A segurança alimentar deixou de ser um tema restrito à agricultura e virou assunto de saúde, economia e, cada vez mais, de clima. Quando secas prolongadas, enchentes ou ondas de calor atingem lavouras, rebanhos e cadeias de abastecimento, o preço e a qualidade dos alimentos mudam, e quem tem menos renda sente primeiro.
Neste texto, vamos explicar o conceito de segurança alimentar, o retrato mais recente da fome no mundo e por que o aquecimento global é hoje um dos principais riscos para o acesso regular a comida adequada.
Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.
O que é segurança alimentar?
A definição internacionalmente aceita foi formulada na Cúpula Mundial da Alimentação de 1996 e consolidada pela FAO. Essa definição diz que há segurança alimentar quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos, que atendam às necessidades e preferências para uma vida ativa e saudável.
Esse conceito se desdobra em quatro dimensões (também chamadas de “pilares”): disponibilidade, acesso, utilização (ou uso) e estabilidade. Em termos simples:
- Disponibilidade: há alimento produzido e ofertado?
- Acesso: as famílias conseguem comprar (ou obter) esse alimento?
- Utilização: a dieta é nutritiva e segura, garantindo boa absorção de nutrientes?
- Estabilidade: esse acesso se mantém ao longo do tempo, sem choques frequentes?
Essas dimensões guiam diagnósticos e políticas públicas no mundo todo.
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Os relatórios The State of Food Security and Nutrition in the World (SOFI), publicados anualmente por FAO, IFAD, UNICEF, WFP e OMS, reúnem os principais indicadores globais de fome e insegurança alimentar.
As edições 2024 e 2025 mostram que, após a pandemia de Covid-19 e choques sucessivos em renda, preços de alimentos e combustíveis, o mundo não está no caminho para cumprir a meta de Fome Zero (ODS 2).
A fome permanece acima do nível pré-pandemia, com centenas de milhões de pessoas afetadas, e a insegurança alimentar moderada ou grave alcança mais de 2 bilhões de indivíduos, concentrando-se em países de baixa e média renda.
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Além da quantidade, há o desafio da qualidade: dietas saudáveis custam caro em muitos países e a má nutrição (por deficiência de micronutrientes e excesso de ultraprocessados) convive com a fome, um quadro conhecido como “tripla carga” de má nutrição (deficiências, sobrepeso/obesidade e carências de micronutrientes).

Qual é a relação entre segurança alimentar e mudanças climáticas?
As mudanças climáticas já impactam produção, preços e acesso a alimentos. O IPCC (AR6/WGII) é enfático: eventos extremos mais frequentes e intensos (secas, inundações, ondas de calor) prejudicam colheitas, pecuária e pesca, reduzem a produtividade, elevam perdas e ampliam a volatilidade de preços, com efeitos desproporcionais em populações vulneráveis.
Alguns pontos-chave:
- Produtividade agrícola: a elevação da temperatura média e os extremos de calor reduzem o rendimento de culturas como trigo, milho, arroz e soja em várias regiões, especialmente quando a irrigação é limitada;
- Riscos hidrológicos: secas mais longas e irregulares diminuem a disponibilidade de água para irrigação; chuvas concentradas aumentam enchentes que arrastam solo fértil e infraestrutura;
- Pecuária e pesca: estresse térmico em animais afeta ganho de peso, fertilidade e produção de leite; o aquecimento dos oceanos e a acidificação mudam a distribuição de peixes e elevam riscos para a segurança alimentar costeira;
- Nutrição: não é só volume, a qualidade nutricional dos alimentos também preocupa. Artigos mostram que o CO₂ elevado pode reduzir proteína, ferro e zinco em grãos e legumes C3 (como trigo e arroz), com implicações para deficiência de micronutrientes.
O resultado é um círculo de vulnerabilidade: choques climáticos encarecem alimentos, afetam a renda real das famílias e agravam a insegurança alimentar.
Quais são os impactos das mudanças climáticas na produção agrícola?
