Em 1560, na Alemanha, governantes e pesquisadores já discutiam sobre sustentabilidade e uso racional das florestas. Contudo, as primeiras discussões em escala global sobre os impactos socioambientais causados pelo modelo econômico pautado no crescimento e na produtividade só surgiram a partir do século XX. Desde então conceitos como “desenvolvimento sustentável” e “decrescimento” surgiram para conectar ecologia e economia.
Dentro dos movimentos sociais e da academia surgiram discussões pautadas nas preocupações em torno da finitude dos recursos naturais. O objetivo era debater outros modelos de desenvolvimento coerentes com os limites da natureza.
Neste texto, a Politize! traz algumas questões sobre o debate envolvendo política, economia e ecologia. Em um mundo globalizado e tecnológico, como surge uma proposta de decrescimento e o que isso quer dizer? Continue a leitura para entender o que essa teoria propõe.
Uma proposta para o decrescimento na contramão do desenvolvimentismo
O desenvolvimentismo compreende que existe uma relação direta entre o setor industrial e o desenvolvimento de uma economia avançada. Dentre os objetivos desse pensamento, reverter o subdesenvolvimento e acelerar o crescimento através do incentivo à indústria se destacam.
Em contrapartida, desde 1990, são três os setores que mais crescem nas emissões de gases de efeito estufa: o transporte, a construção e os processos industriais. Sendo que a indústria aumentou em 174% suas taxas de emissões. Será que a natureza suporta esse ritmo de desenvolvimento?
Em abril de 1968 o economista e empresário, Aurélio Peccei, reuniu 30 pesquisadores de dez países em Roma para debater os desafios da humanidade. Esse encontro originou o Clube de Roma, que, em 1972, publicou o relatório “Os limites do crescimento”. Através desse documento, os especialistas queriam destacar a necessidade de promover planos de ação conciliadores. Os planos deveriam envolver crescimento econômico, justiça social e preservação ambiental.
Em 1983, o interesse internacional pela temática culminou em outros relatórios. A equipe da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi composta por 22 membros internacionais. Dentre eles, ministros de estado, cientistas e diplomatas. Após a formação da Comissão foi publicado o documento denominado “Nosso Futuro Comum“. A partir da sua divulgação, o conceito de desenvolvimento sustentável se difundiu através de políticas nacionais e internacionais.
Leia mais sobre a Conferência que aconteceu no Brasil: ECO-92.
Contexto sociopolítico
Segundo o documento publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), denominado “Trajetória da Governança Ambiental”, depreende-se três grandes aspectos das Conferências e dos acordos ambientais globais:
- As propostas de políticas públicas estão cada vez mais abrangentes;
- Os cenários e os alertas são cada vez mais catastróficos;
- As tomadas de decisões de políticas públicas estão em nível muito inferiores às propostas e aos acordos firmados.
Apesar disso, é incontestável que a eficiência ecológica tenha aumentado de maneira notável. O problema é que também aumenta a degradação global motivada pelo crescimento econômico.
As primeiras discussões sobre decrescimento econômico surgiram na década de 1970. As críticas de Nicholas Georgescu-Roegen à economia neoclássica o levaram a ser considerado “pai do decrescimento”. Apesar disso, o conceito só emergiu no contexto político europeu a partir dos anos 2000.
A sociedade do crescimento é aquela em que o crescimento econômico é seu objetivo primordial. Percebe-se, entretanto, que esse modelo de desenvolvimento não pode ser sustentável. É imprescindível considerar a esgotabilidade dos recursos naturais dentro dos modelos político-econômicos que regulam o mercado mundial. Do contrário, haverá nova crise sempre que determinado recurso estiver em risco. Assim, a escassez dos recursos ameaça não só o equilíbrio ecológico, mas também a economia.
