Uma mulher loira, sorrindo.

Brenda Lee: ‘anjo da guarda das travestis’ no auge da AIDS

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

Brenda Lee foi uma travesti pioneira no acolhimento de pessoas com HIV/Aids no Brasil. Fundou a primeira casa de apoio para acolhimento no país, sendo um dos primeiros espaços desse tipo na América Latina, assegurando os direitos humanos para as pessoas com HIV/Aids.

Em uma época marcada por mortes crescentes causadas pela epidemia de Aids que atingiu muitas travestis, Brenda sentiu a urgência de agir e organizou um ativismo dedicado à assistência solidária e ao acesso à saúde.

Neste texto, a Politize! compartilha a trajetória da travesti que criou o famoso “Palácio das Princesas”, ficando conhecida como o “anjo da guarda das travestis” por sua atuação acolhedora.

Leia também: 3 conquistas de mulheres trans na luta pela construção da cidadania

Adolescência e juventude de Brenda Lee

Brenda Lee nasceu em 1948 na cidade de Bodocó, em Pernambuco. Ela cresceu em um ambiente adverso e mudou-se aos 13 anos com a mãe e os irmãos para o Rio de Janeiro.

Na adolescência, aos 14 anos foi expulsa de casa. Enfrentando preconceito e sentindo-se deslocada migrou para São Paulo, onde começou a construir sua identidade de gênero feminina como travesti.

Seu nome de nascimento era Cícero Caetano Leonardo, e, no começo, ela adotou o nome social “Caetana”. Mais tarde, inspirada pela cantora americana dos anos 60, escolheu o mesmo nome artístico: “Brenda Lee”.

Nos anos 1970, no entanto, São Paulo era hostil à diversidade sexual, e à comunidade LGBTQIA+. Em meio à Ditadura Militar, a repressão à comunidade LGBTQIA+ era intensa e violenta, e Brenda, como tantas travestis da época, precisou recorrer à prostituição para sobreviver.

A coragem de Brenda a fez enfrentar as constantes ameaças e brutalidades policiais, um reflexo das tensões e preconceitos que eram impostos contra as travestis.

Saiba mais sobre o Movimento LGBT: a importância da sua história e do seu dia.

Palácio das Princesas

Brenda, após viver da prostituição em São Paulo e em Paris, voltou ao Brasil buscando outra forma de renda. Conseguiu economizar para comprar um imóvel, que mais tarde transformou em uma pensão.

Com a renda gerada pelo negócio, ela começou a acolher jovens travestis que haviam sido expulsas de casa por suas famílias devido à homossexualidade — uma realidade que persiste até hoje.

Em 1985, após uma série de assassinatos de travestis na região da Avenida Indianópolis e na Chácara Flora, na Zona Sul de São Paulo, o número de travestis em busca de abrigo aumentou ainda mais.

Nesse contexto de crescente violência e insegurança, o trabalho de Brenda ganhou destaque na mídia, e seu espaço foi inicialmente apelidado de “Palácio das Bruxas”. Em resposta a essa ofensa, Brenda decidiu renomear o local como “Palácio das Princesas”, transformando-o em um verdadeiro refúgio e símbolo de resistência e acolhimento para a comunidade travesti.

Dedicação ao acolhimento e a luta contra a Aids

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é uma doença que se manifesta progressivamente após a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), que ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. As células mais atingidas são os linfócitos T CD4+.

E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo. Depois de se multiplicar, rompe os linfócitos em busca de outros para continuar a infecção. Ter o HIV não é a mesma coisa que ter a Aids.

Talvez essa explicação no contexto atual pareça mera formalidade, mas nos primeiros anos da epidemia de HIV/Aids, o vírus impactava de forma devastadora, sobretudo as travestis profissionais do sexo e os homens bissexuais e homossexuais.

A falta de informações claras sobre prevenção e tratamento, aliada ao preconceito, fazia com que muitas dessas pessoas fossem estigmatizadas, rejeitadas, tanto por suas famílias quanto pelos próprios serviços de saúde, que temiam o contágio.

Fachada de um local escrito "Casa de apoio Brenda Lee" em uma placa
Fachada da Casa de Apoio Brenda Lee em São Paulo, Imagem: TV Brasil

Em meio a esse contexto, Brenda Lee abriu as portas de sua casa para acolhê-las, oferecendo refúgio, acolhimento e medicamentos. Ganhou título de “mãe” ou “mãezona”, dado com carinho por aquelas pessoas que recebiam sua ajuda.

O estigma era tão intenso que, ao apresentarem os sintomas, as travestis muitas vezes eram marginalizadas e maltratadas por suas próprias comunidades. Segundo Trevisan (1986), Brenda Lee passou a abrigar e sustentar dezenas de travestis com HIV ou com Aids.

Com sua solidariedade inabalável, ela criou um espaço de dignidade e cuidado apesar da conjuntura completamente desfavorável.

