Quem foi Chico Mendes e o que ele tem a ver com o movimento ambiental?

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Chico Mendes foi uma figura emblemática da luta ambiental brasileira, surgido durante a transição do Brasil da ditadura militar para a redemocratização. 

Em um contexto de intensas políticas de ocupação da Amazônia e crescimento econômico, ele se destacou como líder da resistência dos povos da floresta

Chico Mendes articulou uma mobilização que unia a preservação ambiental à justiça social, propondo um modelo de desenvolvimento sustentável que incluía os povos tradicionais como protagonistas da conservação.

Este conteúdo integra a trilha de conteúdos do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

O projeto é realizado pela Politize!, em parceria com o Pulitzer Center.

Quem foi Chico Mendes?

Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, nasceu em 15 de dezembro de 1944, no seringal Porto Rico, em Xapuri, no Acre. Filho de pais nordestinos que migraram para a Amazônia, Chico viveu desde cedo a realidade dos seringueiros, trabalhando com a extração de látex desde os 11 anos.

Aos 19 anos, Chico teve um mentor importante, Fernando Euclides Távora, um militante comunista e ex-participante do levante de 1935 e da Revolução de 1952, que lhe ensinou a ler e a escrever. 

Esse aprendizado foi fundamental para que Chico entendesse o poder da educação como ferramenta de conscientização social e política. Ele acreditava que, ao aprender a ler e escrever, os seringueiros poderiam se libertar da exploração dos patrões.

Imagem de Chico Mendes com seus dois filhos.
Chico Mendes e seus dois filhos, em foto de julho de 1988. Imagem: BBC News.

Início do ativismo

Nos anos 1970, Chico começou a consolidar sua trajetória sindical. Em 1975, fundou o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasileia, com seu amigo Wilson Pinheiro, e, em 1976, organizou o primeiro “empate”, uma tática de resistência onde seringueiros se colocavam na frente dos tratores para impedir o desmatamento da floresta. 

Em 1977, fundou um sindicato em sua cidade natal, Xapuri, e foi eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que se opunha ao regime militar da época. 

A partir daí, ele passou a ser alvo de ameaças de morte. Embora nunca tenha sido registrado oficialmente, há relatos de que ele foi preso e torturado em 1979, aumentando sua perseguição por parte dos poderosos da região.

Em 1980, Chico Mendes foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Dois anos depois, tentou se eleger deputado estadual, mas não obteve sucesso. 

Em 1985, ele foi um dos fundadores do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), onde defendeu a criação de reservas extrativistas para preservar as terras indígenas, as florestas e promover a reforma agrária. 

Saiba mais: Pluripartidarismo: entenda como este sistema atua no Brasil

A luta de Chico ganhou visibilidade, e diversas comunidades, como indígenas, seringueiros, pescadores e pequenos produtores rurais, uniram-se para defender seus direitos. 

Esse esforço conjunto, como observou o historiador Souza, foi um dos maiores legados de Chico Mendes, pois permitiu que populações historicamente em conflito se unissem em defesa do meio ambiente e de seus direitos.

Em 1987, Chico recebeu a visita de uma comitiva da Organização das Nações Unidas (ONU) em sua casa, onde fez uma denúncia firme sobre os projetos que estavam ameaçando a Amazônia. 

A repercussão foi tão grande que chamou a atenção de organizações internacionais, como o Senado dos Estados Unidos e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Poucos meses depois, ele recebeu o Prêmio Global 500 da ONU em reconhecimento ao seu ativismo ambiental.

Nos últimos anos de sua vida, Chico Mendes participou da implantação das primeiras reservas extrativistas no Acre, mas sua perseguição se intensificou enquanto ele percorria o Brasil, dando palestras e participando de eventos. 

Segundo o ativista Rodrigues, Chico viveu sob “constante anunciação de sua morte”. As ameaças que ele sofria eram amplamente conhecidas, e ele próprio denunciava abertamente quem eram seus perseguidores. 

Em 1988, Chico Mendes foi assassinado em sua casa, no Acre, tornando-se um mártir da luta ambiental e social.

Qual era o contexto político e social em que Chico Mendes estava situado?

Na década de 1970, com o preço da borracha em baixa e incentivados pelo governo federal, pecuaristas de outras regiões do Brasil começaram a se interessar pelas terras de floresta do Acre. 

Os donos das terras, onde cresciam seringueiras e castanheiras, começaram a vender suas propriedades às escondidas, permitindo que os novos proprietários desmatassem a floresta para transformá-la em pasto.

Isso fez com que as famílias que dependiam da floresta para sua sobrevivência fossem expulsas de suas casas, que muitas vezes eram incendiadas.

