a imagem apresenta uma fila de moedas de tamanhos diferentes em uma linha de modo a representar crescimento

Desvendando os segredos por trás do milagre econômico brasileiro

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De 1967 a 1973, o Brasil obteve expressivas taxas de crescimento econômico, o que fez com que esse período fosse chamado de milagre econômico. Por trás desses resultados positivos havia um conjunto de políticas econômicas, tendo como principal articulador o então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Neto, e um contexto internacional favorável.

Não se pode deixar de mencionar que o Brasil vivia o período da ditadura militar e precedente ao período do milagre econômico, entrou em vigor o Programa de Ação Econômica do Governo, mais conhecido como PAEG. O milagre econômico seria, então, até certo ponto um desdobramento do PAEG.

Quer entender mais sobre o milagre econômico e seus impactos para o Brasil na época? Então, continue a leitura!

O governo durante o milagre econômico

Durante o milagre econômico o Brasil vivia a ditadura militar. Em 1967, Castelo Branco foi sucedido por Costa e Silva na Presidência da República e Antonio Delfim Netto foi nomeado ministro da Fazenda.

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Mesmo após a morte de Costa e Silva em 1969 e com Médici assumindo a presidência, Delfim Netto permaneceu à frente do Ministério da Fazenda, posto que ocupou entre 1967 a 1974.

O governo a partir de 1967 possuía objetivos claros: crescimento econômico e investimentos em setores diversificados; redução do papel do setor público e o estímulo a um maior crescimento do setor privado; expansão do comércio exterior e aumento da oferta de emprego e outros objetivos sociais.

Esses objetivos eram essenciais inclusive para garantir a legitimidade do regime, uma vez que ela perpassava pelo crescimento econômico.

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Prólogo: o que foi o PAEG?

O regime militar emergiu de um contexto de crise, isto é, pela perda da velocidade da taxa de crescimento real do PIB brasileiro, cujo pico dessa desaceleração foi em 1963. O PAEG foi adotado exatamente nesse contexto, entre os anos de 1964 a 1966, período que marca também o início da ditadura militar.

Para Roberto Campos, que atuou na formulação do PAEG, apesar dos resultados positivos das décadas de 30 e 60, esses anos foram marcados por várias distorções. A principal delas foi a inflação que promoveu desordem salarial, instabilidade financeira, atrofia do mercado de capitais, ilusões de rentabilidade e diversos outros problemas na economia.

A interpretação de Campos foi de que o Plano de Metas adotado por Juscelino Kubitschek engendrou a escalada inflacionária da época. Para restabelecer a economia, seria necessário então atacar a inflação.

Além do combate à inflação, o PAEG também foi formulado tendo em vista o desequilíbrio da balança de pagamentos e o estabelecimento das condições para o desenvolvimento de longo prazo. O plano se compunha por três pilares.

O primeiro era a reforma fiscal e tributária. O objetivo era fazer um ajuste fiscal de forma a reduzir gastos públicos. Aqui, almejava-se evitar que se gastasse tal qual foi feito no Plano de Metas.

As autoridades estipulavam que a partir da contenção de déficit fiscal a inflação passaria a ficar controlada. Com a inflação controlada haveria maior previsibilidade do retorno do investimento, estimulando a poupança.

A reforma tributária foi um esforço no sentido de aumentar a capacidade de arrecadação a partir de uma racionalização do sistema tributário. Isso inclui a eliminação de impostos e criação de mecanismos de reajustes da dívida.

O segundo pilar do PAEG foi a reforma do sistema financeiro. A interpretação das autoridades da época era de que o não crescimento e a inflação era derivado das volumosas despesas públicas adotadas pelo Plano de Metas. Assim sendo, deveria realizar ajustes na máquina estatal de forma a não pressionar a demanda e a não levar a um aumento dos preços.

Dentro da reforma do sistema financeiro surge então a correção monetária para desacelerar a inflação. A correção monetária é um instrumento de política econômica para combater a inflação. Nada mais é do que um processo de indexação, isto é, criação de um índice arbitrário que define como vão ser atualizados os valores monetários.

Por fim, o terceiro pilar do PAEG foi a abertura ao exterior com fins a estimular as exportações. Adotou-se, portanto, uma série de medidas para facilitação das exportações, além da realização de uma reforma cambial.

Esse foi o conjunto de políticas adotadas no período precedente ao milagre econômico. Tendo como base as reformas do PAEG que os governos de Costa e Silva e Médici atuaram durante os anos do milagre.

