Uma pessoa vestindo terno e usando capa de super-herói.

Personalismo político: a face da administração pública

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O termo personalismo político se refere à forte influência de um indivíduo carismático e preponderante que determina a direção dos seus atos de governo sob seu molde particular, em outras palavras, quer “dar a sua cara” às ações de seu governo.

Muitas das vezes acaba sobrepondo sua imagem diante a do seu grupo político ou do próprio partido político, deixando estes em segundo plano perante a percepção pública.

O personalismo político se relaciona com outros conceitos relevantes à administração pública, como: patrimonialismo, clientelismo e coronelismo, já abordados aqui na Politize!. Fique à vontade para ler cada um destes conteúdos.

Veja também: Poder do Estado: papel e conceitos

O que é personalismo político?

No personalismo político, prevalece a imagem do líder político, sua suposta habilidade e sua autoridade são os pilares básicos para a estrutura de administração pública.

Sendo sua autoridade um dos pilares básicos de seu governo, é possível que chegue ao ponto de que as estruturas públicas tenham sua importância reduzida, sendo representadas apenas como formalidade.

Veja também: Políticas públicas: quem faz

Na obra “Handbook of Global Political Policy” (“Manual de Política Global” – tradução livre) de Stuart Nagel, o autor afirma que da perspectiva personalista, as habilidades do líder são a base do estado.

Além disto, S. Nagel destaca a necessidade de flexibilidade do governante para operar seus sistemas clientelistas, uma relação entre o líder político e população através da troca de um serviço público por apoio político.

Ilustração de uma mão decidindo entre votar sim ou não.
Vote – Fonte: Pixabay.

Este personalismo político se correlaciona à dominação do campo político por um único indivíduo. Consequentemente, o processo decisório relativo a gestão pública, pode ser afetado por incorporar poucas vozes, o que pode alimentar a polarização e limitar os processos democráticos institucionais.

Líderes personalistas tendem a interferir na burocracia de Estado e muitas das vezes dominam o sistema político. A digital do governante está presente profundamente no regime, exemplos como: Vladimir Putin, o ex-presidente líbio Muammar Gaddafi e Saddam Hussein, são exemplos de tal característica.

O personalismo político não é exclusivo de sistema políticos-administrativos autoritários. Há personalismo em líderes de países democráticos, como: Donald Trump (EUA), Jair Bolsonaro, Getúlio Vargas, Lula (Brasil), Juan Domingo Perón (Argentina), Viktor Orban (primeiro-ministro da Hungria), Rodrigo Duterte (presidente das Filipinas).

O descrédito das instituições representativas também cria condições para o personalismo político e pode reforçar discursos autoritários, promovendo o populismo. Mas em democracias, pelo fato de apresentarem freios e contrapesos, geralmente se manifesta de forma mais sútil.

Veja também nosso vídeo sobre Lula x Bolsonaro!

Democracia: como o personalismo político afeta a representatividade?

A presença de múltiplos partidos é um dos aspectos das democracias. Estes grupos representativos também são impactados por discursos personalistas e pelo tom das palavras do líder, podendo gerar um sentimento de antipolítica e antipartidarismo.

Veja também: Para que servem os partidos políticos?

Quando o líder influencia as decisões com base em sua abordagem e mensagem, a diversidade do debate entre os agentes políticos perde força. Os eleitores podem apoiar um indivíduo em vez de um partido específico, validando à conduta personalista da política.

Neste mesmo sentido, o líder personalista possui mais poder dentro do partido do que os líderes que não possuem tal característica. Tal possibilidade permite que as ações de governo tenham mais atributos particulares do que negociação entre múltiplos atores e instituições, o que também impacta na representatividade popular.

O personalismo político aumenta a probabilidade de enfraquecimento democrático, pois permite que o governante se aproprie do poder, deteriorando a democracia.

Estes mesmos governantes podem aumentar a chance de polarização na sociedade, pois grupos de oposição são desgastados com os trâmites políticos e aumentam o afastamento entre consensos político-administrativos. [1]

Veja também: Índices de democracia: como mensurar os princípios democráticos?

Personalismo político e populismo

Apesar dos dois conceitos terem relação, é necessário realizar a distinção entre ambos uma vez que o populismo pode incorporar características personalistas.

No populismo, o foco é na relação do líder com o povo. De acordo com Norberto Bobbio, em sua obra “Dicionário de Política”, aos olhos do ator populista, o povo é considerado uma composição social homogênea, ou seja, é uniforme e permanente, simplificando a forma de interpretação diante das vontades dos eleitores.

Este governante explora falhas de representação e se articula como encarregado da vontade do povo e das massas populares. Se trata de um estilo estratégico de representação política. A percepção é que este governante reúne a capacidade de entender os anseios da população e traduzir em ação política, uma fusão das virtudes populares.

O personalismo político gira em torno do líder e da incorporação dos valores do seu governo. O líder é moldado para ter habilidades especiais que recebem aprovação coletiva, permitindo governar com uma abordagem política única.

