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Etnocídio: entenda de maneira simples o que significa

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imagem ilustrativa etnocídio. Imagem: pxhere.com
Imagem: pxhere.com

Em debates de temas como o da crise climática e sustentabilidade, pode vir a surgir o termo etnocídio. Geralmente, este termo está associado ao que as populações locais sofrem com a destruição dos seus ecossistemas e da sua herança cultural.

Neste conteúdo do Politize!, explicaremos como o termo etnocídio surgiu, em qual contexto e por quê é um tema relevante nos dias atuais.

O que é etnocídio e como este conceito surgiu?

Após a Segunda Guerra Mundial, Raphael Lemkin, advogado de origem polonesa e que vivia nos Estados Unidos desde 1941, cunhou os termos genocício e etnocídio no seu livro Axis Rule In Occupied Europe (1944). Para o autor, genocídio consiste na destruição de uma nação ou grupo étnico, sendo uma prática antiga que acabou sendo mais desenvolvida na modernidade. 

A origem do termo é a combinação de genos (palavra de origem grega que significa raça ou tribo) e de cídio (vem do latim cidĭum e significa matar). Além disso, Lemkin ressalta que além da palavra genocídio, outro equivalente a ser usado é o termo etnocídio, combinação das palavras de origem grega ethnos que significa povo ou nação e cídio, de origem latina. 

Outros autores como o etnólogo francês Robert Jaulin possuem uma perspectiva diferente sobre o conceito de etnocídio: Paulin, no seu livro La Paix Blanche: introduction à l’ethnocide, define etnocídio como o ato de destruição de uma civilização, ou “descivilização”. Esta definição está muito vinculada aos conceitos de progresso e desenvolvimento, geralmente culminando na destruição da diversidade cultural do restante do mundo.

Essas concepções de progresso e desenvolvimento estão associadas ao colonialismo e ao imperialismo, já que durante a colonização das Américas, por exemplo, ocorreu o domínio através do controle e da destruição de pessoas com traços culturais específicos. 

Um dos exemplos que Jaulin utiliza no seu livro é o caso do grupo indígena Bari, na região entre a Venezuela e a Colômbia. A violência contra o grupo partia de várias vertentes: desde ações da Igreja, até ações dos exércitos de ambos os países e a instalação de empresas estrangeiras de petróleo que passavam a atuar na região onde o grupo habitava, que tinham o apoio do governo local.

Assim, pode-se considerar que o etnocídio é o extermínio das características culturais de uma comunidade, podendo levar à sua extinção enquanto grupo. Atualmente, o termo não é visto mais como um sinônimo de genocídio, e alguns teóricos defendem que os membros da comunidade podem até sobreviver este processo, mas perdem totalmente a sua especificidade cultural. Assim, o grupo sofre um processo de assimilação, ou seja, incorporação forçada, na cultura dominante.

“Etnocídio” e as convenções e declarações internacionais

Os trabalhos preparatórios para a Convenção sobre Genocídio de 1951 esclarecem três aspectos do genocídio cultural ou etnocídio:

  1. ​a assimilação forçada, conversão à cultura dominante e transferência forçada de crianças do grupo local para o grupo dominante;
  2. proibição do uso do idioma local em instituições públicas e em publicações como livros, revistas, entre outros;
  3. e por fim a destruição do patrimônio cultural de determinada comunidade, como objetos históricos, museus, escolas, locais religiosos, etc. 

No esboço da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que foi aprovada somente em 2007, depois de mais de vinte anos em negociação, o artigo 7 afirmava que os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de não serem submetidos ao etnocídio e genocídio cultural.

Com o decorrer dos processos de negociações, o vocabulário da declaração foi mudado e o artigo 7 foi substituído pelo artigo 8: os povos e indivíduos indígenas têm o direito de não serem submetidos à assimilação forçada ou à destruição de sua cultura.

O conceito de etnocídio foi sendo popularizado através de diversos eventos na comunidade internacional: 

Declaração de Barbados de 1971

Diversos antropólogos e figuras políticas reuniram-se e criaram a Declaração de Barbados, que discorre sobre como os grupos indígenas foram e continuam sendo submetidos a uma espécie de colonialismo dentro da América Latina e como essa dinâmica está relacionada com o imperialismo da ordem internacional.

