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Alimentos ultraprocessados: o que o governo tem a ver com isso?

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No ritmo frenético da vida moderna, buscamos praticidade em tudo, inclusive na alimentação. Esse hábito transformou os alimentos ultraprocessados em protagonistas das prateleiras dos mercados e, muitas vezes, das nossas refeições. Mas será que estamos cientes do preço que pagamos pela conveniência?

Ao abrir um pacote ou beber uma lata de algo aparentemente inofensivo, podemos estar ingerindo um coquetel de aditivos químicos, açúcar e gorduras que, silenciosamente, afetam nossa saúde.

Mas o que são, afinal, esses alimentos que invadiram nossas prateleiras e mesas? Continue a leitura para saber!

O que são alimentos ultraprocessados?

O termo “alimento ultraprocessado” se refere a uma categoria crescente de produtos alimentares que se distanciam cada vez mais de sua forma original e que, em sua produção, utilizam ingredientes industrializados e técnicas de processamento complexas.

A crescente popularidade desses alimentos, impulsionada pela busca por praticidade e conveniência, tem levantado preocupações sobre seus impactos na saúde pública.

Os alimentos ultraprocessados são produtos alimentares que passam por um processamento industrial tão intenso que acabam por perder grande parte de suas características originais. A classificação de alimentos por nível de processamento foi desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP), que criou a escala NOVA.

Veja também: Soberania alimentar: o que é e como esse debate é também ambiental?

Mas o que diferencia os alimentos ultraprocessados de alimentos processados e in natura?

  1. Alimentos in natura: são alimentos em sua forma original, como frutas, legumes, verduras, carnes frescas, ovos e grãos integrais;
  2. Alimentos processados minimamente: são alimentos in natura que passaram por processos simples de conservação, como congelamento, secagem ou enlatamento;
  3. Alimentos processados: são alimentos que sofreram algum tipo de transformação, como a adição de sal, açúcar ou óleo. Exemplos incluem pão, queijo, iogurte e conservas;
  4. Alimentos ultraprocessados: são alimentos industrializados que contêm ingredientes como óleos hidrogenados, açúcares adicionados, corantes, aromatizantes, emulsificantes, estabilizantes e outros aditivos químicos. Esses produtos são feitos para serem saborosos, duradouros e baratos, mas, muitas vezes, carecem de nutrientes essenciais e podem conter quantidades excessivas de açúcar, sal, gordura e aditivos.
Classificação dos tipos de alimentação. Texto: Alimentos ultraprocessados: o que o governo tem a ver com isso?
Classificação dos tipos de alimentação. Imagem: Ministério da Sáude no Manual de Guia Alimentar para População Brasileira

Exemplos comuns de alimentos ultraprocessados:

  1. Bebidas: refrigerantes, sucos industrializados, bebidas lácteas saborizadas, bebidas energéticas;
  2. Alimentos prontos: macarrão instantâneo, pizza congelada, salgadinhos, biscoitos recheados, bolos industrializados, a maioria dos pães de forma;
  3. Carnes processadas: salsichas, linguiças, hambúrgueres industrializados, nuggets de frango;
  4. Doces e sobremesas: balas, chocolates, sorvetes, doces industrializados;
  5. Outros: sopas instantâneas, temperos prontos, molhos industrializados, barrinhas de cereal, cereais matinais.

A história dos alimentos ultraprocessados

Os alimentos ultraprocessados surgiram como uma resposta à crescente urbanização e à mudança nos hábitos de vida, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, quando a industrialização e a globalização começaram a transformar profundamente a maneira como as pessoas se alimentam.

O ritmo de vida mais acelerado levou à demanda por alimentos mais práticos e de fácil acesso, o que impulsionou a expansão da indústria alimentícia.

A industrialização da produção de alimentos trouxe consigo uma série de vantagens, como maior disponibilidade de alimentos, redução de custos e aumento da vida útil dos produtos. No entanto, essa revolução industrial também teve um lado obscuro: a crescente produção e consumo de alimentos ultraprocessados, com suas implicações para a saúde pública.

No Brasil, o aumento da produção de alimentos ultraprocessados ocorreu a partir da década de 1990, com a chegada de grandes multinacionais e a expansão das redes de supermercados, facilitando o acesso a esses produtos em larga escala.

A mudança nos hábitos alimentares, impulsionada pela urbanização, pela crescente participação feminina no mercado de trabalho e pela busca por praticidade, contribuiu para a popularização dos alimentos ultraprocessados. A publicidade massiva e a acessibilidade desses produtos também desempenharam um papel gigante na mudança de hábitos alimentares.

Veja também: O que influencia o aumento no preço dos alimentos? Entenda!

Papel da indústria, governo e profissionais de saúde no consumo de ultraprocessados

A crescente produção e consumo de alimentos ultraprocessados envolve uma complexa rede de atores, cada um com seus próprios interesses e responsabilidades.

