O que você precisa saber sobre a Lei Maria da Penha

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Maria da Penha
Em 2016, o Congresso celebrou dez anos da Lei Maria da Penha. Imagem: CNN Brasil.

A Politize! apresenta para você um dos dispositivos mais importantes de coibição da violência contra a mulher no Brasil: a Lei 11.340 – conhecida popularmente como Lei Maria da Penha

Se preferir, você pode checar este vídeo a seguir, que é um resumo deste conteúdo, criado em parceria com o Poços Transparente. Vamos lá?

Quem é Maria da Penha?

Primeiro, vamos entender o nome dessa lei. Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica brasileira que, no ano de 1983, foi vítima de violência doméstica por severas agressões do marido, o professor universitário Marco Antonio Heredia Viveros. 

Em duas ocasiões, Heredia tentou matar Maria. Na primeira, com um tiro de espingarda, que a deixou paraplégica. Em seguida, depois de Maria passar quatro meses no hospital e realizar inúmeras cirurgias, quando voltou para casa Heredia tentou eletrocutá-la durante seu banho.

Assim, Maria pôde sair de casa graças a uma ordem judicial e iniciou uma árdua batalha para que seu agressor fosse condenado. Isso só aconteceu em 1991, mas a defesa alegou irregularidades no procedimento do júri. O caso foi julgado novamente em 1996, com nova condenação. Mais uma vez, a defesa fez alegações de irregularidades e o processo continuou em aberto por mais alguns anos. Enquanto isso, Heredia continuou em liberdade.

Em 2002, Marco Heredia foi preso, passando a cumprir a pena de 10 anos e seis meses de prisão.

E qual foi o caminho até se tornar uma lei?

Nesse tempo, Maria da Penha lançou um livro em que relata as agressões que ela e suas filhas sofreram do marido. Alguns anos depois, conseguiu contato com duas organizações: o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Tais Organizações a ajudaram a levar seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1998.

Em 2001, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Foi recomendada:

  •  A finalização do processo penal do agressor de Maria da Penha;
  •  A realização de investigações sobre as irregularidades e atrasos no processo; 
  • A reparação simbólica e material à vítima pela falha do Estado em oferecê-la um recurso adequado; 
  • A adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

O principal argumento da Corte para condenar o Brasil foi o entendimento de que a vítima, Maria da Penha, não teve acesso à justiça eficaz, pois apesar de ter movido ações no país, a justiça brasileira foi lenta em atender este caso, adiando a resolução sem justificativas evidentes e aceitando inúmeros recursos fora do prazo.

Este foi o principal motivo para a Corte intervir no caso.

Foi assim, então, que levou o Estado brasileiro  a criar um novo dispositivo legal que trouxesse maior eficácia na prevenção e punição da violência doméstica no Brasil. Em 2006, o Congresso aprovou por unanimidade a Lei Maria da Penha, que já foi considerada pela ONU como a terceira melhor lei contra violência doméstica do mundo.

Por que a Lei foi criada?

O caso de Maria da Penha não foi uma exceção. Na verdade, ele apenas deixou clarividente para o Brasil e para o mundo um problema grave da justiça brasileira: a sistemática conivência com crimes de violência doméstica e a falta de instrumentos legais que possibilitam a rápida apuração e punição desses crimes, bem como a proteção imediata das vítimas.

Antes da Lei Maria da Penha, os casos de violência doméstica eram julgados em juizados especiais criminais, responsáveis pelo julgamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo. Isso levava ao massivo arquivamento de processos de violência doméstica, conforme levantado pela jurista Carmen Hein de Campos.

Assim, na falta de instrumentos efetivos para denúncia e apuração de crimes de violência doméstica, muitas mulheres tinham medo de denunciar seus agressores. Pelo menos três fatores colaboravam para isso: 

  1. Dependência financeira do agressor; 
  2. Muitas vítimas não têm para onde ir. Por isso, preferiam não denunciar seus agressores por medo de sofrer represálias piores ao fazer a denúncia; e 
  3. As autoridades policiais muitas vezes eram coniventes com esse tipo de crime. Já que mesmo em casos em que a violência era comprovada, como foi no caso de Maria da Penha, eram grandes as chances de que o agressor saísse impune.

O que mudou com a criação da Lei?