O líder populista pode ter um caráter personalista, pretendendo representar o povo e imprimir uma política administrativa que contenha seu próprio perfil, seja na política doméstica ou externa.

Veja também: O que são e qual a importância das instituições democráticas?

E a sociologia com isso? “Dominação carismática”, “patrimonialismo” e o “homem cordial”

A dominação carismática, conceito formulado por Max Weber – sociólogo e economista alemão da segunda metade do século XIX – estabeleceu a lógica de dominação na sociedade moderna. Não se baseia na dominação por opressão, mas por legitimidade do poder do Estado através, por exemplo, de leis ou do uso da força (poder policial ou judiciário).

Veja mais: Poder do Estado: papel e conceitos

Nesta definição, a autoridade se legitima pelo dom do carisma e cria uma relação de confiança com a sociedade. O líder se articula de forma afetiva, construindo uma imagem eficiente e extraordinária, como um herói, um ídolo ou um profeta.

Assim como no personalismo político, há a redução da relevância das instituições formais e de outros atores e a imagem do líder se sobrepõe ao cumprimento das regras.

A dominação carismática diz respeito aos atributos pessoais do governante, é uma qualidade comportamental nascida do entusiasmo, do desamparo ou da esperança por parte dos liderados. No personalismo político, os mesmos atrativos estão presentes, sendo a figura do líder dotada de habilidades essenciais para atos de governo.

O termo “homem cordial“, proposto por Sérgio Buarque de Holanda em seu livro “Raízes do Brasil” (1936), aponta para a inadequação desse indivíduo ao lidar com a burocracia, já que isso demanda seguir normas burocráticas, dificultando assim o envolvimento em práticas políticas.

Veja também: Administração pública no Brasil: a Burocracia

A explicação se dá porque o homem cordial age de forma mais pessoal, favorecendo amigos em detrimento dos outros. Neste exemplo, Holanda se referia a uma marca na cultura da sociedade brasileira, trazida pelos portugueses na forma de administrar a metrópole.

Há uma comparação com o personalismo político. A intimidade exagerada do homem cordial ultrapassa o âmbito pessoal e adentra o campo “público”. Através dessa relação pessoal, o traço pessoal se estende para a esfera política.

O conceito aponta que o homem cordial é fruto de uma cultura personalista e patrimonialista da sociedade brasileira, assim, simbolizando o desarranjo entre público e privado.

O patrimonialismo foi um conceito também desenvolvido por Max Weber, se referindo a um Estado sem distinção entre os limites do público e privado, comum no absolutismo.

Veja também: Jeitinho brasileiro: da criatividade à corrupção

O patrimonialismo se origina de outro tipo ideal de dominação teorizada por Weber, a “dominação tradicional”. Esta se revela quase por um sistema dinástico, onde a família que ocupou um centro de poder e o sobrenome cria um capital político.

Está ligada ao chefe de Estado que “detém o patrimônio” e daí vem a confusão entre público e privado. A estrutura de Estado é instrumentalizada para satisfazer necessidades pessoais.

Pintura do Rei Luis XIV (Rei Sol) da França
Rei Luis XIV (Rei Sol) da França – “O Estado sou eu” – O poder monarca absoluto, personificou as características do absolutismo. Fonte: Aventuras na História.

A afinidade com o personalismo político se caracteriza pelo patrimonialismo ser profundamente personalista. O governante confere suas características pessoais ao mandato, também desprezando a distinção entre o público e privado e afastando a racionalidade burocrática da administração pública do Estado moderno.

Fatores como a possibilidade de favorecimento com cargos públicos, apadrinhamentos políticos (“conchavo”), possível subjetividade do sistema jurídico, a não-profissionalização e a tendência à corrupção do quadro administrativo contribuem para ineficiência dos atos de governo no patrimonialismo.

E aí, ficou alguma dúvida sobre o personalismo político e suas implicações nos fenômenos da sociologia? Fique à vontade para compartilhar com a gente! Deixe suas dúvidas e opiniões nos comentários!

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Olá, prazer! Sou graduado em Relações Internacionais e atualmente curso a pós graduação em Ciência Política pela FESPSP. Lembro que desde o início da minha graduação me senti atraído por todos os aspectos teóricos discutidos em sala de aula, me encontrei fazendo parte do debate político e, particularmente, me interessei pelo desenvolvimento da agenda ambiental internacional. A curiosidade de entender o mundo e os movimentos sociais – até mesmo indagando os clássicos teóricos – me servem de combustível para compreender um pouquinho mais os vínculos entre as relações econômicas, as dinâmicas de Estado, a história, o direito legal, enfim, esse universo de coisas que se apresentam no campo político, fruto de processos que foram construídos socialmente.
Souza, Gustavo. Personalismo político: a face da administração pública. Politize!, 31 de janeiro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/personalismo-politico/.
Acesso em: 6 de out, 2024.

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