Reconhecer firma, fazer procuração, lavrar escritura, registrar testamento… tudo isso passa pelo tabelião. Esse profissional confere documentos, formaliza a vontade das partes e confere validade ao que foi combinado, evitando que um problema simples acabe no Poder Judiciário.
Apesar da importância do trabalho, ainda há muita confusão de termos. Tabelionato, cartório, escritura, registro e notas são apenas alguns que costumam gerar dúvida. Neste texto, vamos traduzir tudo sem juridiquês, com exemplos simples do dia a dia e mostrar por que essa pode ser uma ótima carreira!
O Guia das Carreiras Jurídicas, uma iniciativa do Instituto Mattos Filho em parceria com a Civicus e a Politize!, busca democratizar o conhecimento jurídico e orientar quem deseja explorar as diversas áreas do Direito, construindo uma carreira com propósito e impacto.
Tabelião ou notário: existe diferença?
Na prática, não há diferença. Notário é o termo técnico-jurídico para o profissional a quem o Estado delega a prática de atos notariais; tabelião é a forma mais usada no dia a dia, inclusive para quem dirige o tabelionato de notas ou o tabelionato de protesto. Em outras palavras: todo tabelião é notário, e vice-versa.
O trabalho é um só: atuar com fé pública e imparcialidade, conferir identidade, capacidade e documentos, verificar a legalidade e dar forma ao que as partes acordaram. O tabelião não representa nenhuma das partes e não decide conflitos; sua função é prevenir litígios e dar segurança jurídica.
Em síntese, tabelião/notário é o profissional do Direito, dotado de fé pública, a quem o Estado delega a prática de atos notariais, isto é, documentar vontades e fatos com forma legal, conferindo autenticidade, publicidade e eficácia.
Nesta carreira, as ações são disciplinadas pela Lei nº 8.935/1994 (Estatuto dos Notários e Registradores) que equipara as denominações e define papéis e responsabilidades. Trata-se de serviço de natureza privada por delegação do Poder Público, acessado por concurso e fiscalizado pelo Judiciário.
Tipos de tabeliães
Antes de seguir, vale diferenciar as duas frentes típicas de atuação:
- Tabelião de Notas: responsável por transformar acordos e vontades em documentos públicos válidos, conferindo identidades e papéis, checando a legalidade e explicando as consequências, sempre com fé pública e imparcialidade.
- Tabelião de Protesto de Títulos: cuida de dívidas documentadas que não foram pagas no prazo. Recebe o título, notifica o devedor e, se não houver pagamento, registra o protesto, isto é, a prova oficial do atraso; depois, faz a baixa quando a dívida é quitada.

Crédito: Wikimedia Commons.
O que faz o tabelião no dia a dia?
A rotina de trabalho varia conforme o tipo de tabelionato. Veja como funciona em cada caso:
- Tabelião de Notas
O dia a dia desse profissional é dar forma legal às vontades e negócios das pessoas. Para facilitar, pense em três grandes atos:
- Escuta qualificada e orientação formal (sem consultoria contenciosa)
Nas conversas de balcão e em atendimentos agendados, o tabelião identifica a vontade das partes, confirma a capacidade e verifica documentos. A orientação é técnica e imparcial, para que o ato saia válido e eficaz, sem substituir a advocacia contenciosa. - Lavratura de atos com fé pública
Atos como escrituras, procurações, testamentos e atas notariais são redigidos, assinados e guardados conforme regras específicas. Hoje, graças à transformação digital, muitos podem ser feitos de forma eletrônica (com videoconferência, assinaturas digitais e registros online), seguindo o Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial (Provimento CNJ nº 149/2023). - Autenticações e reconhecimento de firmas
São atos mais rápidos, mas regidos por regras estritas de conferência e registro. Essa “camada de confiança” evita fraudes e facilita a vida de cidadãos e empresas em cadastros, contratos e serviços públicos.
- Tabelião de Protesto de Títulos
Tem uma função bem mais específica: lidar com dívidas não pagas. A rotina também pode ser entendida em três atos:
- Recebimento e análise do título ou documento de dívida;
- Intimação e protesto: o devedor é notificado e, se não pagar, o atraso é registrado oficialmente;
- Cancelamento e certidões: quando a dívida é quitada (ou por ordem judicial), o protesto é baixado; certidões são emitidas para comprovar a regularidade da situação.
Estrutura de trabalho
A serventia é a unidade de prestação do serviço notarial ou registral: um espaço físico (e agora também digital) onde a atividade acontece, com livros, sistemas, equipe de apoio e estrutura organizacional.
No dia a dia, a serventia é composta por:
- Titular: tabelião concursado que recebeu a delegação. Se não houver, o cartório é administrado provisoriamente por um interino até a posse do titular definitivo;
- Substitutos: auxiliam e substituem o titular em seus afastamentos;
- Escreventes e auxiliares: responsáveis pelo atendimento direto, lavratura de atos e apoio administrativo.
Cada estado (e o DF) publica normas próprias, harmonizadas com o Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial para uniformizar os procedimentos.
Passos para ingressar na carreira de tabelião
A referida carreira é acessada exclusivamente por concurso público de provas e títulos, organizado pelo Tribunal de Justiça do Estado (ou pelo TJDFT, no Distrito Federal), conforme estabelece a Resolução CNJ nº 81/2009.
Trata-se de um serviço público delegado: o cartório é do Estado, mas sua gestão é entregue a um particular aprovado em concurso (o chamado delegatário), que exerce a atividade em caráter privado, porém sob normas e fiscalização do Poder Judiciário (Corregedorias-Gerais e Conselho Nacional de Justiça).
