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Lulismo: O que é esse fenômeno político brasileiro?

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Lula no debate da Globo. Após ser derrotado no embate, Bolsonaro apela para mentiras. Imagem: Ricardo Stuckert.

A história política brasileira foi marcada por grandes personalidades, todas essas capazes de mobilizar considerável parcela da população às ruas e reivindicar suas pautas. Os nomes de Getúlio Vargas, João Goulart, Dilma Rousseff e Jair Messias Bolsonaro são facilmente lembrados.

Entretanto, dentre esses líderes, apenas alguns foram capazes de criar uma forma de identificação política tão rápida, durável e contundente como a de Luiz Inácio Lula da Silva, esse considerado o principal líder da esquerda brasileira atual, e cuja base sobrevive há mais de 20 anos desde sua primeira vitória presidencial e uma série de escândalos de corrupção.

Nesse texto, a Politize! explica a origem, a relevância e as múltiplas interpretações acerca do lulismo. Afinal, você conhece o conceito? Ele ainda está presente nos dias de hoje? Trata-se de uma forma de populismo? Ficou curioso(a)? Essas e outras dúvidas a Politize! te explica.

Veja também: O que é o bolsonarismo? Um novo movimento social ou não?

Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores

Lula discursando para metalúrgicos grevistas em 13 de maio de 1979. Fonte: Memorial da Democracia, J.C Brasil/CPDoc JB.

No dia 10 de fevereiro de 1980, em um colégio de classe média alta e em um contexto de progressivo aumento das liberdades políticas durante a Ditadura Militar (1964-1985), o Partido dos Trabalhadores (PT) nasceu.

Uma agremiação que, na sua fundação, se caracterizava pela união de diferentes setores da sociedade como intelectuais, jovens universitários, comunidades de base da Igreja Católica (Teologia da Libertação), militantes de esquerda e, evidentemente, líderes sindicalistas. Dentre os diversos nomes fundadores, estava o de Lula.

Veja também: História do sindicalismo no Brasil e no mundo!

Nascido em Pernambuco em 1945, Lula é o sétimo filho de um casal de lavradores. O ex-presidente viveu uma vida de pobreza no interior nordestino, até se mudar para São Paulo, onde atuou em diferentes profissões, como engraxate, até iniciar sua carreira como metalúrgico no ABC Paulista, na Grande São Paulo.

Ainda no decorrer do Regime Militar, Lula passou a liderar uma série de greves gerais entre 1979 e 1980 com o objetivo de melhorar a qualidade dos trabalhadores industriais e garantir reajuste salarial. O movimento foi fortemente reprimido pelo governo vigente, contudo, contou com a mobilização de cerca de 200 mil trabalhadores por duas semanas.

No dia 19 de abril de 1980, Lula é preso por um mês até ser posteriormente libertado e, com interesse em manter sua atividade política e sindical, fundou o partido que se mantém associado até o presente momento. Porém, hoje a sua identidade supera a do PT, como explicar esse fenômeno?

Veja também nosso vídeo sobre como seria se o Lula tivesse vencido as eleições de 1989!

Petismo versus lulismo: diferenças conceituais?

O conceito de lulismo foi criado em 2012 pelo cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP), André Singer. O termo é utilizado para caracterizar os apoiadores e eleitores de Lula, entretanto, esses mesmos não se identificam com o petismo. Mas o que exatamente seria o petismo? E como diferenciá-lo do lulismo?

O petismo é um movimento político-social de esquerda e de identificação com o Partido dos Trabalhadores e suas propostas. Como sugere o estudioso David Samuels (2004), os petistas seriam sujeitos de esquerda e que acreditam na transformação social através da participação coletiva. Portanto, o traço fundamental estaria na mobilização popular contra as classes dominantes.

No entanto, o mesmo não é possível de se afirmar sobre os lulistas. O principal traço, e como presente na interpretação de Singer em seu livro Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador (2012), a aprovação política de Lula, estaria associada com medidas de inclusão social sem qualquer processo de radicalização e transformações estruturais.

Para André Singer, que também é ex-porta voz do governo Lula (2003-2007), o lulismo é o resultado de um reformismo fraco e realinhamento ideológico-político daqueles que desejavam a redução de desigualdades sociais, mas sem transformação total da sociedade. Nesse sentido, os eleitores de Lula não seriam necessariamente de esquerda, mas sujeitos moderados e isentos de meios próprios de organização.

