O Estado é constituído por três elementos indispensáveis à sua formação: o povo, o território e o governo. A máquina pública é um conjunto de componentes destinados a auxiliar um governo no comando adequado de um Estado.
Embora o governo realize a gestão do Estado, não é possível conduzir uma nação ou uma região inteira apenas por meio de um governo. É preciso de um conjunto de pessoas, ferramentas, equipamentos, dentre outros fatores para que haja continuidade nos trabalhos.
Por isso, em um ambiente democrático, é possível que haja a troca de representantes do povo sem que os serviços públicos parem. A máquina pública é responsável por manter as engrenagens do Estado em funcionamento. Saiba mais a respeito neste artigo da Politize!
Veja também nosso vídeo sobre social-democracia!
O que é a máquina pública? Conceito e origem do termo:
Para melhor entendermos a ideia de máquina pública, é importante conhecermos a origem desse conceito. O economista John Stuart Mill foi o primeiro a empregar a ideia em seu trabalho: “Considerations on Representative Government” (1861).
Nele, o autor trata de dois conceitos distintos para a definição de instituições políticas ou de governo. De um lado, a ideia de máquina pública ou máquina do governo (machinery of government), a qual necessita da ação do homem para se desenvolver. De outro, a visão de algo que se desenvolve espontaneamente ao longo da história e está em constante evolução.
Veja também: Qual o papel do Estado no desenvolvimento da economia?
Posteriormente, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, participou de uma transmissão de rádio em 1934, comentando sobre o papel da National Recovery Administration (NRA) na entrega do New Deal.
A Agência NRA fez parte do programa New Deal, que foi um grande pacote de medidas do governo americano apoiado nas teorias keynesianas e que auxiliou na retomada econômica do país após a crise de 1929 (Quebra da Bolsa de Nova Iorque).
Durante a transmissão, Roosevelt enfatizou a importância da colaboração de empregadores e trabalhadores na reconstrução da economia do país e se referiu várias vezes ao governo utilizando-se do termo máquina pública (machinery of government).
Estado de Bem-Estar Social (Welfare State):
O modelo de liberalismo econômico, sem nenhuma fiscalização, resultou em muita especulação na Bolsa de Valores de Nova Iorque e foi um dos grandes fatores para a crise. Muitos pensadores apontaram a ausência do Estado como uma das causas para a crise de 1929.
John Maynard Keynes, criador das teorias keynesianas aplicadas pelo governo norte-americano na época, foi um deles. Ele pregava a necessidade de maior fiscalização e também a busca de um Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), com emprego e renda para os cidadãos, com a finalidade de estabilizar a economia.
A aplicação das teorias keynesianas elevou a importância da máquina pública, já que levou a um maior emprego de recursos públicos e uma maior intervenção do Estado na economia. Vários outros países passaram a seguir este modelo.
Veja também: Keynesianismo: o que diz essa teoria econômica?
O termo “máquina pública” passou a ser utilizado por várias outras nações e teve seu conceito adequado para indicar o conjunto de estruturas (agentes, pessoas e órgãos) e processos interconectados do governo e responsáveis pela execução das funções do Estado.
Veja também nosso vídeo sobre livre mercado!
Década de 1970 e o Neoliberalismo:
Durante a década de 1970, os preços do petróleo aumentaram consideravelmente. Isso se deu por um conjunto de fatores. Um deles foi a descoberta de que o petróleo não é um recurso renovável (sim, até aquela época, ainda não havia esta conclusão).
A ideia do Estado de Bem-Estar Social de Keynes passou então a ser contestada. Com altos gastos decorrentes da crise do petróleo e da guerra do Vietnã, um dos primeiros países a adotar medidas neoliberais foi os Estados Unidos, com seu presidente Ronald Reagan.
A Inglaterra também assumiu medidas similares, buscando reduzir o excesso da máquina pública provocado pelo elevado aumento de gastos públicos após a Segunda Guerra Mundial. Margaret Thatcher foi a primeira-ministra responsável pela adoção dessas políticas.