A Lei 11.340 – sancionada em 7 de agosto de 2006 – foi inovadora em muitos sentidos. Ela criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, algo que ainda não existia no ordenamento jurídico brasileiro (apenas era prevista a criação de uma lei desse tipo no parágrafo 80 do artigo 226 da Constituição). Confira abaixo as principais mudanças promovidas pela lei.

O que mudou Antes Depois
Competência para julgar crimes de violência doméstica Crimes eram julgados por juizados especiais criminais, conforme a Lei 9.099/95, onde são julgados crimes de menor potencial ofensivo.

Questões cíveis, como divórcio, pensão, guarda dos filhos, etc, eram tratados separadamente na Vara da Família.

Os novos juizados especializados em violência doméstica e familiar são responsáveis pelos casos. 

Esses juizados também são mais abrangentes em sua atuação, cuidando também de questões cíveis (divórcio, pensão, guarda dos filhos, etc).

Detenção do suspeito de agressão Não havia previsão de decretação de prisão preventiva ou flagrante do agressor. Com a alteração do parágrafo 9º do artigo 129 do Código Penal, passa a existir essa possibilidade.
Agravante de pena Violência doméstica não era agravante de pena. O Código Penal passa a prever esse tipo de violência como agravante.
Desistência da denúncia A mulher podia desistir da denúncia ainda na delegacia. A mulher só pode desistir da denúncia perante o juiz.
Penas Agressores podiam ser punidos com penas como multas e doação de cestas básicas. Essas penas passaram a ser proibidas no caso de violência doméstica.
Medidas de urgência

Como não havia instrumentos para afastar imediatamente a vítima do convívio do agressor, muitas mulheres que denunciavam seus companheiros por agressões ficavam à mercê de novas ameaças e agressões de seus maridos. Dessa forma, não era raro que eles dissuadissem as vítimas de continuar o processo.

O juiz pode obrigar o suspeito de agressão a se afastar da casa da vítima. Além disso, o agressor ficaria proibido de manter contato com a vítima e seus familiares, se julgado que isso fosse necessário.

Medidas de assistência Muitas mulheres vítimas de violência doméstica são dependentes de seus companheiros. Não havia previsão de assistência de mulheres nessa situação. O juiz pode determinar a inclusão de mulheres dependentes de seus agressores em programas de assistência governamentais, tais como o Bolsa Família, além de obrigar o agressor à prestação de alimentos da vítima.

Outras determinações da Lei 11.340

Além das mudanças citadas acima, podem ser citadas outras medidas importantes:

  1. A mulher vítima de violência doméstica tem direito a serviços de contracepção de emergência, além de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST’s);
  2. A vítima deve ser informada do andamento do processo e do ingresso e saída da prisão do agressor;
  3. O agressor pode ser obrigado a comparecer a programas de recuperação e reeducação.

E o que a Lei alterou no contexto brasileiro?

Mesmo com a implementação da Lei Maria da Penha, ainda podemos ver que o contexto brasileiro não é nada seguro para as mulheres. De acordo com dados da pesquisa divulgada em 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022 foi o ano em que a violência de gênero explodiu.

Os feminicídios somam 1.437 casos a mais do que em relação a 2021, enquanto as tentativas de feminicídio aumentaram 16%. Além disso, 50.962 mulheres sofreram violência diariamente. Ainda de acordo com o relatório da pesquisa, o dia da semana mais comum de violência contra mulher é o domingo.

A cada cinco casos registrados no país, pelo menos um ocorreu no domingo. Os fins de semana concentraram 37% das ocorrências. Essa recorrência mostra padrões repetitivos do feminicídio e junto a essa repetição, também são comuns:

  • Autores do crime: 53,6% dos assassinos eram companheiros das vítimas e 19,4% eram ex-companheiros;
  • Local da ocorrência: 69,3% dos crimes aconteceram dentro de casa.

Isso significa que a Lei não está funcionando? Não, necessariamente. Na realidade realizar a denúncia ainda é um passo muito complicado para muitas mulheres vítimas de agressão. 

O ponto é que a violência contra as mulheres vem de uma questão muito anterior do que a própria violência: a manutenção das desigualdades de gênero. O machismo presente na sociedade brasileira é visto desde as meras relações familiares – como a divisão das tarefas domésticas – até o aumento dos números de estupros e feminicídios registrados no país em 2022. 

