Lei da Ficha Limpa: candidatos com suspeita de crimes na justiça podem se eleger?

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Lei da Ficha Limpa. Imagem: Tribunal Superior Eleitoral.

Muito se especula se, com a Lei da Ficha Limpa, candidatos suspeitos de crimes na justiça poderão participar das eleições de 2022 e se eleger para cargos públicos.

Indo direto ao ponto, tais candidatos podem sim se candidatar e, consequentemente, se eleger. Isso porque, para ser inelegível, é necessário condenação definitiva ou de órgão colegiado. Neste texto, explicaremos melhor a razão de ser possível que pessoas nessas condições sejam elegíveis.

Quem são os inelegíveis de acordo com a Constituição?

A Constituição Federal tem um capítulo chamado “Dos Direitos Políticos”, o capítulo IV, que trata sobre voto, elegibilidade e mandato, temas abrangentes dos direitos políticos. Neste capítulo é possível encontrar quem são os inelegíveis.

Contudo, é importante lembrar que a Constituição também prevê a possibilidade de lei complementar que poderá tratar de outros casos de inelegibilidade.

Antes de entender o que torna um cidadão inelegível, é importante entender o que o torna elegível. Conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 (art. 14, §3º, CF/88), são requisitos para elegibilidade:

  • nacionalidade brasileira;
  • pleno exercício dos direitos políticos;
  • alistamento eleitoral, ou seja, expedição do primeiro título eleitoral;
  • domicílio eleitoral na circunscrição, podendo ser definido como domicílio eleitoral, segundo jurisprudência do TSE, o lugar onde o interessado tenha vínculo político, social, patrimonial e de negócio;
  • filiação partidária, que é a forma que um interessado tem de se ligar a um partido político, através de compatibilidade de ideais;
  • e idade mínima, que varia de acordo com o cargo pretendido.

Também estabelecida pela Constituição, temos os primeiros casos de inelegibilidade: os inalistáveis e os analfabetos (art. 14, §4º, CF/88). Sabendo que o alistamento eleitoral é requisito de elegibilidade, certo de que aqueles que não podem se alistar não podem se eleger.

Dentre os que não podem se alistar estão os que não cumprem todos os requisitos exigidos por lei para o exercício do direito do voto, estrangeiros e os conscritos no serviço militar obrigatório. Contudo, nem todas as situações de inelegibilidade correspondem diretamente a requisitos de elegibilidade.

No caso dos analfabetos, considerando aqueles que não sabem, total ou minimamente, nem ler e nem escrever, para confirmação de sua inelegibilidade, não tendo juntado comprovante de escolaridade ao Requerimento do Registro de Candidatura, serão submetidos a teste de alfabetização, não sendo nele aprovado.

Há possibilidade de ingresso de recurso quanto à validade do teste de alfabetização, contudo, se confirmada sua validade em todas as instâncias recursais, será considerado inelegível.

Outra situação de inelegibilidade prevista na Constituição é a relacionada ao parentesco. Mais precisamente, os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, no território de jurisdição do titular, compreendido pelo local onde o candidato se elegeu, do Presidente da República (art. 14, §7º, CF/88).

Nesse caso estão abrangidos também os cônjuges e os parentes de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição, não podem ser eleitos (art. 14, §7º, CF/88).

São esses os casos de inelegibilidade previstos na Constituição Federal, trazidos pelo capítulo IV. Mas, conforme mencionado anteriormente neste subtítulo, no mesmo artigo, há a previsão de que lei complementar trate sobre o assunto, estabelecendo outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação, com a finalidade de proteção (art. 14, §9º, CF/88).

Nesse sentido, temos a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, primeira lei a tratar sobre casos de inelegibilidade, período para sua cessação e dar outras providências, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e vigente até a presente data, embora tenha sofrido modificações em seu conteúdo, que serão tratadas a seguir.

E a Lei da Ficha Limpa?

Sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa, faz alterações significativas e importantes na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

Muitas expectativas são formadas através da Lei da Ficha Limpa e como ela pode impactar sobre candidatos suspeitos, que respondem ou condenados em processos criminais.

