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Regulamentação do lobby no Brasil e o PL 4.391/2021

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Imagem ilustrativa: regulamentação do lobby no brasil. Imagem: Pixabay.com.
Imagem: Pixabay.com.

O movimento em direção a regulamentação do lobby no Brasil não é algo novo – o primeiro projeto de lei apresentado com objetivo de regulamentar a profissão data de 1984, antes mesmo do fim do período ditatorial no país.

Desde então, foram mais de 15 iniciativas, em ambas as Casas legislativas, além das tentativas partindo do Poder Executivo. Quase 40 anos depois, ainda não se chegou a um consenso a respeito do tema e tanto o termo (lobista) quanto a profissão continuam a carregar conotação pejorativa, além de associação à corrupção, ao tráfico de influência, entre outros crimes.

Recentemente, com a explosão do escândalo de corrupção envolvendo a compra da vacina Covaxin, trazido à tona e reverberado pela “CPI da Covid”, é levantado novamente, talvez em sua maior proporção na história brasileira, o debate acerca da regulamentação do lobby; o qual é propulsionado com o convite da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para dar início às negociações formais da adesão brasileira.

O que significa lobby?

De acordo com a professora Andréa Gozetto, o lobby pode ser entendido como a “prática de influenciar o processo decisório por meio de uma comunicação direta, ética e transparente com autoridades do Executivo e Legislativo”[i]. Além disso, defendem os cientistas políticos Andréa Gozzeto e Wagner Mancuso,

Quando o lobby é feito de forma lícita, isto é, respeitando-se o ordenamento jurídico nacional e as regras das instâncias decisórias, ele pode trazer contribuições positivas para os decisores, os interesses representados, a opinião pública e o sistema político.[ii]

Entende-se então que, quando respeitadas as “regras do jogo”, a prática de lobby pode beneficiar não somente as grandes empresas, como também a população em geral, e até mesmo a qualidade da política pública ou decisão tomada pelos gestores públicos.

Breve Panorama da Regulamentação do Lobby no Brasil

Os professores Lucas Cunha e Manoel Leonardo Santos (2015) entendem haver três diferentes categorias de regulamentação da atividade de lobby:

  1. legislação indireta (códigos de conduta e ética com vistas a prevenir a corrupção por parte de agentes públicos);
  2. regulação direta e exclusiva (que trate especificamente da atividade de lobby, ou defesa de interesses);
  3. a autorregulação (códigos de conduta autodefinidos pelos próprios lobistas).

O Brasil enquadra-se em dois destes tipos de regulamentações: a provisão de legislação indireta e a autorregulação. Em relação a primeira, pode-se mencionar a Resolução nº 47/2013, Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados; a Resolução nº 20/1993, que institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado; o Decreto nº 1.171/1994, Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal; o Decreto nº 4.334/2002, que regulamenta as audiências concedidas a particulares por agentes públicos.

Quanto à autorregulação, cita-se, o “Guia de Melhores Práticas da Atividade de Relações Governamentais” (2019), do Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV), a publicação conjunta da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas, “Prática Recomendada” (2020).

Já em relação a regulação direta e exclusiva, o cenário torna-se bem mais complexo. Desde o primeiro projeto apresentado pelo Senador Marcos Maciel, outras 15 propostas legislativas, entre Projetos de Lei e Projetos de Resolução, iniciaram tramitação no Congresso visando regulamentar a prática de lobby no Brasil; todas sem sucesso algum. A iniciativa que mais perto chegou da aprovação foi o PL 1202/2007, do Deputado Carlos Zarattini (PT/SP).

Quadro atual da regulamentação do lobby no Brasil

Além da longa história das tentativas de regulamentação do lobby, a gestão do governo Bolsonaro tem elencado desde à época de campanha (em 2018) promoção de uma suposta maior transparência no poder público. Antes mesmo de assumir o cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública, por exemplo, Sérgio Moro defendia a regulamentação do lobby, argumentando que “é melhor que isso (lobby) seja regulamentado do que feito às escondidas”[iii].

Já Wagner Rosário, ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União, também tem advogado pela regulamentação da atividade, posicionando-se, desde o início do governo Bolsonaro, mais favorável à regulamentação através do sistema de agendas (o qual inspirou o PL 4.391/2021, assim como o Decreto 10.889/2021).

Duas medidas podem ser encaradas como materializações do discurso de Rosário de apoio a transparência: o acordo de cooperação em termos de corrupção, firmado com o Chile, em 2019, e o Plano Anticorrupção, lançado pelo governo federal, no início de dezembro de 2020. A apresentação do projeto de regulamentação do lobby encontrava-se prevista no Plano Anticorrupção, para 15 de março de 2021, entretanto, devido a desentendimentos entre a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério da Economia, após ser adiado mais duas vezes, o PL somente foi apresentado em dezembro.