Assim, apesar do dispositivo ter sido um grande avanço, outras questões ainda se mantêm. Por exemplo, como aponta o IBGE, até 2018 só havia atendimento em delegacias especializadas em 8,3% dos municípios. Além disso, só havia casa de abrigo para acolher vítimas em 2,4% das cidades. Assim, como revela a diretora executiva do FBSP, “Fortalecer a confiança da mulher no poder público é um dos principais desafios a serem enfrentados no país”

Mudanças na Lei Maria da Penha

Em 2019, a Lei Maria da Penha sofreu algumas alterações. Entre elas está a modificação da Lei para permitir a apreensão imediata de arma de fogo em posse do agressor. Além disso, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) também sancionou uma medida que permite que o agressor seja imediatamente afastado do domínio sem a determinação de um juiz.

Ainda, em outubro do mesmo ano, o então presidente Bolsonaro vetou o projeto de lei que estabelecia prazo de 24 horas para a rede de saúde notificar a polícia em casos em que houver indícios de violência contra a mulher. O veto apresentou opiniões divididas. 

Por um lado, como afirma Halana Faria, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras – em entrevista para O Globo:

“A denúncia deve ser feita pela mulher, e nunca de forma compulsória por profissionais de saúde. […] Se uma mulher sabe que sua queixa de dor física e psíquica se transformará automaticamente em denúncia contra o agressor, possivelmente deixará de buscar ajuda nos serviços de saúde”. 

De outra perspectiva, para a psicóloga Letícia Gonçalves, especialista em violência contra a mulher – também entrevistada pelo O Globo:

 “A gente não pode falar de autonomia plena quando se trata de pessoas que sofrem violências. […] profissionais de saúde têm que se colocar numa posição ativa para colaborar com essa mulher violentada. Não adoto o argumento da autonomia porque, em certo sentido, isso atribui responsabilidade quase integral a mulher, como se fosse fácil ela sair sozinha da situação da violência.

Medidas para combater a violência de gênero

Em 2023, o STF invalidou o uso da “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio, tornando-o inconstitucional. Nesse sentido, a defesa não poderá mais usar deste argumento para justificar o comportamento do acusado. 

A tese da legítima defesa da honra era utilizada em casos de agressões e/ou feminicídios, alegando que a honra do agressor havia sido ferida devido a um adultério, por exemplo.

Ainda neste ano, na data em que se comemora o dia internacional da mulher, 8 de março, o Governo Federal anunciou novas medidas para combater a violência de gênero e garantir mais proteção à vida de todas as brasileiras.

Uma das políticas anunciadas foi a retomada e ampliação do Mulher Viver sem Violência, programa que busca ampliar e integrar os serviços públicos voltados às mulheres em situação de violência.

Outra ação foi a retomada da Central 180, responsável por registrar denúncias contra qualquer tipo de violência de gênero e oferecer orientações sobre como proceder diante dessas situações. A ligação para este canal é gratuita e o serviço funciona 24 horas.

Além disso, o governo anunciou a implantação de 40 unidades das Casas da Mulher Brasileira e a distribuição de 270 viaturas das Patrulhas Maria da Penha para as delegacias da Mulher em todo o país.

Por fim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um projeto de lei que prevê a instituição da data 14 de março como o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça

Importante lembrar: a Central de Atendimento à Mulher está disponível no número 180. Nesse número estarão as orientações sobre direitos e serviços para a população feminina em todo o país.

E aí, o que você acha sobre as últimas mudanças na Lei Maria da Penha? Deixe sua opinião nos comentários!

Referências:
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2 comentários em “O que você precisa saber sobre a Lei Maria da Penha”

  1. Alyson da silva castr

    Narrativa totalmente errônea.
    Maria da Penha tomou um tiro de espingarda em um assalto dentro de sua casa e tentaram matar o marido a facadas.
    Assim ela ficou paraplégica.
    Em seguida ela descobre que seu marido tinha uma amante. Daí ela começou a jogar tudo na conta do mesmo.

    Da forma que vc barra está colocando a culpa da fatalidade no marido.

  2. Voce podiam ler o processo pra saber de fato o que ocorreu. Isso que voces fizeram foi propagar fake news sobre o caso Maria da Penha

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Blume, Bruno; Ceolin, Monalisa. O que você precisa saber sobre a Lei Maria da Penha. Politize!, 30 de outubro, 2015
Disponível em: https://www.politize.com.br/lei-maria-da-penha-tudo-sobre/.
Acesso em: 9 de out, 2024.

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