Veja também: Esquerda e direita: o que dizem história e teoria

O lulismo como personalismo político: seria Lula um populista?

Lula e o então vice-presidente José Alencar em cerimônia de posse em 2 de janeiro de 2007. Fonte: Dida Sampaio.

O populismo é um conceito que possui uma série de interpretações e muitas vezes gera dúvidas pela forma genérica que é usado para se referir a líderes políticos carismáticos e a relação que estes estabelecem com o “povo”. Não diferentemente, o termo é aplicado para se referir ao lulismo.

Reconhecido como um fenômeno cujas proporções ultrapassam as eleições do próprio Partido dos Trabalhadores, a pergunta acerca das capacidades pessoais de Lula se tornam frequentes: Afinal, Lula é ou não um líder populista?

Assumindo a definição teórica de Ernesto Laclau (2011, 2013), o populismo seria uma lógica política que possui um “significante vazio”. Isto é, que não possui um conteúdo ideológico fixo e pode ser preenchido por diferentes critérios e elementos a depender do contexto social, cultural de uma sociedade.

Contudo, assim como enfatiza Laclau, demais teóricos do populismo, também chamam atenção para o traço fundamental do dualismo discursivo existente na lógica política. Uma binaridade que pode ser sintetizada entre o conflito “nós versus eles” ou o combate ao establishment, as instituições e o status quo vigente.

Com base nessas interpretações, o questionamento acerca do lulismo como um movimento populista ou de personalismo político foi respondido pelos cientistas políticos de formas distintas, enquanto alguns apontam que sim ─ políticas compensatórias, associação com a estrutura sindical e relação com as massas ─, muitos veem Lula muito mais como uma figura conciliatória e institucional.

Veja também nosso vídeo sobre a história e a ideologia do PT!

O governo Lula e o lulismo: múltiplas interpretações do fenômeno brasileiro

Os eventos políticos, seus líderes e grandes conjunturas podem ser analisados sob as mais diversas lentes e resultar em interpretações, igualmente válidas, mas que partem de abordagens únicas.

O fenômeno do lulismo é um exemplo disso, seja através da leitura do populismo, realinhamento ideológico ou o eleitor lulista como politicamente independente e cujo principal critério é o desempenho do governo (Rennó & Cabello, 2010).

Todavia, é possível identificar alguns dos principais traços do lulismo, como: 1) A aprovação à figura de Lula; 2) A extrapolação à identificação com o Partido dos Trabalhadores e; 3) O caráter reformista e não radical de mudança social e diminuição das desigualdades econômicas.

Portanto, são aspectos que permitem chegar a afirmativa de que o lulismo não implica, necessariamente, um posicionamento político-ideológico no espectro da esquerda.

O lulismo é um fenômeno recente e que ainda intriga muitos, ele estaria em crise? É possível falar em Lula sem dissociá-lo do Partido dos Trabalhadores? O que você acha? Comente e nos conte sua opinião nos comentários.

Referências:
  • BBC News Brasil: O que é ser petista ou lulista?
  • LACLAU, E. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
  • MENDES, A; MARQUES. R.A. O social no governo Lula: a construção de um novo populismo em tempos de aplicação de uma agenda neoliberal, 2006.
  • Memorial da Democracia – A grande greve dos trabalhadores do ABC.
  • SAMUELS, D. As bases do petismo. In: OPINIÃO PÚBLICA, Campinas, Vol. X, no 2, Outubro, 2004, p. 221-241
  • SINGER. A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo:: Companhia das Letras, 2012.
  • RENNÓ, L; CABELO, A. As bases do Lulismo: A volta do personalismo, realinhamento ideológico ou não alinhamento? In: RBCS Vol. 25 n° 74 outubro/2010
  • WEFFORT, F. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. IN: MELO, José Marques de (org.). Populismo e Comunicação. São Paulo: Cortez Editora, 1981. p.5-6.

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Conteúdo escrito por:
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e pesquisadora da UFRJ. Trabalha com ciência política, sociologia e pautas feministas. Acredita na educação e no acesso às informações de forma democrática e universal.

Lulismo: O que é esse fenômeno político brasileiro?

26 abr. 2024

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