O projeto tramita hoje na forma de substitutivo da Deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), e tendo sido aprovado nas Comissões de Constituição, Justiça e Redação e de Trabalho, Administração e Serviço público, aguarda, há quase quatro anos a inclusão na pauta para votação em Plenário. Entretanto, foi apresentado pela Controladoria Geral da União (CGU), no dia 9 de dezembro de 2021 (Dia Internacional contra a Corrupção), o PL 4.391/2021, que, fruto do Plano Anticorrupção do atual governo, tem como objetivo regulamentar a prática da defesa de interesses.

Nas próximas linhas, pretende-se aprofundar um pouco mais no conteúdo dos projetos mencionados, analisando-os comparativamente.

O que muda entre as iniciativas de regulamentação do lobby no Brasil?

Ainda que visem, teoricamente, o mesmo objetivo, as iniciativas acima mencionadas possuem diferenças substanciais no modo proposto para alcançá-lo. A começar por seu embasamento, o PL 1202/2007 tem como ponto de partida a experiência estadunidense de regulamentação do lobby.

Já o PL 4.391/2021 possui como pano de fundo o Acordo de Cooperação Contra a Corrupção, firmado entre a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Secretaria-Geral da Presidência da República do Chile, em 2019, apresentando, por conseguinte, grande similaridade com a Ley del Lobby (2014) chilena.

PL 1202/2007

O projeto de lei apresentado por Zarattini (PT/SP), em 2007, trazia, tal qual embasado na tradição estadunidense, um longo e extenso texto, cujos principais pontos eram:

  • “Cadastro em órgão competente e credenciamento obrigatório, limitado a até 2 representantes por órgão ou entidade.
  • Abrangência para toda a Administração Pública Federal
  • Alcance para pessoas físicas e jurídicas, de direito privado ou público, e aos representantes de Ministérios e órgãos ou entidades da administração federal direta e indireta, bem como às entidades de classe, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituições de âmbito nacional da sociedade civil.
  • Fornecimento obrigatório de relatórios detalhados sobre as atividades das empresas e profissionais envolvidos.
  • Publicidade das informações a respeito das atividades de lobby realizadas.
  • Obrigatoriedade de curso de formação.
  • Quarentena, nos termos da Lei 12.813/13, sendo de 4 anos para chefes do Chefes do Executivo
  • Obrigatoriedade dos decisores ouvir todos os pontos de vista eventualmente existentes em uma matéria antes de se manifestar.”[iv]

Como se pode observar, um texto bastante amplo e abrangente, que, no entanto, não contempla diversos pontos cruciais, como a falta da instituição de um registro online de publicação das informações a respeito das atividades de lobby realizadas, penalidades brandas e pouco objetivas, geração de um elevado número de declarações com as quais o TCU haveria de lidar, impedindo que a opinião pública acompanhe em tempo real as atividades de lobby realizadas e, por fim, a obrigação de credenciamento apenas por parte de lobistas profissionais, que acaba por excluir uma enorme gama de profissionais que exercem as atividades de representação de interesse de maneira esporádica ou pontual.[v]

O substitutivo apresentado pela Deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), em 2018, busca sanar alguns dos pontos ao que o texto original não abrange, assim como enxugar e resumir o projeto. Entre seus principais pontos, encontram-se:

  • “Definição atualizada de RIG e dos princípios norteadores conforme CBO e OCDE.
  • Abrangência para todo o Poder Público Federal.
  • Alcance para entidades representativas de interesse coletivo ou de setores econômicos e sociais, pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, inclusive instituições e órgãos públicos.
  • Exclui representantes comerciais, despachantes e advogados no exercício da advocacia.
  • Inclui prerrogativas, elencando o que pode ser feito pelos profissionais de RIG.
  • Estabelece credenciamento facultativo.
  • Determina transparência e publicidade das interações entre agentes públicos e agentes de RIG.
  • Determina isonomia em termos de improbidade, igualando profissionais de RIG e Agentes Públicos.
  • Prevê suspensão de credenciamento em caso de comportamento inadequado do agente de RIG.
  • Prevê quarentena nos termos da Lei 12.813/13, sendo de 4 anos para chefes do Chefes do Executivo.”[vi]

O novo texto alcançado, após quase uma década de discussões, inova, principalmente, pois não busca regulamentar a atuação dos lobistas profissionais, mas sim a atividade em si da representação de interesses. Além de estabelecer como “agente de relações governamentais” todo aquele que exerça “a atividade de representação de interesses nas relações governamentais”, independentemente de sua periodicidade, o texto vai além buscando também delimitar aqueles que não seriam enquadrados dentro de tal classificação.

