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Pandemia, desmatamento e catástrofes ambientais: Dados pandêmicos #4

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Fogo consome parte da floresta amazônica em Novo Progresso, no Pará,
em 23 de agosto de 2020. — Foto: AP Photo/Andre Penner

A série Dados pandêmicos é uma parceria entre Politize! e Instituto Norberto Bobbio. Por meio da criação de infográficos e posterior análise teórica, apresentamos dados produzidos nos últimos dois anos que revelam como a pandemia de Covid-19 impactou – e ainda impacta – a sociedade brasileira como explicitam suas fissuras.

Acompanhe!

Veja também: 
Violência doméstica na pandemia: Dados pandêmicos #1
Abandono escolar e crise educacional: Dados pandêmicos #2
Desafios para combater a desigualdade social no Brasil: Dados pandêmicos #3

O desmatamento na Amazônia

Nos últimos tempos, não é raro ler notícias alarmantes sobre a situação ambiental no Brasil. Pesquisas e reportagens jornalísticas expõem, frequentemente, dados perturbadores sobre a progressão do desmatamento nos biomas nacionais, sobretudo, na floresta amazônica. De fato, a fauna e a flora da maior floresta tropical do mundo vem sendo vítima de diversas agressões perpetradas pela atividade humana. 

O cenário preocupa até mesmo os membros do Senado Federal. No ano de 2021, a Comissão de Meio Ambiente reuniu pesquisadores especialistas na política climática do Governo Federal e de prevenção aos desmatamentos e queimadas. Na ocasião, a diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Ane Alencar, informou que os índices de desmatamento na região seguiam elevados: em 2020, o dado oficial revelou que 9.216 km de floresta haviam sido desmatados. Trata-se da pior métrica nos últimos 12 anos. 

No entanto, em 2021 o horizonte não  foi mais promissor. Segundo Alencar, até outubro de 2021, 8.763 km foram desflorestados, o que corresponde ao segundo pior índice do sistema de alerta do DETER. Tampouco é possível ser otimista em 2022. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon, em 2022 a área de floresta desmatada da Amazônia Legal foi a maior nos últimos 15 anos: entre agosto de 2021 e julho de 2022, 10.781km de floresta  foram derrubadas. Trata-se de uma área sete vezes maior que a cidade de São Paulo.

O relatório “O ar é insuportável: Os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde”,  produzido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAN) em parceria com o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, noticiou que o desmatamento no primeiro semestre de 2020 aumentou 25% em relação ao mesmo período do ano passado. Há ainda outra observação importante: em abril de 2020, o conjunto das áreas desmatadas, não queimadas e recém desmatadas totalizavam  4.509 quilômetros quadrados na Amazônia. Isto equivale, aproximadamente, ao tamanho de 451.000 campos de futebol. Em 2019, a área total  queimada  foi de 5.500 quilômetros quadrados. 

Nesse sentido, o relatório acrescenta que em junho de 2020 registrou-se um aumento de quase 20% de focos de calor no território amazônico, em relação a junho de 2019. Em julho, houve um aumento de 28%  quando comparado ao mesmo mês do ano anterior. 

A sabotagem às estruturas legais de contenção ao desmatamento ilegal da Amazônia é comumente apontada como uma das razões que justificam a negatividade do cenário acima retratado. Uma matéria recente publicada pelo Greenpeace³, instituição atenta às questões ambientais em todo o globo terrestre, aponta as principais tentativas jurídico-legislativas para aprofundar as possibilidades de exploração econômica do bioma.

 Dentre os projetos que ameaçam o interesse coletivo e à saúde pública encontram-se: a legalização da grilagem (o roubo de terras públicas), a  fragilização do licenciamento ambiental; a abertura de terras indígenas para mineração (PL 191/2020); e aumento da liberação de agrotóxicos. Essencialmente, as propostas debatidas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal pretendem alterar regras de uso e ocupação do solo amazônico para legalizar atividades até então ilegais. 

Confira o infográfico que preparamos sobre o tema

O aumento do gás carbônico

O aumento expressivo do desmatamento da floresta amazônica é acompanhado por uma alta de incêndios florestais, os quais espalham-se sem controle ao longo dos 6.700.000 km² que compõem o território. Em um recente estudo promovido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), verificou-se que as  regiões florestais afetadas pela degradação ambiental levam o conjunto da Amazônia a emitir mais carbono do que é possível absorver. Segundo Luciana Gatti, uma das autoras da pesquisa, as queimadas e o desmatamento tornaram a Amazônia uma fonte relevante de emissão de carbono do país. 

Nesse contexto, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima emitiu um press release em outubro de 2021 que informava como as emissões brasileiras de gases de efeito estufa cresceram 9,5% em 2020. O Brasil andou na contramão da tendência mundial, que diminuiu 7% das emissões no mesmo ano em razão das medidas de isolamento social e restrição das atividades empresariais promovidas para combater a pandemia da COVID- 19. 

Trata-se do maior montante de emissões desde o ano de 2006. O pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, Felipe Barcellos, afirma que o setor de energia, responsável por 18% das emissões de gás carbônico em 2019, teve uma queda de 4,6% em 2020. Na verdade, este dado é uma resposta direta à pandemia da COVID-19, pois nesse momento houve uma redução do transporte de passageiros, de produção industrial e geração de eletricidade.

