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PL 490/07: entenda o que pretende o PL do Marco Temporal

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Fotografia referente à povos indígenas em roda.
Imagem: Jornal da Advocacia.

Em maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para o PL do Marco Temporal na demarcação de terras indígenas, o PL 490/07. O PL já está em debate desde 2007 e, desde então, gera controvérsias quanto a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

Você sabe o que o PL do Marco Temporal pretende alterar na Constituição Federal? Acompanhe este texto que a Politize! preparou e saiba tudo sobre o projeto de lei.

Veja também nosso vídeo sobre o “descobrimento” do Brasil!

O que é o PL do Marco Temporal? 

O projeto de lei 490/07, ou PL do Marco Temporal, foi apresentado pelo então deputado federal Homero Pereira, em 2007. O PL tinha como objetivo alterar a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, o que desloca a atribuição de demarcação das terras indígenas no Brasil para o Poder Legislativo. Até o momento, esse processo é de competência do Poder Executivo Federal.

Veja também: A separação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário

De modo geral, o PL do Marco Temporal determina quais terras são territórios indígenas. Nesse sentido, somente terras que estavam ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal de 88, é que pode ser considerada como território indígena. 

Para isso, é necessário comprovar que, na data da promulgação da Constituição, estas terras eram habitadas em caráter permanente e também eram usadas para atividades produtivas, preservação dos recursos ambientais, assim como, para reprodução física e cultural.

Leia mais: Heranças e manifestações culturais indígenas no Brasil: entenda

Desde a apresentação do projeto de lei, em 2007, o PL já acumulou 13 projetos apensados e, na última, recebeu um texto substitutivo apresentado pelo deputado Arthur Maia (União-BA).

A apensação é um mecanismo que permite a tramitação conjunta de proposições de assuntos iguais ou semelhantes, ou seja, quando uma nova proposta é apresentada ao plenário, a Mesa da Câmara determina que a proposta mais recente seja apensada à mais antiga. 

A atualização do novo texto flexibiliza o licenciamento ambiental, ou seja, autoriza o estabelecimento da exploração hídrica, expansão da malha viária, exploração de alternativas energéticas, garimpeiras e mineradoras. A proposta impõe que tudo isso ocorra independentemente da consulta às comunidades indígenas das regiões ou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas Funai (Funai).

Além disso, o novo texto proíbe a ampliação de terras já demarcadas e flexibiliza o contato com os povos tradicionais.

Afinal, o que é marco temporal e tese do Indigenato?

A Constituição Federal de 1988 garante o direito dos indígenas à terra, porém essa garantia sempre foi alvo de contestação e é nesse contexto que entra a tese do Marco Temporal.

O Marco Temporal foi uma ação do Supremo Tribunal Federal (STF) que pretende debater sobre a reivindicação da posse de terras de povos indígenas. Dessa forma, a ação estabelece que apenas teriam direitos sobre as terras, aqueles que já estivessem ocupando o território no marco do dia 5 de outubro de 1988, ou seja, o dia da promulgação da Constituição Federal.

No artigo 231 da Constituição Federal, as terras indígenas são definidas como, aquelas que já estavam ocupadas por povos tradicionais antes mesmo da configuração do estado brasileiro. A promulgação da chamada Constituição cidadã foi marcante para o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e, nesse sentido, preservar o território está ligado à preservação de sua cultura e seus valores.

Em resumo, o território em questão é de propriedade permanente dos indígenas, que estão permitidos a usufruir de maneira exclusiva de suas terras. Essa é a proposta da tese de oposição ao Marco Temporal: a tese do Indigenato.

A teoria do indigenato considera um direito dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles como um direito inato, congênito e anterior à própria criação do Estado brasileiro. 

Impasses entre o Congresso e STF

Na atual legislação, o Poder Executivo Federal que é responsável pela demarcação de terras indígenas, já o PL do Marco Temporal visa modificar a atribuição dos três poderes, deslocando para o Poder Legislativo a competência.

Em maio de 2023, a Câmara aprovou um requerimento para urgência na tramitação do projeto de lei, a proposta foi apresentada pelo deputado federal Zé Trovão (PL-SC). Na votação, foram 324 votos favoráveis, 131 contrários e uma abstenção.

Durante a sessão no plenário da Câmara, apesar da urgência ter sido aprovada, houve protestos contra a decisão. A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) declarou “Vocês são assassinos do nosso povo indígena” e, logo após, teve o microfone cortado. Além disso, cartazes com frases como “Lei ordinária não altera a Constituição” foram levantados no plenário.

Veja também: Qual a importância dos indígenas na política brasileira?

O objetivo da Câmara ao aprovar caráter de urgência ao PL é se antecipar ao julgamento do STF sobre o tema, marcado para acontecer em 7 de junho. A tendência do Judiciário é derrubar a tese. 

O PL do Marco Temporal tem o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), composta por 300 deputados federais. A bancada ruralista não acha que o STF deva “legislar” sobre a demarcação de terras indígenas. 

Por fim, em sessão conturbada e com diversos protestos ao longo do país, a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 30 de maio de 2023, por 283 votos a favor e 155 contra, o PL 490/07. 