O novo texto, entretanto, ao excluir a necessidade de apresentação de relatório de atividades por aqueles que exerçam a defesa de interesses, deixa vago também de quem seria o dever de transparência e publicidade das informações, assim como por onde tais informações seriam disponibilizadas a população. Por fim, o substitutivo tramitando atualmente na Câmara segue no mesmo sentido de seu texto original no tangente as punições daqueles que cometam improbidades no exercício da representação de interesses, brandas e pouco objetivas.

PL 4.391/2021

Após três anos de promessas, a proposta finalmente apresentada pelo atual governo, em dezembro de 2021, parte de um panorama diferente, buscando a regulamentação da atividade de representação de interesse a partir da experiência chilena. Segundo Wagner Parente (2021), a proposta traz pontos positivos, tais como:

busca definir o que é a atividade de representação de interesses sem buscar regulamentar a profissão; traz maior clareza a respeito das prerrogativas e limites de quem busca desempenhar tal atividade sem prejudicar quem atua eventualmente ou criar burocracias desnecessárias; cria um cadastro negativo para quem cometer irregularidades, evitando organizar um cadastro geral; e traz maior definição a respeito da oferta de presentes e hospitalidades.

A definição de representação de interesses, assim como no substitutivo de Cristiane Brasil, alinha-se com as melhores práticas da atividade; além disso, busca-se também no PL 4.391/2021, definir o que não se classifica como representação de interesse, fazendo-o, no entanto, de maneira mais ampla e detalhada. O projeto estabelece ainda limitações para “presentes, brindes e hospitalidades” de agentes privados a públicos, com sanções específicas em casos de infrações.

Como ponto negativo, entretanto, vale destacar que o projeto apresentado pelo governo Bolsonaro não traz a previsão de nenhum tipo de quarentena para agentes públicos antes de exercerem cargos de representação de interesses, assim como não delimita como se aplicariam as medidas dispostas na Lei a agentes públicos que pratiquem a atividade de defesa de interesses.

Talvez o principal ponto de inovação do projeto de lei 4.391/2021 (o qual é mais amplamente detalhado no Decreto nº 10.889/2021) é a publicidade de informações referente a interação entre agentes públicos e privados através de um sistema online denominado e-Agendas. O sistema, que tem sido testado pela Controladoria Geral da União desde 2020, é também fruto do Acordo de Cooperação Brasil-Chile para Combate a Corrupção.

Inspirado na plataforma chilena “Infolobby”, o Sistema Eletrônico e-Agendas passa a ser de uso obrigatório dos órgãos componentes da administração pública federal, por onde deverão disponibilizar não somente as agendas dos agentes públicos, como também detalhar a “duração, assunto, participantes e interesses envolvidos no compromisso”[vii].

A medida entre vigor no dia 9 de outubro de 2022, já as demais medidas estabelecidas no Decreto passam a vigorar a partir de fevereiro. Para exemplificar o possível funcionamento da plataforma, tomando como base sua inspiração chilena, na plataforma Infolobby.cl, até hoje, foram registradas quase 500 mil audiências com autoridades, mais de 460 mil viagens e aproximadamente 40 mil doações.[viii]

Apesar de muito promissor, como indicado pela experiência brasileira na tentativa de regulamentação do lobby, é provável que o PL enviado ao Congresso pelo governo Bolsonaro enfrente ainda amplo debate prévio a sua votação.

Além disso, ainda que necessária para a adesão do país a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a regulamentação deverá batalhar, em meio a um atribulado ano de eleições gerais, espaço na agenda com outros assuntos, possivelmente mais caros aos Deputados e Senadores.

O que você acha das propostas de regulamentação do lobby no Brasil? Deixe sua opinião ou dúvida nos comentários!

Referências:

  • [i] GOZZETO, 2018, p. 41.
  • [ii] 2013, p. 9-10, grifo nosso.
  • [iii] Apud GALVÃO, 2018.
  • [iv] SANTOS, VENUTO, p. 8-9.
  • [v] GOZETTO, 2012, ps. 19-21.
  • [vi] SANTOS, VENUTO, p. 9.
  • [vii] PAIVA, 2021.
  • [viii] INFOLOBBY, 2022.

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Conteúdo escrito por:
Cursando o 7° semestre de Relações Internacionais na FAAP-SP, Júlia é Trainee do Radar Governamental.

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