Taxa Selic: como e por que ela muda? Quais são as consequências?

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Este texto foi atualizado em 22 de março de 2024.

O que é a taxa Selic?

A Selic é a taxa básica de juros da economia, cuja meta é fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central com a finalidade de manter a inflação dentro do limite estipulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), presidido pelo ministro da Economia e responsável pela política macroeconômica do governo (política monetária, de crédito, câmbio e outras normas do sistema financeiro).

Em outras palavras, o CMN estipula a meta de inflação, mas cabe ao Banco Central implementar políticas monetárias para alcançar essa meta.

Ela é dita  “básica” porque influencia todas as outras taxas de juros do país, como os juros de empréstimos, financiamentos imobiliários e de veículos, cartões de crédito, cheque especial e crédito consignado, bem como a rentabilidade de aplicações financeiras, como a poupança. Por esse efeito dominó, a Selic é o principal instrumento de política monetária do Banco Central para controlar a inflação.

O nome “Selic” deriva do Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Esse sistema registra dados sobre a custódia e sobre as operações de compra e venda de praticamente todos os títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional, incluindo as transações no mercado primário e secundário.

Assim, toda vez que você compra ou vende um título público no site do Tesouro Direto, ou mesmo na B3 (a bolsa de valores brasileira), sua transação é registrada no Selic (sistema). Afinal, ele registra tudo o que se refere a títulos públicos. No meio desse “tudo”, está uma categoria específica de transação denominada operações compromissadas entre instituições financeiras garantidas com títulos públicos. Entender isso é a chave para entender, de verdade, o que é a Selic.

Como o Banco Central influencia a taxa Selic?

Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília. Imagem: BCB.

As instituições financeiras, como os bancos, realizam vários tipos de operações todos os dias. No nível mais básico, elas recebem depósitos, emprestam dinheiro e disponibilizam saques. Para fazer tudo isso, precisam de liquidez — dinheiro no “cofre”. Mas a quantidade nesse “cofre” nem sempre é suficiente para, por exemplo, pagar todos os saques do dia, já que o banco empresta parte do dinheiro depositado para outras pessoas. Portanto, ocorre o seguinte:

  1. Para obter a liquidez da qual precisam no dia-a-dia, os bancos fazem empréstimos entre si, hora pegando emprestado, hora emprestando. 
  2. Esses empréstimos são feitos por operações compromissadas. Isso significa que o banco A (devedor) vende títulos públicos para o banco B (credor) com o compromisso de recomprar esses títulos no dia seguinte, com acréscimo de juros. Ou seja, ele recebe dinheiro (empréstimo), entrega títulos como garantia, e promete pagar no dia seguinte, com juros.
    1. Os títulos servem como garantia e conferem mais segurança ao sistema bancário, pois reduzem as chances de que a inadimplência de um banco se espalhe para os outros, gerando um efeito dominó sistêmico e uma crise financeira. Isso porque, caso o banco devedor fique inadimplente, o banco credor pode liquidar os títulos, vendendo-os de volta ao Tesouro Nacional ou a outros investidores. 
    2. Sem essa garantia, o banco credor, ao não ser pago pelo devedor, ficaria incapacitado de pagar suas próprias dívidas, gerando um efeito cascata com potential de contaminar todo o sistema financeiro do país.
  3. Várias operações desse tipo são realizadas todos os dias no mercado interbancário, e os juros são devidamente definidos pela dinâmica de mercado (oferta e demanda). Isso tudo fica registrado na Selic (o sistema). A média dos juros praticados nessas operações é exatamente a taxa Selic — a taxa de juros básica da economia. 

Para fixar: a taxa Selic é a média ponderada das taxas de juros registradas no sistema Selic nas operações compromissadas de curto prazo entre instituições financeiras (24h) garantidas por títulos públicos. Esse cálculo é feito automaticamente pelo sistema e a taxa Selic (over) é divulgada pelo Banco Central na manhã seguinte.

O leitor atento poderia se perguntar: “Mas não é o Banco Central que define a Selic? Então como pode ser uma média das operações de mercado?” 

Na realidade, o Banco Central define uma meta para a Selic, e não a Selic em si. Contudo, uma vez que o BC estipula essa meta, ele se compromete publicamente a intervir nesse mercado interbancário para fazer a média dos juros convergir para a meta publicamente anunciada, também pelo mecanismo de mercado, ou de oferta e demanda.

Para entender isso, você precisa entender que o juros é o preço do dinheiro. Assim, similar a outros produtos (como o petróleo), quando a oferta de dinheiro diminui, seu preço (juros) tende a subir, e vice-versa. 