Indústria alimentícia: fabricantes e marcas de produtos ultraprocessados

A indústria alimentícia é um dos setores mais poderosos da economia global. Grandes conglomerados, como Nestlé, Coca-Cola, PepsiCo e Unilever, lideram a produção e distribuição de alimentos ultraprocessados em todo o mundo. Um estudo da BBC Brasil aponta que, em 2022, mais de 60% dos anúncios de alimentos no Brasil eram de ultraprocessados

Essas empresas utilizam vastos recursos em publicidade para promover seus produtos, muitas vezes destacando seus atributos de conveniência e sabor, ignorando os impactos negativos à saúde, resistência à rotulagem clara e à regulamentação da publicidade voltada para crianças.

Apesar disso, essas empresas ao longo dos anos vêm reformulando os seus produtos para reduzir o teor de açúcar, sal e gorduras, em resposta às demandas por alimentos mais saudáveis.

Políticas públicas de saúde

Os governos têm um papel importante na regulação do consumo de alimentos ultraprocessados e na promoção de políticas públicas de saúde. Nos últimos anos, diversas nações, incluindo o Brasil, têm implementado medidas para reduzir o consumo desses produtos, como a inclusão de alertas nos rótulos sobre o alto teor de açúcar, sódio e gorduras.

A criação de guias alimentares também é uma ferramenta importante. O “Guia Alimentar para a População Brasileira“, por exemplo, publicado pelo Ministério da Saúde, incentiva a redução do consumo de ultraprocessados e promove uma alimentação baseada em alimentos frescos e minimamente processados.

Em dezembro de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.821 com uma série de recomendações e de ações para os diferentes atores públicos para a promoção de ambientes escolares saudáveis e livres de ultraprocessados.

Além disso, por meio do Decreto nº 11.936/2024, é reformulado a cesta básica que será composta por alimentos in natura e minimamente processados, considerando alimentos da diversidade regional brasileira e produzidos localmente, para minimizar os efeitos do consumo de ultraprocessados e diminuir as desigualdades sociais.

Veja também: O guia da alimentação cardioprotetora do Ministério da Sáude

Nutricionistas, médicos e outros profissionais da saúde atuam na conscientização da população sobre os riscos dos alimentos ultraprocessados. Eles são os principais responsáveis por educar a sociedade sobre a importância de uma alimentação saudável e equilibrada, além de incentivar políticas que combatam a obesidade e outras doenças crônicas.

Os profissionais de saúde estão na linha de frente na batalha contra o marketing de alimentos ultraprocessados, frequentemente orientando os pacientes a optarem por alternativas mais saudáveis e menos industrializadas.

Veja também: Por que a obesidade infantil no Brasil é também uma questão política?

A Reforma Tributária e o Imposto de Pecado

Diante dos crescentes problemas de saúde pública relacionados ao consumo de alimentos ultraprocessados, governos ao redor do mundo têm buscado alternativas para regular a produção e o consumo desses produtos.

Uma das medidas mais discutidas é a implementação de impostos sobre alimentos ultraprocessados, também conhecido como “imposto de pecado“.

A reforma tributária em discussão no Brasil, por exemplo, propõe a inclusão de alimentos ultraprocessados na lista de produtos sujeitos a tributação diferenciada.

A ideia é aumentar o preço desses produtos, tornando-os menos atrativos para o consumidor e incentivando o consumo de alimentos mais nutritivos.

A proposta de tributação diferenciada para alimentos ultraprocessados têm sido recebida com diferentes opiniões. Defensores da medida argumentam que ela é uma ferramenta eficaz para reduzir o consumo desses produtos, proteger a saúde pública e gerar recursos para investimentos em saúde e educação.

Segundo dados do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), o consumo de ultraprocessados foi significativamente maior entre pessoas pretas, indígenas, na área rural, com até quatro anos de estudo, de baixa renda e nas regiões Norte e Nordeste.

Por outro lado, críticos da medida argumentam que ela pode ter impactos negativos na economia, como a perda de empregos na indústria alimentícia, e que pode aumentar a desigualdade social, já que os alimentos ultraprocessados são mais acessíveis para a população de baixa renda.

Um desses fatores é que no Brasil, segundo o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial em 2023, 39,7 milhões de brasileiros sofreram algum grau de insegurança alimentar.

Países como o México e a Hungria já implementaram impostos sobre bebidas açucaradas e alimentos com alto teor de gordura e açúcar. No México, após a introdução do imposto sobre bebidas açucaradas, houve uma redução significativa no consumo desses produtos, especialmente entre as classes mais baixas.

Segundo Ana Paula Bortoletto, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS/USP), sugerem que, em vez de tributar diretamente os ultraprocessados, os governos poderiam investir em subsídios para alimentos frescos e naturais.

No entanto, em 2022, o preço dos alimentos in natura subiu mais do que os de processados e ultraprocessados, segundo o economista da FGV e coordenador-adjunto do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), Andre Braz.

Parcerias entre governos e a indústria alimentícia pode acelerar a adoção de práticas mais saudáveis, como na reformulação de produtos e a rotulagem transparente e adoção de restaurantes populares e cozinhas solidarias, locais esses que pessoas de baixa renda ou que estão em situação de rua poderiam acessar alimentos saúdaveis.

Saiba mais: O que você precisa saber sobre a reforma tributária?

Texto: Alimentos ultraprocessados: o que o governo tem a ver com isso?
Modelo de rotulagem de alimentos conforme Anvisa. Imagem: Gov.Br.

As consequências do consumo de ultraprocessados

O consumo excessivo de alimentos ultraprocessados tem sido associado a uma série de problemas de saúde, tanto a curto quanto a longo prazo.

Efeitos a curto prazo:

  1. Aumento do consumo de calorias, açúcar, sal e gordura saturada: a alta densidade calórica e o teor elevado de açúcar, sal e gordura saturada presentes em alimentos ultraprocessados contribuem para o ganho de peso, o aumento do colesterol e a elevação da pressão arterial;
  2. Sensação de saciedade reduzida: a presença de aditivos e ingredientes industrializados pode interferir nos mecanismos de saciedade do corpo, levando a um consumo excessivo de alimentos;
  3. Desequilíbrio nutricional: a falta de nutrientes essenciais e a presença de aditivos químicos podem contribuir para o desenvolvimento de deficiências nutricionais e para o aumento do risco de doenças crônicas.

Efeitos a longo prazo:

  1. Doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs): o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer; No Brasil, um a cada quatro adultos são obesos (24,3%), apontam dados da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2023;
  2. Doenças inflamatórias: a presença de ingredientes industrializados e aditivos químicos pode contribuir para a inflamação crônica de baixo grau, que está associada a diversas doenças, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer;
  3. Problemas de saúde mental: estudos têm demonstrado uma associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o aumento do risco de depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental.

Leia também: Entenda o que é o Mapa da Fome e quais são seus objetivos

Pessoa preparando uma refeição com alimentos saúdaveis.
Imagem: Freepik.

O governo deve atuar na regulamentação da produção e do consumo de alimentos ultraprocessados, por meio de políticas públicas que promovam a saúde e o bem-estar da população.

A implementação de impostos sobre alimentos ultraprocessados, como o “imposto de pecado”, é uma medida que pode contribuir para a redução do consumo desses produtos e para a proteção da saúde pública. No entanto, críticos destacam que a medida pode impactar desproporcionalmente as populações mais pobres, sugerindo alternativas como subsídios para alimentos saudáveis ou parcerias com a indústria para reformular produtos.

Também é necessário que a sociedade como um todo, incluindo a indústria alimentícia, o governo e os profissionais de saúde, trabalhem em conjunto para promover hábitos alimentares saudáveis e para combater o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados.

Além disso, equilibrar o acesso a alimentos acessíveis e a promoção da saúde. A solução não está apenas na restrição ou tributação, mas também na criação de um ambiente que valorize escolhas saudáveis.

A mudança de hábitos alimentares é um processo gradual e desafiador, mas com informação, educação e ações coordenadas, é possível construir um futuro mais saudável para todos.

O caminho para alimentação saudável, de acordo com as orientações do Ministério da Saúde, passa por dez passos:

  1. Fazer dos alimentos in natura ou minimamente processados, a base da alimentação;
  2. Utilizar óleos ou gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias;
  3. Limitar o consumo de alimentos processados;
  4. Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados;
  5. Comer com regularidade e atenção em ambientes apropriados e sempre que possível, com companhia;
  6. Fazer compras em locais que ofertem variedade de alimentos in natura ou minimamente processados;
  7. Desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias;
  8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece;
  9. Dar preferência , quando fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora;
  10. Ser crítico quanto às informações, orientações e mensagens sobre alimentação, veiculadas em propagandas comerciais.

Agora que você já sabe o que são alimentos ultraprocessados, compartilhe suas dúvidas e opiniões nos comentários!

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Conteúdo escrito por:

Maicon Araújo Nunes de Jesus

Jequieense, filho de Maria Lúcia e apaixonado por esportes. Tutor da cadelinha Amora, sigo um estilo de vida vegano e mantenho uma postura anticapitalista. Como estudante de direito, trago a perspectiva de quem vive na periferia e carrega uma identidade étnico-racial forte, almejando uma justiça processual que se cumpra. Influenciado pelo Hardcore, que molda minha escrita e reflexão em prol de um mundo mais digno.
Jesus, Maicon. Alimentos ultraprocessados: o que o governo tem a ver com isso?. Politize!, 19 de junho, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/alimentos-ultraprocessados/.
Acesso em: 18 de jul, 2025.

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