A senioridade no Brasil e os direitos dos idosos

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A senioridade no Brasil e os direitos dos idosos
03 maio 2022
03 / maio / 2022

A senioridade no Brasil e os direitos dos idosos

De acordo com o IBGE, em 2017 a população idosa no Brasil ultrapassou a marca de 30 milhões de pessoas, representando um crescimento de 18% em relação ao total de idosos no ano de 2012. 

Assim, pode-se interpretar que a população idosa no país está em ritmo de crescimento e, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), esse número pode chegar a mais de 50 milhões em 2050. 

Esses dados indicam a relevância da senioridade para o país e a responsabilidade que possuímos, enquanto sociedade, de ampararmos essas pessoas para que tenham uma vida digna. 

Dessa forma, é vital que os idosos tenham a sua proteção social garantida. Para isso, a senioridade é resguardada pelos direitos dos idosos presentes na legislação nacional, prevendo normas que garantem a qualidade de vida à essa população. 

Sendo assim, neste texto do Equidade vamos entender melhor quais são esses direitos e como a senioridade é protegida no Brasil.  

O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, a Civicus e o Instituto Mattos Filho voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado(a) para entender a senioridade e os direitos dos idosos no Brasil? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

Breve contexto histórico sobre a senioridade no país

O desenvolvimento de políticas públicas para a pessoa idosa no Brasil ganhou destaque apenas nas últimas décadas. Sendo assim, até o século XX, muitas das necessidades dos idosos não eram garantidas pelo Estado

Até esse período, as ações voltadas à senioridade possuíam um caráter assistencialista, em um tratamento legitimado pela concepção que a sociedade possuía em relação ao envelhecimento. 

Isso porque, tanto no Brasil, quanto no mundo, existia a visão de que os idosos formavam uma categoria “inútil” e “improdutiva” da sociedade, representando uma discriminação por conta da idade avançada.

Nesse sentido, como aponta o doutor em epidemiologia do envelhecimento, Renato Peixoto, e a ex-diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Martha Oliveira, a concepção que prevalecia no Brasil sobre a senioridade, no início do século XX, era a de segregação.

Como consequência, a prática de internações em asilo se tornou comum, em uma lógica que ocultava os problemas sociais, econômicos e políticos envolvidos com a população idosa. Assim, o Serviço Social do Comércio (SESC) de São Paulo foi pioneiro no país a inaugurar um trabalho social voltado para os idosos a partir da década de 1960. 

Desse modo, conforme a mestre em gerontologia, Maria Alice Nelli Machado, a preocupação com a senioridade no país era quase que exclusiva dos especialistas dos campos médico/sociais e da demografia.

Com isso, na década de 70 surgiram iniciativas de reivindicação de proteção social para a população idosa. Como, por exemplo, a realização de seminários promovidos pelo SESC, que resultaram no documento Políticas para a terceira idade – Diretrizes Básicas.

O documento relatava a situação dos idosos no país e destacava a necessidade da criação de políticas de proteção do idoso por parte do Estado. Contudo, somente na década seguinte essa reivindicação se materializou, com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

A conquista dos direitos dos idosos no Brasil

A Constituição de 1988 representou o primeiro documento jurídico a romper com a visão assistencialista aos idosos, com a incorporação do direito de cidadania para essa população e as ideias de igualdade e combate à discriminação.

Isso fica estabelecido especialmente pelo artigo 230, que determina a sua inclusão na comunidade, sua dignidade, seu bem-estar e seu direito à vida. Tudo isso por meio do auxílio do Estado, da sociedade e com foco no acolhimento familiar.

Imagem de um casal de idosos com duas crianças no colo representando a senioridade no Brasil e os direitos dos idosos

Assim, os direitos dos idosos foram reconhecidos no Brasil e, com o objetivo de promover e garantir as diretrizes da Constituição, em 1993 foi elaborada a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742)

Essa lei passou a garantir aos idosos que não tenham meios de subsistência um salário mínimo mensal, prevendo também que esse direito não será prejudicado em casos de acolhimento institucional de longa permanência.

Foi também nessa década que surgiu a Política Nacional do Idoso, por meio da Lei nº 8.842, definindo os princípios nos quais as políticas voltadas para a senioridade deveriam seguir. Sendo eles:

  • a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
  • o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos;
  • o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;
  • o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política;
  • as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei.

Assim, como forma de concretizar parte desses princípios, no ano 2000 entrou em vigor a Lei nº 10.048, que determinou o atendimento prioritário aos idosos nas repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos. Ou seja, os idosos devem ser atendidos primeiro em locais como lotéricas, agências bancárias, hospitais, postos de saúde, entre outros.