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Milagre econômico e alguns números do período

imagem ilustrativa de crescimento. ela apresenta uma seta em crescente.
Legitimidade do governo militar dependia de sucesso econômico. Imagem: Freepik.com

Durante o período do milagre econômico, a taxa média de crescimento do PIB entre 1968 e 1973, por exemplo, foi de 11,2%, sendo que até o início da década de 1960 a taxa média era de 7%. Nesse mesmo período, a indústria de transformação cresceu em média de 13,3% ao ano, assim como a da construção com média de crescimento de 15% ao ano.

O setor primário também foi beneficiado por taxas de crescimento expansivas. Em média cresceu 4,5% entre 1968 e 1973. O setor terciário, por sua vez, teve média de crescimento anual de 11,1%, e o de transportes e comunicações, com média superior a 13%.

Outro dado importante de se destacar foi o das exportações. O valor das exportações cresceu em média 24,6% no período de 1967 a 1973. Para tal desempenho, foi essencial o aumento da participação dos produtos manufaturados no valor total da exportação: em 1967, os produtos manufaturados representavam 20,7%, já em 1973 representavam 31,3%.

Em contrapartida, o valor das importações também cresceu. Isso porque o país não conseguiu suprir a demanda interna por petróleo bruto, além do país demandar diversas outras matérias-primas e bens intermediários não produzidos internamente. Isso fez com que o valor das importações crescesse, inclusive, a uma média anual superior às exportações: 27,5%.

Por isso, a balança comercial, isto é, a diferença entre exportações e importações, variou entre positiva e negativa no período do milagre. Foi positiva entre 1967 e 1970, tornou-se negativa em 1971 e 1972, voltando brevemente ao equilíbrio em 1973.

Quais foram as políticas adotadas para gerar esse crescimento econômico?

Para entender isso, cabe destacar que em 1967, foram identificados pelo Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED) dois problemas básicos que deveriam ser trabalhados: o debilitamento do setor privado e a pressão excessiva exercida pelo setor público.

Nesse sentido, o governo que assumiu em 1967 direcionou seus esforços em busca de aumentar a eficiência governamental, aumentar a arrecadação e reduzir gastos de custeio para diminuir o déficit público. Tendo como base o diagnóstico do PED diversas políticas econômicas foram implementadas.

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As políticas voltadas para o ambiente interno

Houve, a partir de 1967, a adoção de políticas monetária, creditícia e fiscal expansivas. Um exemplo prático disso foi a expansão do crédito, como o crédito ao consumidor, à agricultura e à exportação. Essa facilitação creditícia ajudou, por exemplo, na expansão da produção de bens de consumo duráveis, dado o incentivo oferecido ao consumo.

O impacto também foi sentido, quando da implementação do Sistema Financeiro de Habitação e do Banco Nacional de Habitação, os quais expandiram os recursos para a construção de residências e aquisição de moradias. O objetivo era reduzir o déficit habitacional atribuído à falta de investimento.

O setor privado também se beneficiou dos incentivos adotados no período. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), que atuava como financiador de investimentos, passou a conceder crédito também ao setor privado – antes, o foco do banco era no setor público. O setor privado, após 1968, tornou-se, inclusive, o beneficiário de mais da metade dos financiamentos concedidos pelo banco.

O governo também lançou uma série de subsídios e incentivos de forma a fomentar setores e regiões específicas dentro do escopo da política industrial que estava sendo posta em prática. A administração das finanças dos estados e dos municípios estava, até certo ponto, subordinada ao governo federal.

Outro ponto característico da época foi o seu teor autoritário, como evidenciado pelo próprio Ato Institucional n. 5. Com ele, por exemplo, o governo federal reduziu a parcela do Fundo de Participação dos Estados e Municípios de 20% para 10%.

Como mencionado anteriormente, o PAEG tinha como fim o combate à inflação e para isso se utilizou da correção monetária. Essa indexação permaneceu nos anos do milagre econômico.

Contudo, a correção monetária não é um mecanismo usual de combate à inflação na medida em que implica transferência de renda entre grupos sociais.

Por mais que a correção monetária permita o controle da inflação e a previsibilidade do rendimento, estimulando a poupança e a concessão de crédito, em contrapartida, ela cria distorções entre quem têm acesso ao mercado financeiro e o utilizam para manter seus rendimentos atualizados, e aqueles sem acesso ao mercado financeiro e que perdem poder de compra.

As políticas voltadas para ambiente internacional

As exportações tiveram significativo crescimento. Isso porque tiveram como impulsionadores: subsídios adicionais, simplificação do processo de obtenção de crédito e facilitações burocráticas.

Essas políticas nacionais para o comércio exterior tiveram como base os objetivos definidos pelos Conselho de Comércio Exterior (Concex) em 1968.

Os objetivos eram: a) aumento da competitividade dos produtos brasileiros; b) diversificação das exportações, em particular para produtos manufaturados e semiacabados, e dos mercados externos; e c) fornecimento adequada de matérias-primas importadas, bens intermediários e de capital de forma a manter a indústria nacional funcionando.

