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Corte Internacional de Justiça: o que é e como funciona?

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O Palácio da Paz, em Haia, nos Países Baixos é conhecido como a 'sede do direito internacional', por sediar a Corte Internacional de Justiça.
O Palácio da Paz, em Haia, nos Países Baixos é conhecido como a ‘sede do direito internacional’, por sediar a Corte Internacional de Justiça.

Aplicação de tratados internacionais? Delimitação de fronteiras? Responsabilidade por danos ambientais transfronteiriços? Caça de baleias na Antártida? Legalidade do uso da força? Testes nucleares? Imunidade diplomática? Um tribunal italiano tem competência para determinar que a Alemanha pague indenizações para vítimas do nazismo? A transferência da embaixada dos Estados Unidos em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, viola o direito internacional? – todas essas são temáticas e questões que já foram ou estão sendo analisadas pela Corte Internacional de Justiça.

Entenda como juízes de diferentes nacionalidades, representantes de diversas culturas e tradições jurídicas, adotam o francês ou o inglês como línguas oficiais de trabalho e se unem nos Países Baixos para decidir sobre as mais diversas controvérsias surgidas entre os países ao redor do mundo.

Um pouco da história da Corte Internacional de Justiça

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) é o principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU). Ela foi criada em 1945, pela própria Carta da ONU (art. 92) e começou seu funcionamento em 1946, substituindo a antiga Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI).

A CPJI tinha sido criada em 1921 e foi oficialmente extinta em 1946. Ela estava associada à ordem internacional vigente no pós-Primeira Guerra Mundial, quando o Tratado de Versalhes (1919) criou a Liga das Nações. A Liga das Nações é considerada a antecessora da atual ONU. Ela foi uma organização internacional voltada para a promoção de cooperação entre os Estados e manutenção da paz. No entanto, como sabemos, a Liga das Nações não foi capaz de impedir a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional tinha a necessidade de criar uma nova organização internacional que superasse as fragilidades da Liga das Nações e fosse capaz de impedir novas guerras sistêmicas. Assim, a ONU e a CIJ foram criadas no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial.

A Corte Internacional de Justiça também é chamada de ‘Corte Mundial’ ou ‘Corte de Haia’, devido ao seu caráter universal e ao fato de estar sediada na cidade de Haia, nos Países Baixos. O Estatuto da CIJ (ECIJ) é um anexo integrante da Carta da ONU e todos os membros das Nações Unidas são partes no Estatuto da CIJ (art. 93 da Carta da ONU).

Diferenças entre a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional

É importante advertir que a CIJ não se confunde com o Tribunal Penal Internacional (TPI), que também tem sede em Haia, mas é voltado para o julgamento de indivíduos; enquanto a CIJ é voltada para a solução de disputas entre Estados.

O Estatuto de Roma (1998) é o instrumento legal que rege a competência e o funcionamento do Tribunal Penal Internacional. O TPI não é órgão da ONU e está restrito ao julgamento de indivíduos por crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crime de genocídio e crime de agressão. Ele é complementar às jurisdições penais nacionais e julga pessoas responsáveis pelos mais graves crimes de natureza internacional (artigos 1° e 5° do Estatuto de Roma).

Como exemplo de seu funcionamento, podemos citar o primeiro julgamento finalizado pelo TPI. Em 2012, Thomas Lubanga – ex-líder de um movimento rebelde da República Democrática do Congo – foi considerado culpado pelos crimes de guerra de alistamento e recrutamento de menores de 15 anos e sua utilização para participação ativa em hostilidades (crianças-soldado). Ele foi condenado a uma pena de 14 anos de prisão.