Em defesa da importância dos recursos, a sustentabilidade, a preservação e a conservação estão intimamente relacionadas. Nesse contexto, a Primeira Conferência Internacional sobre o Decrescimento Econômico para a Sustentabilidade Ecológica e a Equidade Social foi realizada em Paris no ano de 2008. Uma das principais críticas realizadas à sociedade do crescimento diz respeito à noção ilusória de bem-estar pautado no consumo material.
Outra crítica à sociedade do crescimento é sua relação com o aumento das desigualdades e injustiças. Embora Europa, América do Norte, Japão, Austrália e Nova Zelândia representem menos de 20% da população mundial, eles consomem mais de 86% dos recursos naturais globais.
Entenda mais sobre o padrão de consumo de sociedades modernas capitalistas: Consumismo: você sabe o que é isso?
Principais teóricos que defendem o decrescimento
Jason Hickel define o decrescimento como a redução planejada do uso de recursos. Segundo este antropólogo, a estratégia deve ser adotada prioritariamente em países de alta renda. Essa priorização visa sobretudo balancear a economia global. Hickel também defende a diminuição das indústrias e do padrão de consumo, além da proibição da obsolescência programada. Esse fenômeno industrial e mercadológico ocorre quando o produto é produzido com seu ciclo de vida útil reduzido propositalmente. A obsolescência programada surgiu nos países capitalistas para incentivar o consumismo.
Serge Latouche é um dos teóricos mais influentes associados à teoria do decrescimento. Seu primeiro livro amplamente reconhecido como marco na teoria do decrescimento é “A Irracionalidade da Razão Econômica”, em tradução livre. É considerada uma das primeiras obras a articular a ideia do decrescimento como alternativa ao crescimento econômico ilimitado.
Esse filósofo revisa adjetivos como “ecológico” e “sustentável” empregados com caráter ideológico do desenvolvimento e os categoriza como “armadilhas”. Para o autor, o intuito desses adjetivos é mascarar os interesses do capital por trás da ilusão de um interesse geral. O mau uso dessas categorias significaria o progresso de um “capitalismo renovado”, que pretende ser ético e responsável. Entretanto, o que se percebe é a violação de princípios éticos e políticos. O incentivo ao desenvolvimento de tecnologias enunciadas como ecológicas, a exemplo da energia nuclear, seguramente viola o princípio da prevenção.
O Princípio da Prevenção foi estabelecido no Princípio 7 da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972. A importância do princípio se dá pelo dever de vigilância em prevenir a ocorrência de danos irreversíveis e transfronteiriços.
O que a teoria propõe
A teoria do decrescimento é fundamentada no abandono da ideia de crescimento ilimitado. Sua principal crítica aponta a utilização do Produto Interno Bruto (PIB) como principal indicador de progresso econômico. Para isso, é sugerida a adoção de outros indicadores que levem em consideração fatores como saúde, educação e desigualdade. A teoria vai além de reduzir as taxas de crescimento econômico, propõe deixar de crescer. A proposta é centrada em desassociar duas ideias: bem-estar social e crescimento econômico.
Os teóricos também incentivam o desenvolvimento de políticas monetárias regionais. Recursos como moedas locais, sociais ou complementares conjugam necessidades não atendidas com recursos inutilizados por falta de demanda. Esse fortalecimento da economia local tende a gerar redes de apoio e desenvolver um sentimento de pertencimento, que contribuem para o bem-estar coletivo. Outro aspecto positivo é a possibilidade de diminuição da taxa de desemprego a partir da construção dessa economia local mais autônoma.
A proposta central é, portanto, abandonar o objetivo político da expansão econômica. Compreende-se que a retração é a forma mais provável de reduzir a incidência dos efeitos da iminente catástrofe climática. Desta forma, o decrescimento não significa uma regressão do bem-estar social. Pelo contrário, está relacionado principalmente à redistribuição de recursos e à redução da desigualdade econômica. Isso pode resultar em melhoria direta ao bem-estar para aqueles que estão atualmente em situação desfavorecida ou vulnerável.