Contudo, ainda era visto como essencial a construção de um marco regulatório que abrangesse todos os direitos e garantias fundamentais à população idosa, ampliando os mecanismos de proteção e amparo à senioridade. Assim, em 2003, foi elaborado o Estatuto do Idoso.

O Estatuto do Idoso

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741) entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2004, tendo como objetivo central não apenas regular os direitos dos idosos no país, mas também efetivar o seu cumprimento. 

Dessa forma, é a lei mais completa na garantia dos direitos para pessoas com 60 anos ou mais no Brasil, integrando e consolidando em seus dispositivos os direitos conferidos pelas demais leis para a construção de um ambiente propício e favorável à senioridade.

Assim, o Estatuto garante direitos referentes à saúde, à vida, à educação, à liberdade, à cultura, ao esporte, à profissionalização e ao trabalho, à previdência social, ao lazer, à habitação, à assistência social, ao transporte, ao atendimento prioritário, a não-discriminação, entre outros.

Vamos ver melhor alguns desses direitos.

Direito à liberdade, ao e à dignidade

A lei determina como obrigação do Estado e da sociedade garantir a liberdade, o respeito e a dignidade da pessoa idosa. Assim, esse direito compreende aspectos como a faculdade de ir e vir, a livre opinião e expressão, a crença e culto religioso, a prática de esportes, a participação na vida familiar e comunitária, a participação na vida política e a faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação. 

Um exemplo prático desse direito é a participação de pessoas idosas em eleições democráticas, tanto como eleitores, quanto como candidatos a cargos públicos, preservando o exercício de sua cidadania.

O direito ao respeito, por sua vez, consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais dos idosos.

Direito à saúde

Em relação à saúde, o Estatuto do idoso prevê que o Estado deve fornecer atenção integral à saúde do idoso, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, deve oferecer gratuitamente medicamentos, próteses, órteses e outros recursos necessários ao tratamento do idoso. 

Assim, inclui também a possibilidade de atendimento domiciliar, abrangendo a internação, para os idosos que necessitarem e estejam impossibilitados de se locomover, inclusive para idosos acolhidos em instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos.

Imagem de dois enfermeiros cuidando de um homem idoso e ajudando ele para andar, representando a senioridade no Brasil e os direitos dos idosos

Além disso, importante destacar o artigo 15, parágrafo 3º, que veda a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Assim como o parágrafo 4º, que garante aos idosos com deficiência o atendimento especializado, conforme suas necessidades.

Direito à profissionalização e ao trabalho

Fica estabelecido que o Estado deve criar programas de profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas. 

Além disso, deve fornecer estímulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho. Nesse sentido, merece destaque o artigo 27, que proíbe a discriminação na admissão do idoso em qualquer emprego, inclusive para concursos, exceto nos casos em que a natureza do cargo exija.

Direito à alimentação e habitação

Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, é obrigação do Poder Público efetivar esse provimento, no âmbito da assistência social. 

Em relação à habitação, o idoso tem direito à moradia digna e, nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, terá prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria.

Outros direitos e leis de proteção à senioridade

Para além dos direitos citados, o Estatuto do Idoso também tipifica crimes no que diz respeito à violação dos direitos dos idosos. Dentre eles, destaca-se o artigo 96, que determina pena de 6 meses a 1 ano e multa em casos de discriminação e o artigo 97, que estabelece pena de 6 meses a 1 ano e multa para quem deixar de prestar assistência aos idosos.

Ressalta-se também o artigo 99, que determina pena de 2 meses a 1 ano e multa para quem expor a perigo a integridade e a saúde do idoso. E o artigo 102, que estabelece pena de 1 a 4 anos e multa para quem se apropriar ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer rendimento do idoso.

Por fim, a legislação nacional também conta com o Fundo Nacional do Idoso (Lei nº 12.213), adotada em 2010, no qual é destinado a custear programas e ações voltadas à garantia dos direitos sociais dos idosos. Isso ocorre por meio da captação de recursos no âmbito da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.

Desafios da senioridade no Brasil

Bem, todos os direitos comentados até aqui só possuem sentido e função social se sentidos na prática pela população idosa do país. Contudo, fato é que a população idosa do Brasil está aumentando e há diversos desafios que dificultam a implementação desses direitos.

No âmbito econômico, os idosos foram os mais afetados pela pandemia de Covid-19. De acordo com a Agência Brasil, com base em dados de 2021 da Fiocruz, houve diminuição de renda em quase metade dos domicílios dos idosos, especialmente entre os mais pobres. 