Conferência sobre a Discriminação contra as Populações Indígenas nas Américas em 1977

Realizada dentro do sistema das Nações Unidas em Genebra e contou com a participação de ONGs internacionais e cerca de 60 grupos indígenas de 15 países. Durante a conferência, os representantes indígenas denunciaram as práticas de etnocídio. Tais práticas são justificadas como “uma maior integração nacional e desenvolvimento econômico”. Os representantes indígenas também apelaram para que a comunidade internacional passasse a reconhecer o etnocídio como uma violação do Direito Internacional, assim como o genocídio.

Declaração de San José de 1981

Afirma que o etnocídio é um processo complexo com antecedentes históricos, sociais, políticos e econômicos e reitera a importância da questão das comunidades indígenas da América Latina no debate internacional. 

Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007

Aprovada na Assembleia Geral com 114 votos a favor, a declaração é o documento mais abrangente sobre o tema e estabelece as condições mínimas para a manutenção da dignidade e bem-estar das comunidades indígenas ao redor do mundo.

O etnocídio na história recente

Infelizmente, práticas genocidas e etnocidas tem sido presente na nossa história recente:

  • Genocídio e etnocídio do povo armênio na Primeira Guerra Mundial: entre 1910 e 1920, o então Império Otomano responsabilizou em parte a sua derrota contra a Rússia ao povo armênio, já que uma parte da sua população apoiou a Rússia de modo a tentar lutar pela sua independência como nação. Assim, o Império Otomano passou a perseguir esta comunidade: a estimativa é que cerca de 1.5 milhões de armênios foram mortos nesse período, e a sua cultura e costumes foram destruídos de modo a apagar a sua história;
  • Genocídio e etnocídio do durante a Segunda Guerra Mundial: com a ascensão do nazismo, diversos grupos passaram a ser perseguidos pelas autoridades, entre eles judeus, comunistas, pessoas com deficiência e pessoas da comunidade LGBT. Com a intenção de fazer uma ”limpeza étnica”, registros históricos e o patrimônio cultural destas comunidades foram destruídos também;
  • Genocídio e etnocídio das populações indígenas na América Latina: como consequência do colonialismo e imperialismo, as populações indígenas foram sendo perseguidas. Antes do início da colonização, estima-se que nas Américas habitavam cerca de 8 milhões de pessoas. De acordo com o censo de 2010 do IBGE, a população indígena do Brasil era de cerca de 800.000 pessoas. Durante o processo de colonização, as populações indígenas viram o seu património cultural e histórico ser destruído também.

Talvez você também se interesse em aprender mais através do mapa de genocídios pelo mundo:

Qual é a importância deste tema atualmente?

Além das comunidades afetadas, perda de vidas e da diversidade cultural da população local, o etnocídio e o genocídio pode ter impactos ambientais também. Um dos principais exemplos nesta questão é a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. 

A construção da hidrelétrica altera o ecossistema local, além de ser um projeto considerado de altíssimo risco para a sua sobrevivência étnica. A procuradora da República Thaís Santi que trabalha em Altamira, em entrevista para o El País, adverte: ”eu realmente acho que existe uma tragédia acontecendo aqui, que é a invasão das terras indígenas, é a desproteção. A gente vê a madeira saindo. As denúncias que recebemos aqui de extração de madeira na terra indígena Cachoeira Seca, na terra indígena Trincheira Bacajá, elas são assustadoras.”

Como vimos durante o texto, inicialmente, o criador do termo etnocídio o utilizou pela primeira vez como sinônimo do conceito de genocídio. Com o avanço dos movimentos pelos direitos das comunidades indígenas em preservarem a sua diversidade cultural, o termo passou a se referir às ações sistemáticas de atores políticos em apagar e destruir a herança cultural destes povos, seja de forma direta ou indireta. 

Dentro da esfera dos debates sobre questões ambientais, este tema é de extrema relevância nos dias atuais, já que existem diversos interesses envolvidos e, além disso, preservar as culturas das comunidades indígenas é também preservar o nosso patrimônio cultural como um todo.

Você compreendeu o que significa etnocídio? Possui dúvida ou opinião sobre o assunto? Escreva para nós nos comentários!

Referências:

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Conteúdo escrito por:
Licencidada em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa e acredita que a educação política deve ser acessível à todas as pessoas.

Etnocídio: entenda de maneira simples o que significa

23 abr. 2024

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