Esse cenário fazia parte de uma estratégia do governo militar, que estava no poder entre 1964 e 1985 e acreditava que era preciso “integrar” a Amazônia ao resto do Brasil, sob o lema “integrar para não entregar”

Durante esse período, o governo adotou uma política de ocupar as regiões da Amazônia que considerava “vazias” e sem controle, criando estradas como a Transamazônica (BR-230) e a BR-364. 

Além disso, ofereceu incentivos fiscais para grandes fazendeiros e empresas agropecuárias, para estimular a colonização da região. O governo argumentava que essa ocupação traria progresso e desenvolvimento para as regiões Norte e Centro-Oeste, que eram vistas como isoladas. 

No entanto, na prática, a política causou grandes problemas para as comunidades que já viviam na Amazônia há muito tempo.

Para os povos indígenas, ribeirinhos e seringueiros, que sempre viveram nessas áreas, a chegada de fazendeiros e empresas significava uma ameaça à sua sobrevivência. 

As queimadas, o desmatamento em larga escala e a expulsão de famílias geraram muitos conflitos e agravaram a situação dessas comunidades. 

Além disso, não havia políticas de proteção ambiental nem reconhecimento dos direitos das pessoas que viviam na região, o que piorava ainda mais a situação.

Foi nesse contexto de tanta pressão que Chico Mendes e outros seringueiros começaram a organizar a luta pela preservação da floresta. 

A união entre movimento sindical e ambiental

Em março de 1976, Chico Mendes, com a ajuda de outros seringueiros, organizou o primeiro “empate” no Seringal Carmen. O “empate” era uma estratégia de resistência que consistia em reunir homens, mulheres e crianças sob a liderança dos sindicatos para impedir o desmatamento da floresta. 

Imagem de Chico Mendes já na meia idade.
Chico Mendes. Imagem: BBC News.

Durante os empates, os seringueiros se colocavam na frente dos tratores e motosserras que os fazendeiros estavam usando para derrubar a floresta. Eles alertavam os trabalhadores (os “peões”) que estavam ajudando no desmatamento de que, ao destruir a floresta, estavam prejudicando as famílias que dependiam da mata para viver. 

Ofereciam aos trabalhadores a chance de trabalhar nas “estradas de seringa” e expulsavam aqueles que estavam destruindo a floresta. Essa prática de resistência se tornou um símbolo da luta dos seringueiros.

Veja também: O que é educação ambiental?

Chico Mendes continuou a organizar os empates, mesmo quando o governo começou a criar projetos de colonização, que ele via como uma forma de forçar os seringueiros a se tornarem agricultores, limitados a pequenas parcelas de terra. 

Esses projetos, na visão de Chico, enfraqueciam a luta pela floresta, transformando-a em uma luta por terras, e não pela preservação da natureza. Chico acreditava que o trabalho dos seringueiros estava diretamente ligado à floresta, e não à terra em si. 

Para ele, mais importante que lutar por terras, era lutar para proteger a floresta. E foi essa convicção que fez com que ele ganhasse o apoio tanto dos seringueiros quanto dos ecologistas, apesar de sua desconfiança inicial com os ambientalistas.

Essa parceria entre os seringueiros e os ecologistas foi fundamental para a luta pela preservação da floresta. Chico Mendes formulou a ideia de que “não há defesa da floresta sem os povos da floresta”, o que se tornou um dos pilares de sua luta. 

A proposta das Reservas Extrativistas, criada por ele e seus companheiros, foi uma verdadeira inovação na forma de preservar o meio ambiente, pois ela permitia que as comunidades que já viviam na floresta continuassem a viver e a trabalhar nela de forma sustentável, sem precisar abandonar suas tradições.

Embora a proposta fosse inovadora, ela enfrentou resistência de fazendeiros, grileiros (pessoas que tomam posse de terras ilegalmente) e de parte do setor político, que temiam perder o controle sobre as grandes áreas de terra. 

Mesmo assim, a ideia das Reservas Extrativistas foi muito bem recebida, tanto no Brasil quanto no exterior, porque mostrava que era possível conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, desafiando a ideia de que crescimento e preservação sempre entram em conflito.

Chico Mendes também teve um papel importante como líder sindical, tendo sido dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Conselho Nacional dos Seringueiros. Ele acreditava que a luta dos seringueiros não era apenas uma questão local, mas algo que impactava o mundo inteiro. 

O conflito com os poderes locais

Com o aumento da visibilidade de suas propostas, Chico Mendes passou a ser visto como um obstáculo por setores poderosos do agronegócio, especialmente no Acre. 

Fazendeiros e políticos locais se sentiram ameaçados pela ideia de reservar áreas inteiras da floresta para uso sustentável, o que contrapunha seus interesses de expansão da pecuária e da agricultura intensiva.

Chico passou a receber ameaças constantes. Ele denunciava grilagens, desmatamento ilegal e violência contra os trabalhadores da floresta. Em diversas ocasiões, enviou cartas às autoridades pedindo proteção, mas foi ignorado.

