260 mil pesos (aproximadamente R$ 1.500,00 em 2018).

Atualmente o governo chileno estuda a possibilidade de uma nova reforma previdenciária.

O que a reforma da previdência de cada país mostra?

Diferentes saídas foram encontradas para a reforma previdenciária mundo afora. A maior parte tem apostado em dificultar o acesso aos benefícios, aumentando a idade mínima, diminuindo o valor dos benefícios, entre outras ações. A Suécia – e outros países, como Itália e Polônia, introduziram contas nocionais, que também endurecem as condições de aposentadoria, mas utilizando artifícios diferentes. Cabe agora ao Brasil observar as experiências de fora e decidir como encarar a questão de uma reforma previdenciária.

Para resumir os números apresentados, preparamos este infográfico:

Infográfico Previdência em outros países

Quer baixar este infográfico em alta resolução? Clique aqui 🙂

E então, o que achou desses países que fizeram a reforma previdenciária? Concorda?  Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

Atualizado em 25 de novembro de 2019.

REFERÊNCIAS

BBC News Brasil – Como é se aposentar no Chile, o 1º país a privatizar sua Previdência

El País – Modelo pioneiro de previdência privada adotado no Chile enfrenta crise

Estado de Minas – Grande manifestação no Chile exige fim de Previdência da era Pinochet

Estadão – Chile, que usa capitalização na Previdência, estuda reforma

Exame – No Chile, o debate é a reforma da reforma da Previdência

Folha de S. Paulo – Exemplo de Guedes, Chile tem contrarreforma da Previdência

Mundo-Nipo – Japão reduz para 10 anos aposentadoria por tempo de contribuição

Sérgio Guimarães Ferreira – Sistemas de Previdência em países industrializados: a crise e suas soluções

The Economist – What makes Germans so very cross about Greece?

Trading Economics – Greece Government Debt to GDP

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Blume, Bruno. 6 países que fizeram uma reforma previdenciária. Politize!, 26 de dezembro, 2018
Disponível em: https://www.politize.com.br/reforma-previdenciaria-paises-que-fizeram/.
Acesso em: 13 de dez, 2024.

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