Neste momento, a ideia de uma máquina pública pesada e onerosa passou a ser disseminada. Os neoliberais propunham privatizações e medidas de austeridade para adequar os países a um Estado Mínimo, em que há pouca intervenção na economia.
Quanto custa a máquina pública brasileira?
A estimativa de custo da máquina pública não é simples. Pode haver várias formas de se analisar. Por isso, optou-se por examinar os valores obtidos diretamente das demonstrações apresentadas no Balanço do Setor Público Nacional (BSPN).
Vejamos a seguir, um pouco mais sobre o tamanho e o custo provável da máquina pública e das despesas com pessoal (remunerações e encargos sociais).
Tamanho da máquina pública pelo Balanço do Setor Público Nacional (BSPN)
Todo ano, os entes federativos (União, Estados e Municípios) devem encaminhar suas informações financeiras e contábeis para a Secretaria do Tesouro Nacional (STN). De acordo com o art. 51 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estes dados irão formar o Balanço do Setor Público Nacional (BSPN).
Em 2021, o patrimônio total brasileiro somava aproximadamente 9 (nove) trilhões de reais. Para chegar neste cálculo, são somados os valores em depósitos bancários, equipamentos, terrenos, imóveis, investimentos, dentre outros elementos que compõem os ativos e passivos de todos os entes nacionais.
Individualmente, o patrimônio da União soma cerca de 6 trilhões, dos Estados, incluindo o Distrito Federal, cerca de 1,7 trilhões, e dos Municípios, cerca de 1,3 trilhões de reais. Isto equivale ao PIB do Brasil no mesmo ano, que também esteve neste valor.
Infelizmente, nem todos os municípios enviaram as informações à STN naquele ano. Por isso, esta informação não está 100% (cem por cento) exata, mas é uma fonte muito útil para a avaliação do montante da máquina pública.
Custo Total da máquina pública pelo Balanço do Setor Público Nacional (BSPN)
No tópico anterior, avaliamos o patrimônio dos entes federativos. Essa análise não condiz com os custos de manutenção da máquina pública, já que o patrimônio envolve itens que já fazem parte dos entes a bastante tempo (por exemplo, veículos adquiridos em outros anos).
No BSPN, também é possível verificarmos quanto foi gasto em despesas num determinado ano por meio do Demonstrativo da Execução Orçamentária. Em 2021, foram arrecadados pelos entes cerca de 6,3 trilhões em receitas e assumido 5,9 trilhões em despesas orçamentárias.
A União possuía aproximadamente 4 trilhões em despesas, sendo 2,2 trilhões em manutenção das atividades. Os Estados e o Distrito Federal somavam 1,1 trilhão em despesas e os Municípios algo em torno de 800 milhões.
Custo das despesas com pessoal no Balanço do Setor Público Nacional (BSPN)
Importante também apresentarmos o valor gasto com despesas de pessoal, pois muitos pesquisadores, ao se referirem ao custo da máquina pública, calculam-no apenas considerando esses gastos.
Um exemplo dessa comparação pode ser observado no artigo Gigantismo da máquina pública, publicado pela Diário do Comércio, em que se afirma que os gastos públicos consumidos com a máquina administrativa equivalem a 14,3% do produto interno bruto (PIB) brasileiro.
A União gastou em 2021 mais de 352 milhões em folha de pagamento e encargos. Os estados e o Distrito Federal gastaram mais de 553 milhões de reais e os municípios, mais de 385 milhões. No total, o impacto foi de mais de 1,29 trilhões de reais, ou seja, cerca de 14,5% do PIB do Brasil naquele ano.
Carga tributária e a máquina pública:
De acordo com o site Impostômetro, entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2021, a arrecadação total de tributos no Brasil foi um pouco superior a 2,59 trilhões de reais. Uma alta de 25% em comparação com o ano de 2020.
Apesar do elevado valor, nota-se que o montante arrecadado é apenas 43,9% do valor total gasto em 2021 (5,9 trilhões). Ou seja, visivelmente, não há arrecadação suficiente para que os entes arquem com suas despesas. Por isso, é necessário recorrer a outras fontes.
