O que é o nome social e como surgiu?

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O nome é parte da nossa identidade. Ele está presente em documentos, registros escolares, no ambiente de trabalho e na forma como as pessoas nos tratam.

No entanto, para pessoas trans (que são aquelas pessoas que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento, como transexuais, travestis e transgêneros), o nome registrado em documentos muitas vezes não reflete sua identidade de gênero. Isso pode gerar desconforto, constrangimento e até exclusão em diferentes contextos sociais.

Neste texto, a Politize! mostra o processo do reconhecimento legal do nome social no Brasil e como a legislação atual aborda o tema.

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Nome de registro civil e nome social: qual a diferença?

Antes mesmo do nascimento, o nome já carrega expectativas. Segundo Prudenciano (2023), o nome pode representar os desejos da família, da sociedade ou até da cultura em que a pessoa está inserida, sendo pensado para acompanhar a trajetória da pessoa.

O nome de registro civil é aquele que aparece nos documentos oficiais, como certidão de nascimento, registro geral (R.G.) e cadastro de pessoas físicas (C.P.F.). Normalmente, ele é escolhido pelos pais e registrado em cartório logo após o nascimento. Esse nome é usado em situações formais e legais.

No entanto, nem sempre usamos o nome completo ou registrado para nos apresentar. Por exemplo:

  • Alguém registrado como Maria Lúcia pode preferir ser chamada apenas de Malú no ambiente escolar ou de trabalho.
  • João Carlos pode se apresentar como Juca entre amigos.
  • Uma pessoa chamada Penélope pode escolher ser chamada apenas de Pepeu, que é uma forma mais curta e ser tratada assim por seus familiares.
  • Alguém registrado como Luís Nalberto Rocha pode preferir o tratamento de Luna Rocha.

Essas escolhas são sociais e pessoais. O mesmo princípio se aplica ao nome social, mas com um detalhe a mais: ele é o nome pelo qual uma pessoa trans escolhe ser chamada, por se identificar com esse nome e não com o nome de registro civil.

Como destaca Sanches (2017), o nome social não é um “nome de mentira” nem o nome de registro é um “nome de verdade”. Ambos são verdadeiros, embora o nome de registro muitas vezes não corresponda à forma como a pessoa se apresenta e se reconhece na sociedade.

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Imagem da bandeira LGBTQIA++
Imagem: ThinkStock.

Como era antes do nome social virar lei no Brasil?

Durante muito tempo no Brasil, o uso do nome social não era garantido por lei em todo o país. Escolas e universidades decidiam por conta própria se permitiriam ou não o uso desse nome.

A demanda por um tratamento mais humanizado aos estudantes trans foi um dos argumentos para reivindicar esse tipo de decisão. Essa reivindicação é antiga e foi uma pauta essencial do movimento das travestis e transexuais por muitos anos.

Um dos grandes nomes dessa disputa foi Janaína Dutra (1961-2004), advogada e travesti, que ajudou a ampliar a compreensão sobre cidadania e direitos também passam pelo nome.

Em 2009, a Universidade Federal do Amapá foi a primeira instituição de ensino superior a adotar oficialmente o uso do nome social para pessoas trans no Brasil.

No entanto, sem uma legislação federal que abrangesse todo o território brasileiro, a aderência era instável: o reconhecimento da identidade de uma pessoa trans dependia da boa vontade de quem estava do outro lado do balcão ou na gestão da instituição .

Embora algumas políticas locais fossem criadas com boa intenção, sem uma base legal estruturada, elas não tinham força para defender de fato essa população. A pesquisadora Berenice Bento (2014) chama esse cenário de “gambiarra legal”, uma solução insuficiente, que resultava numa cidadania precária (Bento, 2014, p.175).

A ausência de uma legislação nacional também dificultava a cobrança e fiscalização do respeito ao nome social.

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Representação gráfica de mãos unidas, ao fundo, as cores da bandeira LGBTQIA++. Texto: O que é o nome social e como surgiu?
Imagem: Mãos unidas – Pixabay

O que a legislação brasileira diz sobre o nome social?

O direito ao nome social no Brasil foi fruto de uma longa trajetória de reivindização do movimento LGBTI+, especialmente de travestis e transexuais, que reivindicavam reconhecimento e dignidade no espaço público.

A partir da Constituição de 1988, esse processo foi sendo construído por diferentes normas jurídicas, que abordavam o respeito à identidade de gênero e ampliavam a proteção contra práticas discriminatórias.

  • Constituição Federal de 1988: estabelece a dignidade da pessoa humana e o respeito às diferenças, servindo de fundamento para o direito ao nome social;
  • Lei Estadual nº 10.948/2001 (São Paulo): proíbe atos discriminatórios contra pessoas LGBTI+ e prevê sanções administrativas;
  • Portaria nº 233/2010: assegura a servidores públicos federais transexuais e travestis o direito ao uso do nome social no âmbito da administração pública;
  • Decreto Federal nº 8.727/2016 (governo Dilma Rousseff): garante o uso do nome social para travestis e transexuais em todo o território nacional, tornando obrigatório seu reconhecimento em cadastros, fichas, prontuários e demais registros oficiais da administração pública federal.