A CIJ, por sua vez, tem competência para tratar dos mais variados temas de interesse dos Estados. Podemos citar como exemplo de sua atuação, o caso ‘Obrigação de negociar acesso ao Oceano Pacífico’, envolvendo Bolívia e Chile. Após a vitória do Chile na Guerra do Pacífico (1879-1883), novos limites territoriais foram definidos entre os países, o que fez com que a Bolívia perdesse sua saída para o mar. Em função disso, em 2013, a Bolívia pleiteou perante a CIJ que o Chile fosse obrigado a negociar de boa-fé a fim de chegar a um acordo que concedesse à Bolívia acesso soberano ao Oceano Pacífico. A CIJ emitiu decisão de mérito em 2018 e, após analisar as bases jurídicas invocadas pela Bolívia, entendeu que o Chile não estava juridicamente obrigado a negociar com a Bolívia.

As peculiaridades da jurisdição internacional

Os Estados, assim como os indivíduos, estão sujeitos a divergências de interesses e pretensões resistidas e, em alguns casos, os conflitos são inevitáveis. Em caso de conflito entre Estados, a Carta da ONU e diversos outros instrumentos internacionais consagram a solução pacífica de controvérsias. A solução judiciária oferecida pela CIJ é apenas um dos meios pacíficos pelos quais uma controvérsia internacional pode ser solucionada.

As cortes internacionais se diferenciam de outras formas de solução de conflitos entre os Estados, pois formam um organismo institucionalizado com funções claras e determinadas, fixadas em instrumentos internacionais solenes, tendo jurisdição e competência permanentes. Atualmente, o foro judiciário internacional conta com diversas cortes, algumas de caráter universal, a exemplo da CIJ; outras regionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH); ou especializadas em razão da matéria, como o Tribunal Internacional de Direito do Mar.

Funcionamento e composição da Corte Internacional de Justiça

A CIJ se destaca por ser o tribunal internacional permanente de maior abrangência na sociedade internacional, uma vez que sua competência abarca todas as questões que as partes lhe submetam, bem como todos os assuntos especialmente previstos na Carta da ONU ou em tratados e convenções em vigor (art. 36 do ECIJ).

A CIJ funciona de forma permanente e é composta por quinze juízes de diferentes nacionalidades. Os juízes devem ser independentes, ter alta consideração moral e ter condições para o exercício das mais altas funções judiciais em seus respectivos países ou terem reconhecida competência na área de direito internacional. Cada juiz tem um mandato de nove anos, reconduzível, sendo que há renovação de um terço dos membros a cada três anos (artigos 3, 2 e 13 do ECIJ).

Os juízes são eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU. A fim de assegurar a universalidade do tribunal, existe uma preocupação geopolítica e nas eleições deve se considerar que sejam representadas as grandes civilizações e os principais sistemas jurídicos do mundo (artigos 4 e 9 do ECIJ). O Brasil já teve alguns nacionais seus como membros da CIJ. Atualmente, o professor Antônio Augusto Cançado Trindade é um dos juízes da CIJ.

Detalhe da parte interna da Corte Internacional de Justiça.
Detalhe da parte interna da Corte Internacional de Justiça.

A relação da CIJ com os Estados

Como os Estados são soberanos, eles não são originalmente jurisdicionáveis no plano internacional, portanto, a atuação da CIJ só se torna possível quando os próprios Estados aceitam a sua jurisdição. Esse consentimento pode ser dado por diversos meios, como um acordo prévio específico; cláusula jurisdicional em algum tratado prevendo o acionamento da CIJ; ou através do efeito recíproco de declaração de intenções sobre o aceite da jurisdição da CIJ (artigos 36 e 37 do ECIJ).

A CIJ toma suas decisões com base no direito internacional e aplica como fontes do direito: os tratados e convenções internacionais em vigor, o costume internacional, os princípios gerais do direito, as decisões judiciais e a doutrina mais qualificada. Se as partes concordarem, a CIJ poderá decidir usando também regras de equidade (art. 38 do ECIJ).

A CIJ como órgão de consulta

Além de resolver conflitos jurídicos submetidos pelos Estados envolvendo as mais diversas matérias, como interpretação de tratados internacionais, responsabilidade internacional e delimitação territorial (função contenciosa); a CIJ também emite pareceres sobre questões jurídicas (função consultiva).