Uma das políticas adotadas para atingir tais objetivos foram as minidesvalorizações cambiais. Essa prática consiste em desvalorizar a moeda brasileira em relação ao dólar, fazendo com que o produto brasileiro seja mais barato no mercado internacional. Com isso, as exportações eram incentivadas.

Essas políticas foram bem-sucedidas de modo a aumentar as exportações e a maximizar a capacidade de importar. Permitiram, além disso, a diversificação dos mercados a que os produtos brasileiros poderiam acessar, em particular para os produtos manufaturados. O impacto disso foi sentido no próprio crescimento da indústria como um todo.

O contexto internacional favorável do período também ajudou. Os anos de 1967 a 1973 foram marcados pelo crescimento da economia mundial e pela evolução dos termos de troca, isto é, pela relação de preços entre a economia brasileira e o resto do mundo positiva para os produtos brasileiros.

O Brasil conseguiu ainda se beneficiar da crescente liquidez disponível no mercado internacional que foi direcionada para os países subdesenvolvidos da época. Nesse período, facilitou-se também o acesso a empréstimos externos e o próprio investimento estrangeiro passou a ser favorecido pelas autoridades econômicas.

Como se observa, houve expressivo intervencionismo do governo nos anos 1967-1973.

E os salários dos trabalhadores?

A política salarial foi impactada pelo modelo autoritarista da época. Esse caráter autoritário não se deu apenas durante os anos do milagre econômico. Desde 1964, instaurou-se diversas intervenções nos sindicatos da época e os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores acabaram perdendo força devido, especialmente, à limitação do direito à greve.

Muitas reivindicações tiveram que passar pela aprovação governamental. As limitações quanto aos movimentos trabalhistas foram ainda mais restringidas com o Ato Institucional n. 5. Houve ainda uma legislação de 1970 que estipulou a intervenção do governo em termos de reajustes salariais.

O impacto foi de que, por mais que houvesse crescimento da economia e aumento da produtividade do trabalho nos anos de 1967 a 1973, o salário mínimo real sofreu com queda ou estagnação. Em São Paulo, por exemplo, a série de salários mínimos deflacionada pelo índice do DIEESE aponta a perda de poder aquisitivo de 1964 a 1974 da ordem de 42%.

Isso significa que o salário não cresceu proporcionalmente conforme o aumento da renda interna, sendo que a taxa de lucro e a capacidade de investimentos se mantiveram elevadas no período.

Quais as implicações do PAEG e do milagre econômico para o modelo de desenvolvimento do país?

O PAEG e o milagre econômico tinham na retórica o objetivo de diminuir as desigualdades sociais e aumentar a renda da população, porém o resultado foi diferente: houve desvalorização dos salários e concentração da renda.

Lago (2004) argumenta ainda que os benefícios trazidos pelo crescimento econômico não foram distribuídos equitativamente entre a população, em particular entre os mais pobres. Isso em razão das próprias políticas implementadas durante os anos da ditadura militar.

Saiba mais: desigualdade social.

Maria da Conceição Tavares (1977) mostra que mesmo tendo como objetivo a resolução de problemas de longo prazo da economia brasileira, a solução aplicada pelo PAEG e nos anos do milagre fez com que houvesse transferência de renda dos de baixo para os de cima. Isso em vista da política salarial que permitia o acúmulo de lucros.

Florestan Fernandes (2006), por sua vez, indica que, economicamente o resultado foi o milagre. Socialmente, houve a exclusão de boa parte da sociedade brasileira do processo de decisão e a acentuação das desigualdades sociais.

E aí? Entende agora como foi o milagre econômico e sua relação com o autoritarismo da ditadura militar? Deixe suas dúvidas nos comentários.

Referências:
  • FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2006 [1960’s], capítulo 7.
  • FGV CPDOC – Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED)
  • IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Indicadores sociais: relatório 1979, Rio de Janeiro.
  • LAGO, Luiz Aranha Correa. A Retomada do Crescimento e as Distorções do “Milagre”, 1967-1974. In: ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A Ordem do Progresso: Dois Séculos de Política Econômica no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, Capítulo 11, p. 213-239.
  • SIMONSEN, Mário Henrique; CAMPOS, Roberto. A nova economia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975, Capítulo I, p.1-22; e Capítulo X, p.223-257.
  • TAVARES, M. C. Natureza e contradições do desenvolvimento financeiro recente. In TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. 6ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977, p. 209-263.

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Conteúdo escrito por:
Paranaense de origem, atualmente mora em Florianópolis, local onde se formou em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem interesse em análise de dados e em temáticas envolvendo inovação, desenvolvimento socioeconômico e teoria política e econômica.

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22 abr. 2024

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