Relacionado com o tópico mencionado acima, as dimensões da segurança alimentar são impactadas pelas mudanças climáticas da seguinte forma:
- Disponibilidade: quebras de safra e perdas pós-colheita por calor e umidade diminuem a oferta. Em cadeias frias frágeis, perdas de frutas, verduras, laticínios e pescado aumentam;
- Acesso: produção menor + custos logísticos maiores = preços mais altos. As famílias pobres gastam parcela maior da renda em alimentação e reduzem a qualidade da dieta;
- Utilização: ondas de calor e crises hídricas impactam qualidade sanitária (maior risco de contaminações) e valor nutricional (efeito CO₂ e dietas menos diversas);
- Estabilidade: a sucessão de secas e enchentes quebra a previsibilidade, elevando a variabilidade ano a ano e exigindo seguros e estoques reguladores mais robustos.
Estratégias de adaptação e mitigação
Pesquisas e relatórios apontam que enfrentar os impactos climáticos sobre a segurança alimentar exige duas frentes que andam juntas.
No curto prazo, a adaptação reduz riscos já em curso, por exemplo:
- Agricultura climática inteligente: manejo de solo e água, variedades mais tolerantes, plantio direto, consórcios e agroflorestas ajudam a manter produtividade e a recuperar a saúde do solo;
- Irrigação eficiente e armazenamento de água: gotejamento, microaspersão, captação de chuva garantem colheitas em períodos críticos;
- Serviços climáticos com alertas e assistência técnica: orientam agricultores sobre o que plantar e quando;
- Seguros rurais e crédito “verde”: amortecem perdas e evitam endividamento;
- Cadeias do frio e boa armazenagem: reduzem perdas pós-colheita, ampliando a oferta sem abrir novas áreas.
No médio e longo prazo, políticas integradas dão escala e previsibilidade. Do lado da produção resiliente, entram planos de adaptação setoriais, pesquisa e sementes adaptadas, irrigação inteligente e apoio a transições agroecológicas quando fizer sentido.
Para acesso e proteção social, transferências de renda, compras públicas da agricultura familiar, merenda escolar com cardápios saudáveis e estoques reguladores ajudam a segurar preços em choques.
Em nutrição e saúde, guias alimentares, rotulagem clara e ações intersetoriais enfrentam a má nutrição (deficiências e obesidade). Lembrando que dietas saudáveis precisam ser acessíveis, o que depende também de renda, infraestrutura e boa regulação de mercados.
No plano internacional, coerência entre comércio, clima e segurança alimentar é decisiva: restrições de exportação em crises tendem a piorar a volatilidade e encarecer alimentos.
Já a mitigação no agro (imprescindível para estabilizar o clima), passa por melhor manejo de fertilizantes, recuperação de pastagens, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), proteção de florestas e outras soluções que cortam emissões e, ao mesmo tempo, aumentam a resiliência.
Por fim, monitorar para ajustar o rumo: indicadores como prevalência de subalimentação, insegurança alimentar moderada/grave, custo de uma dieta saudável, preços de alimentos e perdas pós-colheita permitem avaliar políticas e priorizar investimentos.
Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!
E aí, entendeu o que é segurança alimentar e como ela é afetada pelas mudanças climáticas? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências
- Pulitzer Center – Crise do clima coloca em risco a segurança alimentar e hídrica das comunidades ribeirinhas
- Pulitzer Center – Uma Amazônia sem água e sem comida
- Pulitzer Center – No encontro entre a Amazônia e o Cerrado: seca, fome e veneno
- Pulitzer Center – Como monocultura e da água afeta a alimentação e a saúde das populações indígenas na Ilha do Bananal (TO)
- Pulitzer Center – Desinformação desafia o controle do uso de agrotóxicos
- Pulitzer Center – Petróleo, coca e conflitos armados: ameaças à sobrevivência do povo Awá
- Pulitzer Center – Povos da floresta lutam para sobreviver