No entanto, ressalta-se que os pareceres não podem ser solicitados pelos Estados. Apenas a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da ONU podem requerer parecer da CIJ sobre qualquer questão jurídica. Outros órgãos da ONU e agências especializadas, quando autorizadas pelas Assembleia Geral, podem solicitar parecer consultivo, mas desde que envolva questões jurídicas relacionadas com as suas esferas de atuação (art. 96 da Carta da ONU).

As decisões da CIJ são obrigatórias? Quem garante que elas sejam cumpridas?

O parecer consultivo não tem força vinculante, ou seja, não obriga os organismos da ONU, mas tende a ser observado por sua força moral. Diferentemente, as decisões proferidas pela CIJ no exercício da função contenciosa, são definitivas e obrigatórias para os Estados em disputa. Se uma das partes deixar de cumprir a decisão da CIJ, o Estado vencedor poderá recorrer ao Conselho de Segurança da ONU, que, se julgar necessário, irá tomar medidas para exigir o cumprimento da decisão (art. 94 da Carta da ONU).

No entanto, a execução das decisões da CIJ pode ser comprometida pela natureza do Conselho de Segurança. Ocorre que o Conselho de Segurança não toma decisões técnicas-jurídicas, como a CIJ; mas sim político-militares. Portanto, qualquer decisão por parte do Conselho de Segurança irá depender da vontade política de seus membros, especialmente de seus membros permanentes.

O Conselho de Segurança da ONU é composto por quinze membros, sendo cinco permanentes – Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China – e dez rotativos (artigos 23 e 27 da carta da ONU). Como os membros permanentes têm poder de veto, a discordância de qualquer um deles impediria a adoção de medidas para fazer cumprir uma decisão da CIJ.

Foi isso o que ocorreu no caso ‘Atividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua’, julgado pela CIJ em 1986. Em 1984, a Nicarágua pleiteou perante a CIJ a responsabilização dos Estados Unidos por violar o direito internacional ao apoiar o grupo Contras que se opunha aos Sandinistas. A CIJ entendeu que certos ataques ocorridos na Nicarágua podiam ser atribuídos aos Estados Unidos e que houve intervenção em assuntos internos de outro país, com violação da soberania territorial da Nicarágua.

A sentença reconheceu a responsabilidade dos Estados Unidos e determinou o pagamento de indenização em favor da Nicarágua. No entanto, os Estados Unidos bloquearam a execução da sentença pelo Conselho de Segurança, o que impediu que a Nicarágua obtivesse qualquer compensação.

Eficácia das decisões da CIJ é reflexo da sociedade internacional

Portanto, juridicamente, o poder de veto representa um vício de formação nas tomadas de decisão do Conselho de Segurança, pois dificilmente se conceberia a aplicação de sanções a qualquer um dos cinco Estados que detêm poder de veto. Entretanto, politicamente, essa foi a saída encontrada para formação de um consenso em torno de uma nova organização internacional que objetivava manter a paz e a segurança internacionais no pós-Segunda Guerra Mundial. Não por acaso, os membros permanentes do Conselho de Segurança são os países vencedores da Segunda Guerra Mundial de maior expressividade na época.

Assim, o que torna a atuação da CIJ única e tão diferente do que estamos acostumados a verificar no plano nacional é a própria característica da sociedade internacional, que é descentralizada e anárquica. No plano internacional, não existe um órgão dotado de jurisdição obrigatória que imponha direitos e obrigações aos Estados. A submissão de uma questão jurídica a uma corte internacional fica condicionada à adesão dos Estados e a executoriedade da decisão – quando não cumprida de boa-fé pela parte vencida na disputa – fica limitada ao interesse dos membros permanentes do Conselho de Segurança.

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REFERÊNCIAS

Carta da ONU e Estatuto da CIJ

Estatuto de Roma

Site oficial da Corte Internacional de Justiça

Site oficial do Tribunal Penal Internacional

Paulo Henrique Gonçalves Portela: Direito internacional público e privado

José Francisco Rezek: Direito internacional público: curso elementar

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Especialista em Direito Internacional e Mestre em Relações Internacionais. Acredita no poder transformador do conhecimento e na importância da disseminação de educação política.

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