Argumentos resistentes à lei sobre o nome social

Toda mudança jurídica tende a enfrentar resistência inicial, e com o direito ao nome social não foi diferente. A efetivação dessa legislação enfrentou e ainda enfrenta resistências de ordem prática e cultural.

O argumento era que, embora o direito ao nome social fosse fundamentado, a administração pública precisa estar preparada para adaptar seus sistemas de forma organizada, garantindo eficiência e evitando entraves burocráticos que possam comprometer a execução da lei.

Entretanto, como lembra o professor de direito Luiz Miranda, antigamente a mudança de nome social exigia um longo processo judicial, incluindo acompanhamento psicológico e comprovação da identidade de gênero por meio de laudos médicos e perícias. Além disso, só era possível alterar o nome após a realização da cirurgia de transição sexual.

Essa exigência foi abolida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018.

Além das barreiras jurídicas, persistem resistências culturais, reforçadas pelo histórico de discriminação contra esse grupo social. Muitas pessoas questionam a validade da identidade de gênero, apoiando-se em concepções tradicionais sobre família, sexualidade e papéis sociais.

Além disso, também é possível notar essa resistência no cotidiano, como a recusa em utilizar o nome social ou a suspeita sobre a autenticidade da identidade apresentada.

Nesse sentido, é importante destacar que a recusa em respeitar o nome social pode gerar responsabilização jurídica, seja por configurar ato discriminatório, seja por caracterizar dano moral, uma vez que atinge diretamente a dignidade e a identidade da pessoa.

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E quando o nome social entrou na lei?

Em 2016, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, a aprovação do Decreto Federal nº 8.727, garantiu o uso do nome social para pessoas travestis e transexuais em todo o território nacional.

O Decreto Federal estabelece que pessoas travestis e transexuais têm o direito de usar seu nome social em documentos oficiais e em todos os registros dos sistemas de informação da administração pública federal. Entre os registros abrangidos estão:

· Cadastros, programas, serviços, fichas, formulários, prontuários e outros documentos semelhantes, garantindo que a identidade dessas pessoas seja respeitada em todos os órgãos e entidades federais, sejam eles diretos, autárquicos ou fundacionais.

Essa medida foi importante para promover o reconhecimento e a inclusão das pessoas trans no espaço público, reduzindo o constrangimento e a discriminação que muitas enfrentavam ao serem obrigadas a usar seu nome de registro civil, que não corresponde à sua identidade de gênero.

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Estátua simbolizando Justiça – Pixabay

Como solicitar o nome social?

Para solicitar a inclusão, alteração ou exclusão do nome social no CPF, garantia da lei nº 8.727, pessoas travestis ou transexuais devem acessar o serviço online da Receita Federal pelo site gov.br.

No serviço, é necessário preencher o pedido correspondente, anexar documentos como documento de identificação oficial com foto e, no caso de menores de 16 anos, também o documento dos representantes legais.

Após o envio, o processo pode ser acompanhado pelo canal de atendimento da Receita Federal, e o resultado geralmente sai em até dois dias úteis. O serviço é gratuito e oferecido pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Caso haja dúvidas, é possível obter mais informações no site ou pelo atendimento da Receita.

Leia também: 3 conquistas de mulheres trans na luta pela construção da cidadania

E aí, gostou das informações sobre o tema do Nome Social no Brasil? Agora que você sabe mais sobre o tema, compartilhe com familiares e amigos(as)! Deixe seus comentários!

Referências

  • BENTO, Berenice. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 4, n. 1, p. 165–182, jan./jun. 2014. Disponível em: https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/197 . Acesso em: 22 jun. 2025.
  • Documentário Youtube – Janaína Dutra: Uma Dama de Ferro.
  • GOV.PT – Incluir, alterar ou excluir nome social no CPF
  • JUSBRASIL – Jusbrasil – Decreto Federal No 8.727
  • Notícias Cruzeiro do Sul – Nome social: dificuldades das pessoas trans em garantir sua identidade
  • PRUDENCIANO, Cristiane. Construindo cidadania: a história de luta de travestis e transexuais no Brasil. Ponta Grossa: Monstro dos Mares, 2023.
  • SANCHEZ, Marcelo H. Políticas sociais: Estado, movimentos sociais LGBT e os partidos políticos no Brasil. In: GARCIA, Carla Cristina (Org.). O rosa, o azul e as mil cores do arco-íris: gêneros, corpos e sexualidades na formação docente. 1. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2017. p. 161-171.
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Conteúdo escrito por:

Cristiane Prudenciano de Souza

Doutoranda em Estudos Contemporâneos (Universidade de Coimbra), Mestre em Ciências Sociais (PUC/SP).
Souza, Cristiane. O que é o nome social e como surgiu?. Politize!, 30 de setembro, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/nome-social/.
Acesso em: 1 de out, 2025.

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