Entre os idosos que trabalhavam sem carteira assinada, a queda ocorreu em 79,8% dos lares e a ausência de renda ocorreu em 55,3%. Além disso, segundo reportagem do G1, com base em dados do IBGE, entre 2019 e 2020 mais de 400 mil brasileiros com 50 anos ou mais ficaram desempregados.

Em relação à violência, os casos de agressões e abusos contra idosos também aumentaram. Segundo a Agência Brasil, com base em dados do Disque 100 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), houve um aumento de 53% entre 2019 e 2020 no número de denúncias de violência. 

Ainda segundo a Agência Brasil, somente no primeiro semestre de 2021, foram registradas 33,6 mil denúncias de violência contra pessoas idosas. Na tentativa de combater essas violações, existem os Conselhos dos Idosos, tanto nacionais, como estaduais e municipais.

Os conselhos possuem diversas funções, dentre elas a de receber casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos. Outra forma de denunciar essas violações é pelo Disque 100 do MMFDH, já comentado.

Conclusão

O reconhecimento dos direitos e do respeito à dignidade das pessoas idosas corresponde a uma obrigação do Poder Público. Nesse sentido, as leis garantidoras desses direitos, como o Estatuto do Idoso, não são o fim, mas o meio pelo qual a proteção da senioridade pode ser efetivada.

O fim, a finalidade maior, é a defesa e aplicação desses direitos, em uma constante preservação da qualidade de vida e do bem-estar da população idosa no país, de forma a garantir o seu desenvolvimento em condições de liberdade.

Isso porque assegurar uma vida digna aos indivíduos na senioridade é o mínimo que nós, enquanto sociedade, precisamos fazer para aqueles que ajudaram a construir a estrutura e as condições sociais, políticas e econômicas em que vivemos hoje.

Nesse sentido, muito em vista do aumento de vulnerabilidades ocasionada pelo avanço da idade, uma das maneiras de garantirmos o bem-estar dessa população é assegurando o seu acesso à saúde. Por isso, no próximo texto do Equidade, vamos falar sobre a geriatria e a promoção da saúde aos idosos. Não perca!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos dos Idosos“, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Andreza Ometto Coury
Anne Costa Bittencourt Andrade
Eduardo de Rê
Gabriela Gomide Runha
Maria Augusta Micheletti Thiago
Paula Calheiros da Costa

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

2- Agência IBGE Notícias. Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017. IBGE, 2018. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017>. Acesso em: 02 de fevereiro de 2022.

3- CAMPOS, Ana C. Estudo mostra queda na renda dos idosos durante pandemia. Agência Brasil, 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-03/estudo-mostra-queda-na-renda-dos-idosos-durante-pandemia>. Acesso em: 04 de fevereiro de 2022.

4-  CEDENHO, Antônio C. O idoso como novo personagem da atual sociedade: o Estatuto do Idoso e as Diretrizes para o Envelhecimento no Brasil. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidade e Direito, vol. 11, nº 11, 2014. 

5- Constituição Federal de 1988.

6- Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741), 2003.

7- Fundo Nacional do Idoso (Lei nº 12.213).

8- GANDRA, Alana. Aumentam casos de violência contra pessoas idosas no Brasil. Agência Brasil, 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-06/aumentam-casos-de-violencia-contra-pessoas-idosas-no-brasil>. Acesso em: 04 de fevereiro de 2022.

9- G1. ‘Chego com experiência, mas querem juventude’: desemprego entre os mais velhos dispara com pandemia. 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2021/03/15/chego-com-experiencia-mas-querem-juventude-desemprego-entre-mais-velhos-dispara-com-pandemia.ghtml>. Acesso em: 04 de fevereiro de 2022.

10- Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742), 1993.

11- MACHADO, Maria A. N. História da luta pelos direitos sociais dos idosos. Ger-Ações Pesquisas e Ações em Gerontologia. Disponível em: <https://www.geracoes.org.br/historia-da-luta-pelos-direitos-sociais-dos-idosos>. Acesso em: 03 de fevereiro de 2022.

12- Organização das Nações Unidas. World Population Prospects 2019. Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais. Disponível em: <https://population.un.org/wpp/>. Acesso em: 02 de fevereiro de 2022.

13- Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842), 1994.

14- VERAS, Renato; OLIVEIRA, Martha. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciência & Saúde Coletiva, 23(6): 1929-1936, 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/snwTVYw5HkZyVc3MBmp3vdc/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 03 de fevereiro de 2022.

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