Quando o BC vende títulos públicos, ele introduz esses títulos no mercado e, assim, retira dinheiro de circulação. Como a quantidade de moeda disponível diminui, havendo menos dinheiro disponível para ser emprestado (menos oferta), os juros sobem. De modo contrário, quando o BC compra títulos públicos, ele retira títulos do mercado e injeta moeda no lugar, o que reduz os juros (preço do dinheiro), haja vista que há mais dinheiro (mais oferta) disponível para ser emprestado.

Desse modo, o BC atua nesse mercado de títulos para fazer a média dos juros praticados em operações compromissadas convergir para a meta da Selic, essa sim estipulada diretamente pelo BC. Mas, em teoria, é possível que a Selic real desvie da meta da Selic, especialmente em situações de instabilidade financeira em que a capacidade do Banco Central de intervir nesse mercado não seja suficiente. Contudo, esses desvios tendem a ser pequenos e temporários.

Como a taxa Selic afeta a economia?

Como esses empréstimos interbancários de um dia são extremamente seguros, haja vista que são garantidos pelos títulos públicos do Tesouro, os juros praticados nesses empréstimos, em tese, são os juros mais baixos encontrados no mercado.

Consequentemente, o governo, ao emitir novos títulos (pegando dinheiro emprestado), pagará algo próximo da Selic. 

Se o governo paga de juros o valor da Selic, então os juros pagos por outros atores (e.g., empresas e pessoas) será a Selic + alguma coisa (premium). Ou seja, sempre que a Selic subir ou descer, a tendência é que os demais juros praticados no mercado acompanhem, subindo ou descendo, mas permanecendo sempre maiores que a Selic. 

Com isso, quando a Selic sobe, fica mais caro financiar uma casa própria ou um carro. Também é mais caro captar recursos para abrir um novo negócio ou expandir as operações de uma empresa já existente. Ao mesmo tempo, como aplicações financeiras rendem mais, os investidores são incentivados a deixar seu capital parado, rendendo juros com risco bem mais baixo do que teriam ao investir em novos negócios. 

Já quando a Selic diminui, fica mais barato fazer financiamentos e obter crédito para consumir. Também fica mais fácil levantar capital para abrir uma empresa ou expandir operações daquelas já estabelecidas. Da mesma forma, com a Selic baixa, as aplicações financeiras rendem menos, o que incentiva os investidores a procurar maneiras mais rentáveis de alocar seu capital, investindo em atividades produtivas.

Assim, é fácil perceber que a Selic alta “esfria” a economia, pois reduz o consumo e desincentiva investimentos, enquanto a Selic baixa “aquece” a economia, já que incentiva o consumo e os investimentos.

Leia mais: O papel dos juros na economia

Nova queda na Selic em 2024

Em março de 2024, o Banco Central anunciou novo corte na taxa básica de juros. De modo  geral, o corte da Selic foi de 0,50 ponto percentual (p.p.), o que reduziu para 10,75% ao ano. Considera-se que este seja o menor valor da taxa básica de juros desde fevereiro de 2022. 

Além disso, essa foi a sexta queda consecutiva da Selic.

A mudança não começou em 2024. Desde agosto de 2023, o ciclo de cortes da Selic já vinha acontecendo, acompanhando a melhora do quadro inflacionário no país. Estes cortes são considerados uma flexibilização da política contracionista por parte da instituição, ou seja, quando o BC sobe a Selic acima da taxa de juro neutra, com o objetivo de desacelerar a economia e, consequentemente, controlar a inflação.

 A população poderá começar a sentir os efeitos dessas mudanças dentro do período de três a seis meses, dizem especialistas.

A Selic e a inflação

Você já deve saber que a inflação é alta generalizada nos preços de bens e serviços. No Brasil, ela é medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE. Uma inflação descontrolada e imprevisível é ruim para economia porque destrói o poder de compra dos salários e dificulta o planejamento financeiro das famílias e das empresas. 

Em um cenário de inflação alta e imprevisível, os investidores tendem a manter seu capital protegido em aplicações indexadas à inflação ou em investimentos em economias estrangeiras. Assim, eles investem menos no Brasil, gerando menos riqueza e menos empregos.

Isso ocorre porque a inflação corrói o valor real do dinheiro. Imagine que um investidor exija uma rentabilidade real (descontando a inflação) de 15%a.a. para aceitar correr os riscos envolvidos em um investimento produtivo. Após analisar o mercado, ele encontra uma oportunidade com 20%a.a. de retorno esperado. Ele deveria investir, certo? Na verdade, a resposta não é tão simples.