Além disso, decrescimento não significa a eliminação completa da produção de bens e serviços. Mas sim um direcionamento da produção para itens essenciais e de alta qualidade, em vez de produtos descartáveis de baixa qualidade. Soma-se a tudo isso o intuito de proteger os recursos naturais e reduzir os impactos ambientais através de práticas que garantem a qualidade de vida a longo prazo.
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Críticas à teoria
É importante ressaltar que as críticas à teoria do decrescimento não negam necessariamente a validade das preocupações socioambientais. Elas apenas questionam a viabilidade e as implicações práticas de se implementar a teoria.
Para Alexandre Schwartzman, os aspectos qualitativos do crescimento econômico não são bem observados pelos teóricos do decrescimento. O economista brasileiro argumenta que o decrescimento só poderia funcionar em pequena escala. Aplicá-lo a nível internacional poderia ser impraticável devido à complexidade e à interconexão da economia global.
Economistas neoclássicos, por sua vez, defendem que o crescimento econômico é essencial para a melhoria do bem-estar e para a redução da pobreza. Nessa perspectiva, o crescimento é visto como propulsor do aumento da renda que cria oportunidades econômicas. Por outro lado, os economistas influenciados pela Escola Monetarista, como Milton Friedman, enfatizam a importância do controle sobre a oferta monetária. Há ainda outros autores que defendem a incompatibilidade entre decrescimento e os valores do livre mercado e da liberdade individual.
Para Herman Daly e outros defensores do crescimento verde, o decrescimento seria perda de tempo. Esses economistas acreditam que os investimentos em tecnologias limpas são suficientes para equilibrar crescimento econômico e sustentabilidade ambiental. Por outro lado, cientistas que defendem o decrescimento acreditam não ser possível conciliar expansão econômica e o fim da emergência climática. Dada a relevância socioambiental da temática, não restam dúvidas que o debate em torno do decrescimento econômico é bastante complexo.
Em linhas gerais, portanto, a teoria do decrescimento econômico propõe uma revisão de paradigma. Essa revisão envolve mudanças de hábitos e de cultura, ou seja, nas esferas individual e coletiva. Para os autores que defendem a teoria, nem mesmo medidas ambientais rigorosas seriam capazes de descontinuar os efeitos climáticos do antropoceno. Por isso são propostas mudanças radicais no pensamento econômico, já que medidas exclusivamente ambientais são, a esta altura, insuficientes.
O debate segue em crescente evolução na economia e no pensamento político. O que você achou das propostas? Comente se você acredita ser possível colocar em prática essa revisão de paradigmas!
Referências:
- As Nações Unidas no Brasil – A ONU e o meio ambiente
- BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
- BRAZ, Douglas Dias; MAGNANI, Leonne. Decrescimento: Uma Revisão Teórica E Crítica. Uberlândia, MG: XII Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, 2017. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/337716328_DECRESCIMENTO_UMA_REVISAO_TEORICA_E_CRITICA>
- COSTA, Milena Leal. Decrescimento Econômico: Uma Análise Crítica. Revista Húmus, 9(26). Disponível em: <http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/11795>
- eCycle – O que é obsolescência programada?
- Folha – O que é degrowth, modelo que prega decrescimento econômico – 04/06/2022
- LATOUCHE, Serge. Existirá Uma Vida Após O Desenvolvimento? Estudos de Sociologia, [S.l.], v. 2, n. 16, p. 217-230, mar. 2014. ISSN 2317-5427.
- LATOUCHE, Serge. O decrescimento, por que e como? In: Enfrentando os limites do crescimento. Rio de Janeiro, Garamond, 2012.
- Le Monde Diplomatique – As vantagens do decrescimento
- MOTA, José Aroudo (org.). Trajetória Da Governança Ambiental. Brasília: IPEA, 2008.
- Revista Húmus – Decrescimento Econômico: Uma Análise Crítica