Todavia, a situação do setor de energia não foi compartilhada pelos outros setores da economia brasileira. Ainda de acordo com o mencionado Press Release:

As emissões da agropecuária, que abarcaram 577 milhões de toneladas de CO2e (27% do total nacional) em 2020, também sofreram uma alta, de 2,5%. É a maior elevação desde 2010 num setor cujas emissões nos últimos anos vêm oscilando pouco. Isso ocorreu em parte por uma razão contraintuitiva: a crise econômica diminuiu o consumo de carne, com uma redução de quase 8% no abate de bovinos. O rebanho nacional cresceu 3,2 milhões de cabeças, o que, por sua vez, aumentou também as emissões de metano por fermentação entérica (o popular “arroto do boi”). 

5 pontos para entender as queimadas no Pantanal e floresta Amazônica: veja

As queimadas e a saúde em meio à pandemia da COVID 19

Evidentemente, os efeitos de tais processos são nocivos à saúde humana. O projeto “Engolindo fumaça” observou um fato importante: em 2020, ano em que a Amazônia viveu um dos mais severos ciclos de desmatamento e queimadas, a população local foi acometida pela pandemia da COVID-19. Isto foi particularmente prejudicial ao bem estar dos moradores da região porque as consequências dos incêndios na floresta foram muito agressivas à saúde do aparelho respiratório. 

Assim, respirar a fumaça das queimadas nos municípios dos estados de  Rondônia, Mato Grosso, Acre e Amazonas contribuiu para tornar um determinado grupo de pessoas mais vulneráveis aos efeitos graves da doença causada pelo vírus Sars Cov 2. Ainda de acordo com o Projeto Engolindo Fumaça: 

A cada dia em que os finíssimos grãos de material particulado ficaram em suspensão na atmosfera acima do patamar considerado seguro pela OMS (Organização Mundial de Saúde), o risco de uma pessoa contaminada pelo novo coronavírus ser internada subia 2%. A fumaça das queimadas esteve relacionada a um aumento de 18% nos casos graves de Covid (aqueles em que houve internações hospitalares) e de 24% em internações por síndromes respiratórias nos 5 estados com mais fogo da Amazônia durante as queimadas de 2020 (Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso e Pará).

No entanto, a vulnerabilidade à forma grave da COVID-19 não é a única consequência produzida pelo desmatamento. A reportagem “Inimigos Invisíveis: fumaça das queimadas agrava Covid-19 na Amazônia” produzida pela Infoamazônica informa que, em 2020, os ciclos de queimadas e desmatamento da Amazônia legal brasileira expôs moradores da região  a grandes quantidades de poluentes tóxicos à saúde humana,  principalmente o material particulado – PM 2.5. (Segundo a Agência Europeia do Meio Ambiente, as PM2.5 (ou partículas finas) são partículas em suspensão com um diâmetro inferior a 2,5 micrômetros que  têm sido associadas a doenças e a mortes causadas por doenças cardíacas ou pulmonares.)

Reflexão final

Os dados apresentados demonstram que a destruição da floresta amazônica representa uma ameaça aos direitos constitucionalmente assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Vejamos o disposto no artigo 225 caput e parágrafo 4º da Constituição Federal: 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. (grifo meu)

O conteúdo do artigo 225 da Constituição Federal encontra-se profundamente relacionado à ideia de que existem direitos coletivos, que extrapolam a individualidade de cada um e dos governantes. Este raciocínio foi bem explorado pelo  filósofo italiano Norberto Bobbio, em seu livro “A era dos Direitos”. De acordo com o autor, os “Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou que deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado.” (2004, p. 37). 

Porém, estes direitos não foram imediatamente concedidos aos homens unicamente pelo fato de existirem no planeta. Ao contrário, foram objeto de muita luta e disputa política ao longo de diversos momentos do processo histórico. Para Bobbio, os direitos dos homens harmonizam, gradativamente, as relações entre pessoas e governos. Isto é, os direitos não nascem todos de uma vez e sua constituição depende da ameaça que o poder exerce sobre as liberdades individuais: 

Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem — que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens — ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. (BOBBIO, 2004. p.9).

Nesse sentido, o autor identifica três fases distintas de criação dos direitos universais. A primeira corresponde aos direitos de liberdade (de pensamento, consciência, religião, etc.); a segunda aos direitos de igualdade (perante à lei); e a terceira aos direitos de fraternidade. Portanto, os direitos que têm como destinatário final a coletividade constituem-se em um momento histórico específico. Nas palavras de Norberto Bobbio:

Os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de Segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência) não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras declarações setecentistas. Essas exigências nascem somente somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los.- (BOBBIO, 2004. p 10) 

Ora, é nesta terceira geração que o meio ambiente se destaca como direito universal. Segundo Bobbio, os movimentos ecológicos reivindicam com razão a necessidade de viver-se em um ambiente não poluído, justamente porque o balanceamento ecológico da  natureza, de sua fauna e flora, é um direito de toda a coletividade. 

A redação do artigo 225 da Constituição Federal reflete exatamente essa ideia. Nesse sentido, é possível atribuir ao respectivo dispositivo legal a condição da mais importante normativa do Direito Ambiental brasileiro, uma vez que as ações do poder público e da iniciativa privada devem sempre respeitar a preservação dos recursos naturais não apenas no atual momento, mas notadamente para as futuras gerações – constituindo uma oportuna, e cada vez mais necessária, “era dos deveres”.

Referências:

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão.

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01 maio. 2024

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