Dentre essas fontes, destaca-se a obtenção de empréstimos e financiamentos. Nesse contexto, é importante tratarmos da dívida pública gerada pela máquina estatal em decorrência de sua necessidade de financiamento.
Dívida Pública e a máquina pública:
Em 2021, houve um gasto total com a amortização da dívida pública (pagamento do valor principal) de mais de 1,75 trilhões de reais. Além disso, os juros pagos aos credores foram superiores a 289 bilhões de reais.
Apesar desse esforço, isso não indica uma queda no endividamento. Os governos utilizam-se da chamada “rolagem da dívida”, criando uma outra dívida para pagar uma dívida existente. Por exemplo, é como se você tivesse uma dívida no Banco A e, para pagá-la, fizesse um empréstimo no Banco B.
Aprenda mais sobre o mecanismo da rolagem da dívida no artigo: Dívida pública: como ela afeta o seu dia a dia.
Para fins de comparação, o total gasto com Previdência Social no mesmo ano foi de aproximadamente 805 bilhões de reais. Logo, isso significa que as despesas com Previdência (805 bilhões) representam menos da metade do total gasto com amortização da dívida pública (1,75 trilhões).
O descontrole nas finanças públicas gera aumento nos juros cobrados pelos credores, tendo em vista que o risco de inadimplência aumenta. Como resultado, gastou-se mais com o pagamento de juros da dívida pública (289 bilhões) do que nas funções de Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia juntos em 2021 (gasto em torno de 288 bilhões no período).
Você sabia?
- A máquina pública também pode ser entendida como a máquina burocrática, a qual normalmente não é bem vista pela sociedade, mas, sem ela, a observância de leis e normas também não existiria, por isso, é preciso adequar a burocracia ao interesse público, sem excessos e com eficiência;
- Você pode acompanhar os dados dos governos por meio dos Portais da Transparência e nos sites dos Tribunais de Contas;
- Também é possível obter informações em painéis, como o Painel Estatístico de Pessoal da União, e no portal da Secretaria do Tesouro Nacional (STN);
- Apenas 24,38% do que foi gasto no país, em 2021, é decorrente da folha de pagamento e de encargos de pessoal (folha de pagamento dos funcionários);
- Em novembro de 2022, havia mais de 560 (quinhentos e sessenta) mil agentes públicos trabalhando para a União (agentes políticos, servidores, comissionados, etc.);
- Entre o menor e o maior salário pago pela União há uma diferença de mais de 2000% (dois mil por cento), fato que demonstra a desigualdade até mesmo dentro do ente que mais deveria promover a igualdade social no Brasil;
- No mesmo período, a União possuía 1,14% de seus cargos providos por pessoas com deficiência (PcD), percentual abaixo do mínimo estabelecido pelo inciso I do art. 36 do Decreto Federal nº. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que é de 2%.
O tema máquina pública sempre gera debates sobre o que é melhor: um Estado de Bem-Estar Social ou um Estado Mínimo? Quais as suas opiniões e sugestões a respeito? Você tem outra forma de mensurar o custo da máquina pública? Deixe seu comentário e contribua para este debate!
Referências:
- Diário do Comércio – Gigantismo da máquina pública;
- Gutenberg – Considerations On Representative Government;
- IBGE – Produto Interno Bruto (PIB);
- Iowa Culture – Crowds Outside of the New York Stock Exchange, 1929;
- Miller Center – Presidential Speeches – Franklin D. Roosevelt Presidency – September 30, 1934: Fireside Chat 6: On Government and Capitalism;
- Mundo Educação – New Deal;
- Planalto – Decreto Federal nº. 3.298, de 20 de dezembro de 1999;
- Planalto – Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000;
- Politize – Estado de bem estar social e Estado liberal: qual a diferença?;
- Politize – Keynesianismo ou Liberalismo: dois caminhos possíveis em cenários de crise?;
- Politize – O que é neoliberalismo?;
- STN (Tesouro Nacional) – Balanço do Setor Público Nacional – Ano Base: 2021;
- União – Painel Estatístico de Pessoal (PEP).