Como é a legislação sobre demarcação de terras indígenas

Na atual legislação, o processo de demarcação de terras indígenas passa pela Funai, que utiliza critérios técnicos e legais nas análises dos casos. Em seguida, cabe ao presidente da República homologar, ou não, o registro solicitado, por meio de decreto publicado.

Caso o PL do Marco Temporal seja aprovado, o processo será dificultado devido a limitação da data de ocupação do território. Dessa forma, nos casos em que não houver comprovação de ocupação da terra até a data designada como obrigatória, o direito à terra não será concedido.

Há apenas uma exceção: em casos em que possa ser comprovado que, na data em questão, havia disputas físicas ou judiciárias pela terra, chamado de “conflitos possessórios”, será concedido o direito à demarcação de terras.

Argumentos a favor e contra ao PL do Marco Temporal

A votação da urgência do PL 490/07 gerou grandes embates entre os deputados da Câmara. Entre argumentos contra e a favor, os posicionamentos em relação ao projeto de lei destacam diferentes interesses.

Para o deputado Zé Trovão (PL-SC), a proposta do projeto de lei irá diminuir os conflitos no campo, ou seja, acabaria com a guerra entre indígenas e produtores. Para o deputado federal Arthur Maia, o atual cenário é de insegurança jurídica e permite que povos indígenas elaborem “autodeclarações” para a demarcação de terras indígenas.

O autor da proposta diz que a demarcação de terras indígenas, atualmente, extrapola os limites de atuação e competência da Funai, pois interfere em questões de:

  • Direitos individuais;
  • Questões relacionadas com a política de segurança nacional na faixa de fronteiras;
  • Política ambiental;
  • Temas relacionados à exploração de recursos hídricos e minerais.

Além disso, alega que a demarcação de terras é feita utilizando critérios subjetivos da Funai.

Do outro lado da mesa, a oposição afirma que a votação do Marco Temporal é um retrocesso, invade tema que já está em discussão pelo STF e que este projeto viola os direitos dos povos originários. Além disso, acreditam que o PL apresenta inconstitucionalidades, pois viola direitos assegurados pela Constituição Federal e fere o princípio de separação dos poderes.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) criticou a votação da urgência e ressaltou que “Essa pauta pode trazer gravíssimos retrocessos a direitos e conquistas por povos historicamente discriminados”.

A presidente da Funai, Joenia Wapichana alerta que “PL 490/07 e marco temporal colocam em risco os direitos dos povos indígenas” e diz, ainda, durante audiência pública sobre o tema que ocorreu em maio de 2023 em Brasília que:

“Em relação ao Marco Temporal, ele é uma máquina de moer história… ele acaba com a história, muda toda a história. Porque de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história”.

Além disso, a ONU considera que indígenas são essenciais para a preservação do meio ambiente. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura), cerca de 28% da superfície terrestre de todo mundo, incluindo áreas florestais mais intactas e biodiversas, está sob gerenciamento de povos indígenas, famílias, pequenos proprietários e comunidades locais. 

Essas regiões são cruciais para conter emissões de gases e manter a biodiversidade.

E aí, conseguiu entender o que pretende o PL do Marco Temporal? Deixe sua opinião nos comentários!

Referências:

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3 comentários em “PL 490/07: entenda o que pretende o PL do Marco Temporal”

  1. Ponto para a reportagem que traz comentários contra e a favor do marco, demonstrando respeito ao leitor no que diz respeito à informação.
    Os índios no Brasil detém 13,8% das terras, enquanto são apenas 0,4% da população.
    Tem um áudio aqui, falando da questão de disputa por terras, em que uma mãe que teve o filho morto diz que não precisam de mais terras, já que nem trabalham as que têm.
    O marco temporal é uma necessidade, assim como a discussão de cotas e benefícios sociais. Tudo tem que ser por tempo determinado, caso contrário estará prejudicando outros brasileiros que não têm porque pagar contas que não lhes competem.

  2. Dayse Crystina de Oliveira Lima

    A reportagem traz os pontos positivos e negativos do Projeto de Lei. Acontece que a alteração de Leis antigas é necessária, pois a realidade de 1973 não é a mesma de 2023, a demarcação do marco temporal é uma necessidade para evitar os conflitos existente, bem como problemas sociais a toda população (sendo os indígenas e os não indígenas), considerando a finalidade da terra dada pelo Estatuto da terra, bem como a realidade brasileira os indígenas não conseguem cultivar as áreas que possuem, e muitas aldeias tem iniciado um processo arrendamento das áreas para os não índios, o que é contraditório a alegação de que a ocupação da área por não índios fere a cultura indígena. Ainda dificilmente será visto índios vivendo e comendo da pesca e caça que necessitem de áreas enormes as quais não terão destinação social.

  3. Renato. M. Ramos

    Falou tudo! E um absurdo que decisões tão impactantes sejam tomadas por um órgão federal como a Funai, que não tem a capacidade de avaliar questões de fundamental importância como estratégias de segurança e de risco a soberania. Estas deveriam ser avaliadas pelo congresso nacional, que representam os interesses da nação. Um absurdo ainda maior e o STF legislar sobre qualquer assunto, já que não foram eleitos pelo povo.

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Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!. Cientista social pela UFRRJ, pesquisadora na área de Pensamento Social Brasileiro, carioca e apaixonada pelo carnaval.

PL 490/07: entenda o que pretende o PL do Marco Temporal

30 abr. 2024

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