Nesse caso hipotético, se a inflação variar até 5%, a resposta é que sim. Se variar mais, então o rendimento real será inferior aos 15% exigidos. Assim, em geral, uma inflação elevada ou imprevisível reduz os investimentos e os empregos, bem como o poder de compra dos salários, o que é terrível para a economia. Para evitar isso, o CMN estipula uma meta para inflação, que costuma ser de 3%, com variação aceitável de 1,5% para cima ou para baixo.

Com a meta estipulada, cabe ao Banco Central implementar políticas monetárias para cumpri-la. A principal delas é a meta da taxa Selic. Se a inflação estiver aumentando acima da meta do CMN, o Banco Central tende a aumentar a taxa Selic. Como vimos, uma Selic maior significa que o BC irá vender títulos públicos, retirando moeda de circulação.

Com menos moeda, há menos oferta para ser emprestada. Com menos oferta, o preço sobe. Nesse caso, o preço do dinheiro sobe, ou seja, os juros. Quando os juros sobem, fica mais difícil fazer financiamentos e obter empréstimos e crédito para consumir e investir. Com menos demanda agregada, os preços tendem a cair ou a crescer mais lentamente. Em outras palavras, a inflação cai ou cresce mais devagar.

Isso ocorre, contudo, caso a inflação seja de fato gerada pela demanda. Mas é possível que a inflação seja gerada pelos custos, como rupturas nas cadeias de suprimento. Imagine que um importante exportador de alimentos interrompa o suprimento no mercado internacional. Paralelamente, o petróleo também sobe. 

Nesse caso, a inflação tende a subir junto. Mas perceba que não foi por um aumento na demanda. O petróleo eleva os custos em diversas cadeias produtivas, já que é usado para geração de energia e transporte. No caso dos alimentos, não se trata de produtos comprados a prazo, com crédito. Então essa é uma situação em que aumentar a Selic para encarecer o crédito e reduzir o consumo não é uma política tão eficiente.

Leia mais: A história da inflação no Brasil

A Selic no futuro

Gráfico banco, com grid preto e linha azul que mostra a progressão da meta da taxa selic de agosto de 2013 a agosto de 2023. A linha varia em ciclos de altas e baixas, com máximas próximas a 15% e mínimas ao redor de 2%. Atualmente, o valor é 13,25%.
Meta da Selic de agosto de 2013 a agosto de 2023. Gráfico: Politize! com dados do Banco Central.

É impossível prever o comportamento da inflação e da Selic perfeitamente. Contudo, no Brasil, a Selic costuma ter um comportamento cíclico. No gráfico abaixo, você pode ver o IPCA de agosto de 2013 a junho de 2023. Ao comparar com o gráfico da Selic, fica muito clara a relação entre ela e a inflação.

Gráfico com fundo branco e grid preto, e uma linha azul mostrando a variação do IPCA de agosto de 2013 a junho de 2023. O grágico demonstra uma correlação com a taxa selic, já que a inflação tende a ser alta em momentos que antecedem um aumento da meta da taxa selic e baixa em momentos que precedem uma baixa da selic.
Histórico da inflação medida pelo IPCA. Gráfico: Politize! com dados do BCB.

Como falamos, a Selic sobe quando a inflação está alta, de modo a forçá-la para baixo. Perceba que a inflação tem caído consistentemente desde meados de 2022, quando ultrapassou 12%, até se aproximar do centro da meta estabelecida pelo CMN, de 3%. Considerando isso, em 02 de agosto de 2023, o Copom realizou o primeiro corte na taxa Selic desde 2021, caindo de 13,75% para 13,25%. 

Caso a inflação continue controlada, podemos esperar novos cortes da Selic pelo Copom nos próximos meses,  até anos, dando início a um novo ciclo de baixa, como no passado. Mas, novamente, isso está condicionado ao controle da inflação, a qual depende de vários fatores macroeconômicos, muitos deles imprevisíveis.

Caso a tendência de novos cortes se confirme, pode-se esperar um reaquecimento da economia, já que o crédito ficará mais barato, incentivando o consumo e os investimentos, e facilitando a criação de empregos e de riqueza. 

Veja também nosso vídeo sobre a inflação!

E aí, você conseguiu entender o que é a taxa Selic, como o BC atua para influenciá-la e quais os seus efeitos na economia brasileira? Acha que conseguirá entender melhor os impactos de futuras alterações na Selic quando vê-las anunciadas nos jornais? Conta pra gente!

Referências:
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Conteúdo escrito por:
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, membro do PET-REL e voluntário no UNICEF Brasil. Fascinado por política, escrita e cachoeiras. 100% obcecado por Of Monsters and Men.
Santos, Lucas. Taxa Selic: como e por que ela muda? Quais são as consequências?. Politize!, 11 de agosto, 2023
Disponível em: https://www.politize.com.br/taxa-selic/.
Acesso em: 10 de dez, 2024.

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