Segundo Souza (2018), na tentativa de buscar recursos para melhorar as condições de acolhimento, Brenda participou de programas de televisão, palestras, eventos em casas de shows. Foi parabenizada pela apresentadora Hebe Camargo – um ícone da televisão – e convidada a vários eventos com a intenção de angariar fundos.

Imagem de duas mulheres lado a lado, loiras, brancas e sorrindo. Uma está usando uma roupa vermelha e a outra uma roupa preta.
Brenda Lee e Hebe Camargo. Imagem: Terra

Brenda Lee viajou pela Europa e pelos Estados Unidos em busca de apoio de ONGs, pesquisadores e voluntários que pudessem oferecer recursos financeiros, infraestrutura e medicamentos para garantir a saúde e a vida das pessoas acolhidas.

Ela gerenciava tudo da melhor forma possível, contando também com o apoio de algumas amigas travestis que residiam na França, as quais enviavam dinheiro para auxiliar nas despesas.

Em 1988, ela fundou oficialmente a Casa de Apoio Brenda Lee. Graças à sua militância e solidariedade, a pensão da travesti se tornou conhecida em São Paulo.

O Palácio das Princesas estabeleceu um convênio com o Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, exercendo um papel essencial na rede estadual de saúde dedicada à Aids.

Essa iniciativa foi vital para a formação de uma rede de atendimento e para a promoção da conscientização pública de acesso à saúde e cuidado às pessoas com HIV/Aids, tanto em São Paulo quanto em todo o Brasil.

Na imagem, um carro com a escrita "Casa de apoio Brenda Lee" em sua lateral.
Brenda dirigindo carro da casa de apoio. Imagem: TV Brasil

A morte de Brenda Lee

Em 28 de maio de 1996, Brenda foi vítima de homicídio aos 48 anos de idade. O jornal Folha de São Paulo noticiou que ela havia registrado uma queixa na polícia sobre a adulteração de um cheque que ela havia emitido, supostamente alterado por seu ex-contador.

Após receber um telefonema, ela se dirigiu ao local combinado para discutir o problema do cheque, mas não foi mais vista com vida. Posteriormente, descobriu-se que o golpe financeiro tinha sido arquitetado por um funcionário com quem ela mantinha um relacionamento. Brenda foi assassinada por ele e pelo irmão dele, que era policial militar.

A missa de corpo presente foi celebrada pelo padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Menor, que representou o Cardeal Arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns.

Veja também: Entenda por que celebramos a visibilidade trans em 29 de janeiro

Legado de Brenda Lee

Brenda Lee é celebrada como um ícone e uma travesti inspiradora que abriu novas portas para a comunidade LGBTQI+. Sua luta e dedicação não apenas transformaram vidas, mas também possibilitaram que muitos alcançassem horizontes antes inimagináveis.

Entre as iniciativas que celebram sua memória, destaca-se o Cursinho Popular TransFormando – Unidade Brenda Lee, localizado na zona leste de São Paulo, que tem como foco a comunidade LGBTQI+, especialmente a população trans.

Em 1988, o documentário Dores de Amor, dirigido por Pierre-Alain Meier e Matthias Kälin, retratou sua vida e de outras quatro travestis: Thelma Lipp, Condessa da Nostromundo, Andréia de Maio e Claudia Wonder.

Em 2008, foi criado o Prêmio Brenda Lee, que é concedido a cada cinco anos durante as celebrações do Dia Mundial de Combate à Aids e do aniversário do Programa Estadual DST/AIDS do Estado de São Paulo. Além disso, um Prêmio de Direitos Humanos foi instituído em sua homenagem no Brasil.

O musical “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” estreou em 2022, recebendo aclamação tanto do público quanto da crítica. A peça conquistou o prêmio da APCA de melhor espetáculo, e a protagonista Verónica Valenttino fez história ao se tornar a primeira travesti a ganhar os prêmios Bibi Ferreira de atriz revelação e Shell de melhor atriz.

Portanto, Brenda Lee continua inspirando gerações com seu legado de solidariedade e coragem. Sua dedicação em acolher pessoas trans marginalizadas e lutar contra o preconceito marcou a história da luta pelos direitos da comunidade LGBTQI+ e daqueles que vivem com HIV/Aids.

E aí, gostou de conhecer mais sobre a história de Brenda Lee e o Palácio das Princesas? Deixe seus comentários! Agora que você sabe mais dessa história divulgue à amigos/as e familiares.

Referências:

WhatsApp Icon

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Doutoranda em Estudos Contemporâneos (Universidade de Coimbra), Mestre em Ciências Sociais (PUC/SP).
Souza, Cristiane. Brenda Lee: ‘anjo da guarda das travestis’ no auge da AIDS. Politize!, 26 de novembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/brenda-lee/.
Acesso em: 7 de dez, 2024.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo