“The Post: a guerra secreta” e a liberdade de imprensa

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A liberdade de imprensa é uma característica comum das democracias liberais mundo afora. Sem liberdade editorial seria difícil o jornalismo cumprir seu papel social de responsabilizar os governantes pelas ações tomadas em cargos eletivos. O filme The Post – a guerra secreta (2018) mostra em detalhes a saga do jornal estadunidense The Washington Post para publicar partes de um memorando que comprovava que o governo dos EUA mentia à opinião pública sobre a iminente derrota na Guerra do Vietnã (1959-1975). Venha saber mais sobre esse caso!

Nota: o texto pode conter alguns spoilers, mas não contará o filme inteiro, é claro. Boa leitura!

SOBRE O QUE FALA O FILME “THE POST: A GUERRA SECRETA”?

O filme dirigido por Steven Spielberg se passa em 1971, durante o governo de Richard Nixon nos Estados Unidos, e trata da história de quando o jornal The Washington Post colocou as mãos num memorando importante do governo. O documento tinha 7 mil folhas e era divido em 47 volumes que revelavam mentiras sobre a participação dos estadunidenses na Guerra do Vietnã. Uma das mentiras disseminadas pelo governo dos Estados Unidos era de que seria possível o país ganhar o conflito, mas o memorando provava que não.

Os documentos, que ficaram conhecidos como Papéis do Pentágono, inflaram o debate sobre os limites da liberdade de imprensa no estado democrático de direito versus o direito das pessoas à informação.

A então dona do jornal, Katherine Graham, tomou uma decisão difícil e cheia de riscos: resolveu passar por cima de uma determinação judicial e publicou os papéis sigilosos. A Justiça já havia proibido o jornal The New York Times de publicar os documentos, com o argumento de que a revelação de tais informações seria prejudicial à segurança do país. Assista ao trailer para espiar o enredo!

E o que falavam os dois lados? O entendimento do jornal era de que era possível publicar – e necessário – por conta da liberdade de imprensa e da responsabilidade da função social do jornalismo em comunicar aos cidadãos questões do governo, do poder e relevar questões relevantes ao interesse público. Já por meio da decisão de proibir a divulgação, um juiz do estado de Nova Iorque entendeu que a publicação do memorando implicaria em ameaça à segurança nacional e violaria a segurança de soldados que ainda estava na Guerra do Vietnã.

As decisões conflitantes nas instâncias inferiores sobre o direito do jornal de publicar tais memorandos e a segurança nacional dos EUA levaram o caso para a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, responsável em dar a palavra final sobre as publicações de ambos os jornais. Com placar de 6 a 3, os juízes da Suprema Corte decidiram que as informações publicadas pelos jornais não eram prejudiciais à segurança, nem aos interesses americanos.

Inclusive, o juiz Hugo Black, que participou do julgamento na Suprema Corte, opinou sobre a relevância da imprensa na democracia:

Os pais fundadores deram à imprensa livre a proteção que ela merece para cumprir seu papel primordial na democracia, a imprensa existe para servir os governados, e não os governantes”, trecho citado no filme The Post.

Leia mais: o enquadramento de notícias e sua influência na opinião pública.

O QUE FOI A GUERRA DO VIETNÃ?

A Guerra do Vietnã foi um conflito duradouro no Sudeste Asiático. Começou alguns anos após a Segunda Guerra Mundial, em 1955, e terminou em 1975. Mais de um milhão de soldados vietnamitas e mais de 50 mil soldados americanos foram mortos na guerra. Também custou a vida de mais de dois milhões de civis (Vietnã do Sul e Vietnã do Norte).

Durante a Guerra Fria, os EUA combateram o comunismo em vários lugares ao redor do mundo. O presidente John F. Kennedy (1961–1963) percebeu a influência crescente do comunismo no Sudeste da Ásia e começou a enviar conselheiros militares para ajudar o exército sul-vietnamita. Depois que um navio de guerra americano foi atacado na costa do Vietnã do Norte, o sucessor do presidente assassinado Kennedy – já que Kennedy foi assassinado -, Lyndon Johnson, começou a enviar tropas terrestres para o sudeste da Ásia. Isso foi chamado de “Teoria do Dominó”.

No final da década de 1960, os Vietcongs (milícia armada composta por camponeses) e o Vietnã do Norte começaram a atacar o sul em uma escala maior. Sob pressão do público em casa, o governo americano mudou sua política. O presidente Lyndon Johnson (1963- 1969) começou a retirar tropas e começaram as negociações de paz.

Quando Richard Nixon se tornou presidente, o bombardeio americano de esconderijos vietnamitas em Laos e no Camboja tornou-se ainda mais intenso. Por outro lado, ele continuou trazendo mais e mais tropas para casa. Nessa época, os estadunidenses que viviam nos EUA condenavam em grande parte a guerra. Por isso, existia a importância de jornais de relevância nacional publicarem documentos que pudessem ajudar o público a ter ideia do que ocorria na Ásia.  Afinal, os soldados estadunidenses estavam indo à guerra e corriam risco de morrer.