Requisitos para participar do concurso
- Bacharelado em Direito; ou
- Dez anos de exercício em serviço notarial ou registral até a data da primeira prova (para candidatos sem diploma de Direito).
Etapas do concurso
- Publicação do edital pelo Tribunal de Justiça (com vagas novas e por vacância, quando um cartório fica sem titular);
- Provas sucessivas: objetiva (múltipla escolha), escrita/prática (peças e questões), prova oral e análise de títulos;
- Classificação: lista final com a pontuação dos aprovados;
- Escolha da serventia: conforme a ordem de classificação e regras do edital;
- Outorga de delegação: ato formal que confere ao candidato o direito de assumir o cartório.
Após a aprovação, o novo tabelião assume a serventia, ou seja, o cartório que lhe foi delegado pelo Estado. A partir daí, ele pode:
- Estruturar e organizar a serventia: definir processos de atendimento, contratar e treinar equipe, implantar rotinas administrativas e jurídicas;
- Investir em tecnologia e qualidade: adotar sistemas eletrônicos, modernizar o atendimento e buscar mais eficiência;
- Participar de cursos, associações e entidades de classe: trocar experiências e atualizar-se, lembrando que essas organizações são opcionais e não substituem a fiscalização oficial feita pelo Poder Judiciário;
- Concorrer em editais de remoção: participar de concursos internos que permitem a transferência para outra serventia, observando critérios de classificação e regras do edital.
Competências e habilidades essenciais
Ser tabelião é saber transformar normas complexas em confiança para a sociedade. A rotina exige precisão técnica, sensibilidade no trato com pessoas e adaptação constante às novas tecnologias que moldam o serviço notarial e registral no Brasil.
Competências técnicas
- Leitura atenta e interpretação de normas jurídicas;
- Redação clara e precisa de documentos legais;
- Organização e guarda de documentos e informações;
- Gestão de riscos e prevenção de fraudes; e
- Domínio dos atos digitais e das plataformas oficiais.
Competências comportamentais
- Atendimento ético e humanizado;
- Comunicação acessível e imparcial (escutar todas as partes de forma equilibrada);
- Atenção rigorosa a detalhes;
- Capacidade de liderar e gerir equipes; e
- Postura de confiança, sustentada pela fé pública.
Descomplicando a carreira de “tabelião” em 5 perguntas
1) Tabelião é o mesmo que registrador?
Não. O tabelião atua nos atos notariais, como escrituras, procurações, testamentos, atas notariais, reconhecimento de firmas e protesto de dívidas. Já o registrador cuida de registros públicos, como imóveis, nascimento, casamento, óbito, títulos e documentos. Ambos são profissionais do Direito, chamados de delegatários do Estado, e exercem suas funções sob a Lei nº 8.935/1994.
2) O que é “fé pública”?
É a presunção legal de veracidade: aquilo que o tabelião atesta ou certifica é considerado verdadeiro até prova em contrário. Por isso, escrituras, certidões, reconhecimentos de firma e autenticações têm força probatória qualificada.
3) Quem fiscaliza o trabalho do tabelião?
Embora o cartório seja gerido por um particular aprovado em concurso, o serviço é público e delegado. A fiscalização é feita pelo Poder Judiciário, por meio das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que define normas nacionais e supervisiona sua aplicação.
4) Preciso ter carteirinha da OAB para ser tabelião?
Não. Para ingressar na carreira de tabelião não é exigida inscrição na OAB. O requisito é ter bacharelado em Direito ou, alternativamente, comprovar dez anos de atividade em serviços notariais ou de registro até a data da primeira prova.
5) Tabelião é dono do cartório?
Não. O cartório é público, pertence ao Estado. O tabelião apenas recebe a delegação para administrá-lo após aprovação em concurso público. Isso significa que ele pode organizar a estrutura, contratar a equipe e investir em melhorias, mas sempre dentro das regras legais e sob fiscalização do Poder Judiciário. Se houver descumprimento das normas, a delegação pode ser revista ou até retirada.
Considerações finais
A carreira de tabelião é, no fundo, sobre prevenir conflitos e dar efetividade às escolhas das pessoas físicas e jurídicas. Com fé pública, esse profissional transforma vontades e negócios em atos jurídicos válidos, claros e rastreáveis, seja numa escritura pública, numa ata notarial ou no protesto de um título. Prestando seu trabalho com qualidade e ética, o tabelião reduz incertezas, evita litígios desnecessários e aproxima o Direito da vida cotidiana.
Para ocupar esse cargo, o caminho passa por concurso público de provas e títulos e pela outorga de delegação, exigindo preparo técnico, ética e atenção minuciosa aos detalhes.
No exercício da atividade, requer-se competências de redação jurídica, interpretação normativa, atendimento humanizado e gestão de rotinas, além do domínio de atos eletrônicos e plataformas digitais. É uma carreira exigente e, justamente por isso, essencial para tornar relações civis e empresariais mais seguras, céleres e transparentes.
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Este texto faz parte de uma série especial sobre as carreiras jurídicas. Ao longo dos próximos meses, você vai acompanhar materiais em diferentes formatos que explicam, de forma acessível, o papel e a importância de cada profissão no mundo do Direito.
Fique ligado(a)! Em breve vamos falar de uma carreira com nome parecido, mas com função bem diferente: o escrivão. Não perca!
Autora:
Carla da Silva Oliveira
Fontes: