Combate à pandemia no Brasil em 2 anos de Covid-19

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Imagem ilustrativa: combate à pandemia. Imagem: Pixabay.com
Imagem: Pixabay.com

Estamos desde março de 2020 no combate a uma pandemia que já matou mais de 650 mil brasileiros. Onde foi que erramos e acertamos no enfrentamento da gestão de crise? Como poderemos estar melhor preparados no futuro para o enfrentamento de eventos como esses?

Nenhum gestor público estava, de fato, 100% preparado para o enfrentamento da pandemia: tanto pelo desconhecimento sobre as informações científicas sobre a letalidade do vírus; quanto pela falta de preparação na gestão da crise sanitária, que se deu pela falta de insumos de equipamento de proteção adequada, falta de alinhamento na tomada de decisão entre os entes da federação, falta de planejamento estratégico no plano de imunização nacional, desalinhamento entre os entes da federação, etc.

Perdemos a vida de muitos brasileiros. Mas, não podemos perder de vista que essa situação pode ocorrer novamente no futuro por meio de variações de outros vírus. O que podemos aprender com os erros já cometidos durante essa pandemia para que esses erros não se repitam no futuro?

Neste conteúdo, o Politize! traz uma reflexão em 10 pontos sobre a gestão pública de combate à pandemia da Covid-19 no Brasil.

1. Dois anos de pandemia em 2022

No dia 11 de março de 2022 completamos 2 anos da declaração da OMS sobre o surto da Pandemia da Covid-19.

De 11 de março de 2020 até a presente data, uma série de ações foram feitas e implementadas por cada país como medidas urgentes de enfrentamento à crise sanitária, em especial, com o objetivo de se evitar o colapso da rede de saúde pública.

Além das medidas sanitárias propriamente ditas, que implementaram a orientação à saúde pública, como a quarentena, o distanciamento social, utilização de máscaras, restrições de ir e vir e o isolamento dos contaminados pela Covid, outras medidas administrativas, econômicas e financeiras de políticas de gestão pública foram implantadas por cada país para o enfrentamento da Covid 19.

Leia também: Covid-19: o que aconteceu em um ano de pandemia no Brasil e no mundo?

2. Competência concorrente entre os entes federativos no combate à pandemia

No caso do Brasil, por decisão liminar do STF no processo da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n. 6.341, ficou estabelecida a competência concorrente entre a União, Estados e Municípios para legislarem sobre medidas de vigilância sanitária.

Do mesmo modo, a ADI n. 6343 e a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) n. 56, reconheceram a autonomia dos municípios e governos estaduais para decretarem medidas sanitárias de contenção à epidemia.

Essas decisões influenciaram fortemente na crise da atual gestão de combate à pandemia, na medida em que o Governo Federal passou a alegar que a Corte Suprema “retirou” sua competência de gerir a crise da Covid-19, “repassando para os Estados e Municípios”.

Os que apoiam a decisão do STF argumentam que o STF não retirou a competência de nenhum dos entes da federação de atuarem no combate à pandemia, mas, pelo contrário, decidiu que cada um dos entes atuariam concorrentemente, no espaço de suas competências.  

Com efeito, deveria ter havido uma coordenação de ações por parte da União e colaboração por parte dos Estados e Municípios no enfrentamento à pandemia. Mas, diferentemente disso, o STF passou a sofrer uma série de ataques de Fake News.

Na esfera federal, o Brasil decretou o estado de calamidade pública e seguiu um Plano de Contingenciamento denominado “Plano de Contingência Nacional para Infeção Humana pelo Novo Coronavírus Covid 19” e editou a Lei Federal n. 13.979/2020, denominada “Lei da Quarentena”.

Além disso, o governo federal seguiu as orientações de boas práticas firmadas pela OCDE (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico). Para isso, o Executivo Federal editou uma série de Medidas Provisórias regulamentando situações emergenciais trabalhistas para as empresas empregadoras, bem como estipulou ajuda de custo federal à população de baixa renda com o “auxílio emergencial”.

3. Decretação do estado de calamidade pública e ajustes financeiros

Com base nessas orientações da OCDE, houve no Brasil:

  • A isenção tributária (não cobrança de tributos) de vários itens destinados à saúde;
  • o adiamento do prazo para pagamento de tributos no período em que as empresas ficaram fechadas;
  • a suspensão dos prazos judiciais administrativos e judiciais;
  • a postergação dos prazos das Certidões Negativas;
  • o estabelecimento de parcelamentos especiais para que as empresas pudessem enfrentar financeiramente a situação de força maior ocasionada pela pandemia.

Todo esse pacote federal implicou na utilização de dinheiro público e destinação para Estados e Municípios para que que cada um dos entes federais pudesse enfrentar a Covid-19. Este fato só foi possível com a decretação do estado de calamidade pública, a qual permitiu que a União pudesse ajustar suas contas sem os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Somas milionárias foram necessárias para obter recursos para se enfrentar a Covid-19 no Brasil, motivo pelo qual, o Congresso Nacional aprovou em 08/05/2020 a Emenda Constitucional n. 106/2020, denominada de “Orçamento de Guerra”, pela qual se instituiu um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente da pandemia, pelo qual se estabeleceu o seguinte em seu art. 2º:

“Com o propósito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade e de seus efeitos sociais e econômicos, no seu período de duração, o Poder Executivo federal, no âmbito de suas competências, poderá adotar processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras que assegurem, quando possível, competição e igualdade de condições a todos os concorrentes, dispensada a observância do § 1º do art. 169 da Constituição Federal na contratação de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, limitada a dispensa às situações de que trata o referido inciso, sem prejuízo da tutela dos órgãos de controle.”

É certo que, após 2 anos de pandemia, o déficit da União é gigantesco, na medida em que gastamos muito mais do que arrecadamos.

Diante de uma situação grave como essa, será necessário o ajuste financeiro nas contas públicas federais, seja pelo corte de gastos, seja pela implementação de melhores práticas de gestão financeira que reduzam custos e não impliquem na majoração de tributos nesse momento delicado em que as empresas já estão extremamente fragilizadas pela crise econômica.

4. Estagnação dos projetos de lei no congresso

Com a crise trazida pela pandemia, vimos que os grandes projetos legislativos que poderiam alterar a situação fiscal do país ficaram paralisados, tanto em formato de PEC (Projeto de Emenda Constitucional), quanto de PL (Projeto de Lei).

Entre esses projetos, citamos aqueles que tratam da reforma tributária (PEC 45/2019) e PEC 110/2019, sobrevindo ainda um terceiro projeto de Lei trazido pelo Governo Federal, instituindo a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços (PL 3887/2020), o qual também está tramitando em passos lentos, bem como a proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020).

5. Gestão pública em combate a uma pandemia

Viu-se, logo, um total descompasso por parte do Poder Executivo Federal em cumprir as normas relativas ao enfrentamento da pandemia e também do próprio Ministério da Saúde.

Diante desse contexto político, administrativo e financeiro, decisões e medidas de gestão estão sendo tomadas diariamente pelos gestores públicos da União, Estados e Municípios.

Vale ressaltar que o fato de termos uma dispensa temporária de licitação de compras e contratações não implica na dispensa de justificativa e motivação para se comprovar o gasto de cada centavo que vem sendo aplicado para o enfrentamento da pandemia.

O princípio da publicidade e da transparência devem nortear todos os atos administrativos praticados pela Administração Pública e devem ser vigiados pelo Ministério Público e pelos cidadãos por meio do portal da transparência e em especial pelos Tribunais de Contas de cada ente político, que tem a função de fiscalizar e julgar as contas públicas.

6. Indícios de ato de corrupção e desvio de recursos públicos no combate à pandemia

Relator do caso, Renan Calheiros (MDB-AL), lê o relatório final ao lado do presidente Omar Aziz (PSD-AM) e do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado.
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

Vimos no exercício do federalismo brasileiro, além do despreparo de muitos gestores em saber lidar com uma gestão de crise, a presença de indícios de atos de corrupção e desvio de recursos públicos que implicaram, inclusive, no afastamento de algumas autoridades para que a investigação pudesse ser realizada.

Neste sentido, tivemos o caso do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e do Sub Secretário da Saúde do Estado, Gabriel Neves, por suspeitas do acordo de 770 milhões para construção de hospitais de campanha. Além disso, houve a investigação de respiradores que teriam sido comprados por valores acima da média do mercado, entre outras acusações. Esse fato ocasionou a aprovação do impeachment do Governador do RJ em decisão unânime do Tribunal Especial Misto em 30/04/2021.

Além do Rio de Janeiro, existem exemplos de investigações de contratos celebrados por outros estados:

  • São Paulo (investigação da compra de 3000 respiradores por 55 milhões de reais);
  • Santa Catarina (investigação de superfaturamento na compra de 200 respiradores artificiais por 33 milhões de reais);
  • Amazonas (investigação por supervalorização no preço de respiradores e ausência de oxigênio no auge da pandemia em janeiro de 2021);
  • Ceará (indícios de superfaturamento da Prefeitura de Fortaleza);
  • Roraima (investigação da compra de 30 respiradores por R$ 6,4 milhões é alvo do MP de Contas local);
  • Pará (compra de respiradores por 50 milhões);
  • Acre (investigação na Prefeitura de Rio Branco pelo superfaturamento na compra do álcool);
  • Rondônia (investigação na compra de insumos no valor de 21 milhões de reais).

Essas e outras investigações já somam o valor de R$ 1,48 Bilhões de reais. Devem ser averiguados e comprovados os gastos emergenciais a fim de comprovar a lisura dos procedimentos, ou mesmo apontar a responsabilidade administrativa e penal de cada um dos agentes públicos na condução do combate ao Covid-19.

7. Ingerência e responsabilidade de gestores públicos sobre o combate à pandemia

Alguns questionamentos são levantados pela população em relação à possível falta de coerência e responsabilidade dos gestores públicos na condução dos assuntos financeiros durante a pandemia.

Alguns exemplos, como aumentos em tarifas de ônibus por governos municipais, aumento de impostos sobre a importação de cilindros de oxigênio, não continuidade do estado de calamidade pública no auge da pandemia, entre outros casos, entram na discussão sobre atos de incoerência da gestão pandêmica em um momento de emergência da saúde pública.

8. Responsabilidade de empresas privadas no combate à pandemia

Vimos também que essa crise na gestão da pandemia não é prerrogativa apenas do setor público, mas também está no comportamento, ao que tudo indica, oportunista e antiético de algumas empresas privadas.

Um desses casos é o que ocorreu na cidade de Manaus, onde a falta de cilindros de oxigênio fez com que algumas empresas escondessem o produto para a especulação do preço.

9. Responsabilidade de todos e todas no combate à pandemia

E o cidadão brasileiro? Vê-se que parte da população também contribuiu para esse cenário da pandemia, pois tivemos uma parcela de negacionistas, se aglomerando, fazendo festas clandestinas, reuniões de pessoas acima do número razoável das recomendações do Ministério da Saúde e muita gente relativizando a pandemia e suas consequências, negando qualquer orientação médica e científica.

Não há que se esquecer também daqueles que propagam as Fake News no uso de recomendação de medicamentos não aprovados no combate à pandemia e a esperteza dos “fura filas da vacina”, que representa falta de ética e comportamento de corrupção.

Num problema dessa dimensão, o mais razoável seria a colaboração cidadã e a responsabilidade social por parte do Estado, das empresas e dos cidadãos, no sentido de podermos contarmos uns com os outros para um bem maior.

No entanto, o que vimos até aqui nos mostra um cenário bastante desafiador para vencermos a pandemia da Covid-19, considerando a má gestão no enfrentamento à Covid, na ausência de sentido de coletividade ou pelo mal uso do dinheiro público.

Por outro lado, temos também vários exemplos positivos durante a pandemia. Vimos empresas e pessoas unindo esforços para ajudarem os pequenos empreendedores a não fecharem suas portas, vimos ainda empresas doando insumos necessários à saúde, empresas e pessoas doando seu tempo em trabalhos voluntários em prol das pessoas de baixa renda, a fim de minimizar a fome de muitos, entre outras medidas positivas.

Aqui citamos o protagonismo das empresas que se uniram ao projeto “Unidos pela Vacina” a fim de facilitar a distribuição da vacina a todos os brasileiros até setembro de 2021.

Isso porque, iniciada a vacinação no país em 17/01/2021, vemos que o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19 segue com inúmeros desafios, seja pela falta de insumos internos para elaboração dos imunizantes, seja pela falta de compra de vacinas suficientes à população brasileira, seja por outras questões de gestão e logística.

Leia também: Entenda tudo sobre Programa Nacional de Imunizações (PNI)!

Vemos que a nível federal se abriu uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar se os gestores na Administração Federal têm eventual culpa em sua ação ou omissão na condução do enfrentamento da Covid-19. O papel da CPI é investigativo, e você pode verificar neste conteúdo a seguir do Politize! o resultado do Relatório da CPI da Covid-19.

Nesse mesmo sentido, é essencial que exista CPIs nos Estados e Municípios.

10. A pandemia acabou?

A pergunta feita no início, é trazida aqui novamente: O que podemos aprender com os erros de gestão cometidos durante essa pandemia?

Primeiramente, ressaltaria a necessidade de termos um senso de coletividade, interdependências e colaboração pela nossa própria sobrevivência.

É importante ressaltarmos que a pandemia ainda não acabou e que a prudência nunca foi tão importante nesse momento em que as pessoas relaxaram nos cuidados de prevenção à Covid-19 com o avanço da vacinação.

Todo cuidado ainda é necessário, diante de novas variantes dos vírus, sendo necessária muita cautela até que a maior parte da população esteja vacinada. Até lá, como cidadãos brasileiros, temos que minimamente:

  1. Colaborar com o cumprimento às normas e orientações sanitárias;
  2. não disseminar Fake News;
  3. não descredibilizar as instituições da nossa Democracia;
  4. cobrar maior transparência e publicidade dos atos dos governos;
  5. atuarmos como cidadãos mais ativos criando e cobrando projetos de leis que beneficiem a sociedade como um todo;
  6. e nos preparando para exercer a soberania do voto nas próximas eleições por meio da escolha de gestores públicos mais bem preparados.

Com base em tais premissas estaremos melhor preparados para o enfrentamento de novas pandemias no futuro.

Por ora, é tempo de resguardarmos nossos familiares, cuidarmos dos nossos amigos, garantirmos o retorno em segurança ao nosso trabalho e, gradualmente, voltamos com o funcionamento pleno da indústria e do comércio.

Fazemos isso sem nos esquecermos de nos solidarizarmos com os mais vulneráveis, a fim de que possamos sobreviver a esses tempos pandêmicos juntos de uma forma mais cidadã, colaborativa e humanizada.

Referências:

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27 jul. 2024

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