A guerra terminou oficialmente em 1976. O Vietnã do Norte e do Sul foi reunido sob um governo comunista. Saigon foi renomeada Cidade de Ho Chi Minh.

INFOGRÁFICO: as fases do conflito ideológico e político da Guerra Fria!

THE POST E A LIBERDADE DE IMPRENSA NOS ESTADOS UNIDOS

A Constituição dos EUA, o fundamento essencial do sistema governamental americano, não teria sido ratificada pelos 13 estados originais em 1791, sem um conjunto de 10 emendas, denominado Declaração de Direitos, que visava à proteger as liberdades individuais. Não foi por acaso que o direito à livre expressão pelos meios de comunicação foi consagrado na primeira dessas alterações.

A Primeira Emenda diz em parte: “O Congresso não fará nenhuma lei contra a liberdade de expressão ou da imprensa”. Para os pais fundadores, os homens que redigiram a Constituição e a Declaração de Direitos, a página impressa – geralmente em jornais e panfletos – era a mídia publicada. Daí o termo “imprensa” na Primeira Emenda. Ao longo da história americana, as liberdades de expressão e de imprensa tornaram-se a identidade do Judiciário e da classe média americana.

Embora a Primeira Emenda garanta uma medida considerável da liberdade de imprensa, foi o sistema judicial dos EUA que definiu exatamente o que este conceito significa na prática. A constituição americana é inspirada no direito comum inglês que também advoga a liberdade de imprensa como direito primordial. Por esta razão, a carta constitucional estadunidense estabeleceu a liberdade de imprensa como cláusula pétrea, que em hipótese alguma deve ser mudada. Em meados do século XVIII, época em que a democracia dos EUA ainda não era enraizada, a Primeira Emenda incomodou muita gente que era cética com tanta liberdade de imprensa.

Entenda: existe diferença entre liberdade de expressão e de imprensa?

THE POST E O DIREITO À INFORMAÇÃO: ENTENDA O QUE ESTAVA EM JOGO

Robert McNamara, Secretário de Defesa na presidência de John F. Kennedy e Lyndon Johnson, criou uma força-tarefa para compilar uma história da política dos EUA em relação ao Vietnã no período de 1945 a 1967, fato que resultou naquele memorando. Para muitos ativistas anti-guerra, McNamara se tornou um símbolo das políticas que levaram à morte de mais de 58 mil soldados americanos durante o conflito no país asiático.

A força-tarefa foi composta pelo pessoal do Departamento de Defesa, bem como indivíduos de outras agências governamentais e alguns contratados independentes. Não foram realizadas entrevistas: toda a pesquisa foi compilada a partir de documentos. O relatório resultante foi maciço, com mais de 7.000 páginas, e foi concluído em 1969, aquele mesmo memorando chamado de “Os Papéis do Pentágono”. Apenas 15 cópias foram impressas, pois o documento era destinado apenas para uso interno pelo Departamento de Defesa e outras agências governamentais.

Um dos contratados que teve um papel menor na criação do longo estudo foi Daniel Ellsberg, funcionário da Rand Corporation e “expert” dedicado ao estudo das questões de defesa nacional. Ellsberg teve dúvidas sobre a política americana no Vietnã, em parte estimulada pelo que ele havia lido nos Documentos do Pentágono.

Depois de não convencer os membros do Congresso a tornar o estudo público, Ellsberg secretamente fez outra cópia do relatório e entrega-o aos jornalistas do New York Times e do Washington Post. Os documentos do Pentágono continham pouca informação secreta, mas algumas seções questionaram a sabedoria das políticas americanas adotadas para o Vietnã, tanto antes quanto depois dos Estados Unidos se envolveram em hostilidades militares no Sudeste Asiático.

Richard Nixon usou todo o poder da presidência com o objetivo de prevenir os esforços da imprensa. Há quem compare as atitudes de Nixon contra imprensa às de Donald Trump, atual Presidente dos EUA, que classifica a imprensa como desonesta e fonte de mentiras, as famosas “fake news”.  

Uma imprensa livre é essencial para a preservação de uma sociedade democrática. Thomas Jefferson, principal nome na declaração de independência dos EUA, considerou a imprensa como a melhor garantia da liberdade e estava disposto a enfrentar seus excessos para obter os benefícios de uma crítica constante que pode iluminar as atividades do governo.

Leia também: 6 filmes sobre política que merecem ser assistidos

Gostou de conhecer mais sobre a liberdade de expressão nos EUA e o que foi tratado no filme “The Post”? Comente!

Referências:

Época – Filme The Post; Terra – Guerra do Vietnã; NY Times – resenha (inglês); Democracy Papers – Free Media (inglês); English Online – History (inglês)

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Conteúdo escrito por:
Estudante de Jornalismo de Manaus. Apreciador de história e jornalismo político.

“The Post: a guerra secreta” e a liberdade de imprensa

16 abr. 2024

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