A figura principal do texto próxima a uma árvore.
Chico Mendes na floresta amazônica. Imagem: CNN.

Para os seringueiros e defensores ambientais, Chico era uma voz indispensável que trazia visibilidade internacional à causa. Já para empresários rurais, ele era visto como um ativista que dificultava o progresso econômico e trazia interferência externa aos assuntos locais.

Essa polarização cresceu nos anos finais da década de 1980, quando Chico participou de conferências internacionais e ganhou prêmios pela sua atuação. Sua figura passou a representar o confronto direto entre dois modelos de desenvolvimento.

O assassinato de Chico Mendes

Em 22 de dezembro de 1988, uma semana após completar 44 anos, Chico Mendes foi assassinado com um tiro no peito em sua casa, em Xapuri, no Acre. 

O crime foi encomendado pelo fazendeiro Darly Alves da Silva e executado por seu filho, Darci Alves Pereira, visando eliminar Chico como obstáculo à expansão do agronegócio na região.

Chico já havia sido jurado de morte anteriormente. Segundo o jornalista Alex Shoumatoff, em seu livro O Mundo em Chamas, Chico soubera que estava “liquidado” desde maio de 1988 e já havia sobrevivido a cinco atentados antes de ser finalmente assassinado.

Sua morte não só representou a perda de um líder sindical, mas também enfraqueceu o movimento ambientalista, que ganhava força tanto no Brasil quanto no mundo. 

O assassinato gerou repercussão internacional, com organizações como a ONU e o Greenpeace denunciando como uma grave violação dos direitos humanos. 

A pressão resultou na prisão e condenação dos responsáveis, o que foi raro em casos de violência no campo. Em 1990, Darly e Darci Alves foram condenados a 19 anos de prisão, mas fugiram em 1993, sendo recapturados três anos depois.

Em 2023, Darci Alves, agora conhecido como pastor Daniel, assumiu a presidência do Partido Liberal (PL) em Medicilândia, no Pará, mas foi destituído do cargo após o fato ser divulgado. Ele afirmou: “Já paguei pela minha vida do passado.”

A morte de Chico Mendes expôs a violência enfrentada por defensores ambientais no Brasil. Em setembro de 2023, a ONG Global Witness revelou que 20% dos assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo ocorreram na Amazônia

No Brasil, em 2022, foram 34 assassinatos, incluindo os de Bruno Pereira e Dom Phillips, e 376 ativistas morreram na última década defendendo a terra e o meio ambiente. 

O assassinato de Chico, embora tenha fortalecido o movimento ambientalista global, também gerou reações de setores econômicos e políticos pressionados pelas críticas internacionais.

O legado de Chico Mendes

O legado de Chico Mendes foi fundamental para a criação das reservas extrativistas, um modelo de conservação que permite o uso sustentável da terra pelas populações tradicionais, sem a destruir. 

Esse modelo, que surgiu com Chico, foi oficializado após sua morte, em 1990, e hoje protege vastas áreas de floresta e garante o sustento de milhares de famílias. As reservas extrativistas, reconhecidas pelo Ministério do Meio Ambiente, preservam tanto as terras indígenas quanto as culturas locais, como a dos seringueiros.

Com uma extensão de 970 mil hectares, abrangem várias localidades do Acre, como Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri.

Vale destacar sua capacidade de formar alianças entre grupos diversos, como indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais, que antes estavam em conflito. Sua habilidade em reunir essas populações em prol da preservação e dos direitos humanos se tornou um dos pilares de sua luta. 

O trabalho de Chico também inspirou a criação de políticas públicas que protegem a floresta e as populações tradicionais, incluindo o reconhecimento da função social da terra pela Constituição de 1988 e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável por gerir as unidades de conservação federais.

Sua filha, Ângela Mendes, e sua neta, bióloga e ativista, continuam a lutar pela preservação da Amazônia e pelos direitos humanos, com projetos como “Vozes pela Ação Climática Justa”.

Em 2004, Chico Mendes foi consagrado como Herói da Pátria, sendo incluído no Livro dos Heróis da Pátria. Em 2013, 25 anos após sua morte, recebeu o título de Patrono Nacional do Meio Ambiente.

No entanto, seu legado ainda gera disputas, especialmente entre ambientalistas, que o veem como um ícone, e o agronegócio, que argumenta que as restrições ambientais prejudicam o crescimento econômico.

Agora conhece melhor a história de Chico Mendes? Se ficou alguma dúvida, deixe nos comentários!

Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!

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Conteúdo escrito por:

Júlia Christina Gírio Gonçalves

Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!.
Gonçalves, Júlia. Quem foi Chico Mendes e o que ele tem a ver com o movimento ambiental?. Politize!, 8 de agosto, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/chico-mendes/.
Acesso em: 8 de ago, 2025.

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