Contudo, é necessário lembrar-se dos princípios e determinações estabelecidos pela Constituição Federal, uma vez que nenhuma lei é “maior” que ela, como o princípio da Presunção de Inocência, presente no artigo 5º, inciso LVII, CF/88 e os requisitos de elegibilidade, já citados aqui.

O princípio da Presunção de Inocência diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, basicamente, até que se prove o contrário, todos serão tidos como inocentes.

Assim, candidatos que são suspeitos ou respondem a processos criminais têm seus direitos políticos preservados, cumprindo, desta forma, um dos requisitos de elegibilidade.

Logo, por mais que tratemos neste texto especificamente da esfera criminal, a Lei da Ficha Limpa traz inúmeras possibilidades de o candidato se tornar inelegível, que incluem hipóteses visando a proteção da probidade administrativa e da moralidade no exercício do mandato.

Os crimes, os prazos e as decisões na Lei da Ficha Limpa

A Lei da Ficha Limpa incluiu no inciso I, do art. 1º da Lei Complementar nº 64, a alínea “e”, com os crimes pelos quais, se condenado, o candidato se torna inelegível. Dentre os crimes trazidos temos lavagem de dinheiro, racismo, tráfico de drogas, praticados por organização criminosa, contra a vida e a dignidade sexual, contra a saude pública, entre outros.

Com a introdução da lista de crimes que tornam o candidato inelegível, foi instituído também um prazo de duração para essa restrição. O prazo para inelegibilidade nesses casos é, desde a condenação até o decorrer do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena estabelecida pelos crimes cometidos.

A referida lei também dispôs sobre a forma, que deve ser por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, com exemplos os Tribunais de Justiças, Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, todos aqueles que dão decisão em grupo/turma.

Nesse último caso, podemos citar de exemplo as condenações do ex-presidente Lula, hoje alunadas e que, enquanto vigentes à época, o tornaram inelegível, impossibilitando sua candidatura nas eleições presidenciais de 2018.

Os suspeitos são inocentes com seus direitos políticos preservados

O candidato que, por alguma razão, está sendo investigado, ou seja, suspeito de crimes na justiça pode, além de lançar sua candidatura, se eleger para o cargo pretendido, seja ele de vereador, prefeito, deputado, governador, senador e até mesmo presidente da república.

Como previsto em lei e trazido para este texto, a inelegibilidade ocorre por situações específicas e, se tratando de crimes, é necessário que esteja previsto no texto da lei e não seja de natureza culposa, quando não há intenção por parte do acusado, mas o resultado acaba ocorrendo (art. 1º, §4º da LC 135).

Para ocorrer inelegibilidade é necessário que o crime também não seja de menor potencial ofensivo, conhecido como contravenções penais, ou de ação penal privada, cujo polo ativo da ação é a própria vítima e não o poder público, representado, nestes casos, pelo Ministério Público (art. 1º, §4º da LC 135).

Além disso, como já é de conhecimento do leitor, é necessário condenação com decisão irrecorrível, que tenha transitado em julgado, ou proferida por órgão judicial colegiado, por uma turma, como as enunciadas pelo STF e STJ. Só assim, o candidato fica impossibilitado de concorrer a qualquer cargo político que pretenda.

A elegibilidade ocorre porque os candidatos suspeitos são cidadãos que gozam de seus direitos políticos, considerados inocentes até que seja comprovado o contrário e livres para então, se cumprirem com os demais requisitos estabelecidos pelo art. 14 da Constituição Federal de 1988, promoverem sua candidatura para uma possível eleição.

E aí, conseguiu entender porque os candidatos com suspeita de crimes na justiça podem se eleger? Deixe suas dúvidas nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Advogada e Consultora Jurídica inscrita na OAB/MG, graduada pelo Centro Universitário Estácio e atuante na área de Direito Público. Presta serviços visando ações para proteção, preservação e manutenção do patrimônio histórico e cultural, realizando, junto a uma empresa parceira, consultoria especializada para municípios brasileiros.

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29 abr. 2024

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