capa de blogpost que contem uma série de absorventes distribuídos de forma diagonal
,

Pobreza menstrual no Brasil: violação de direitos e a Lei Federal 14.214

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

Em 2021, no processo de sanção da Lei Federal n. 14.214, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, foi fortalecido o debate sobre uma causa silenciada e, muitas vezes, ignorada no meio social: a pobreza menstrual. No Brasil, mais de 5 milhões de pessoas vivem sem acesso ao absorvente, acarretando riscos e diversos problemas na saúde, higiene e qualidade de vida das pessoas que menstruam.

Portanto, a Politize! irá abordar as implicações e definições detalhadas dessa lei no meio social e político para você se manter informado.

a imagem contém diversos tipos de absorventes dispostos em uma superfície plana.
Pobreza menstrual afeta mais de 5 milhões de pessoas no Brasil. Imagem: stockphoto.com

O que é a Lei Federal n. 14.214 de 2021?

A Lei Federal n. 14.214, sancionada em 2021, institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual. A lei, conforme o artigo 2º, aborda a estratégia à promoção da saúde e atenção à higiene para os seguintes objetivos:

I – combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação feminina, ou a falta de recursos que possibilitem a sua aquisição;

II – oferecer garantia de cuidados básicos de saúde e desenvolver meios para a inclusão das mulheres em ações e programas de proteção à saúde menstrual.

Terão direito e acesso ao programa instituído por esta lei:

I – estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino;

II – mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema;

III – mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal;

IV – mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

De acordo com o texto oficial, a implementação do programa será de forma integrada entre todos os entes federados, com destaque às áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública.

Veja também nosso vídeo sobre direitos das mulheres!

No Brasil, o poder político é distribuído entre as organizações que integram o Estado Federal, sendo entes federativos a União, Estados, DF e Municípios. Todos os entes federados são autônomos nos termos da Constituição Federal, inexistindo subordinação entre eles.

O poder público também foi responsabilizado por promover campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher e autorizar os gestores da área de educação a realizar os gastos necessários para o atendimento da medida.

Assim, o programa visa combater a precariedade menstrual, garantindo o suprimento do acesso a absorventes e outros itens de higiene no período menstrual.

Origem e tramitação do Projeto de Lei:

O projeto que deu origem à Lei n. 14.214, foi o PL 4.968/2019, da ex-deputada federal Marília Arraes (PT-PE). Foi aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados e em setembro pelo Senado Federal, sob a relatoria da senadora Zenaide Maia (Pros-RN). No entanto, o ex-presidente Jair Bolsonaro, apesar de ter sancionado a lei, vetou pontos cruciais propostos na lei.

Bolsonaro vetou o art. 1º do projeto que assegurava a distribuição gratuita de absorventes higiênicos femininos e similares em relação aos cuidados fundamentais na menstruação. O art. 3º também foi vetado pelo presidente, no qual constava a lista dos amparados pelo projeto, basicamente estudantes carentes, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

O ex-presidente alegou que a proposta dos artigos contrariava o poder público, pois o projeto não indicou fonte de receita ou medida compensatória. Juntamente, o artigo que determinava que as despesas do projeto seriam custeadas pelo orçamento disponibilizado à União ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi vetado pela mesma justificativa.

O governo afirmou que absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo SUS e não se encontram na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Ademais, o Executivo, novamente, alegou contrariedade ao interesse público pois iria gerar despesas obrigatórias sem o indício de receita, fonte de custeio da proposta e incompatibilidade com a autonomia dos estabelecimentos de ensino.

Análise dos vetos:

Após os vetos serem analisados pelos parlamentares, o Congresso Nacional os derrubou no dia 10 de março de 2022. Os vetos de Jair Bolsonaro foram derrubados por 64 votos a 1 no Senado e por 426 votos a 25 na Câmara dos Deputados.

O principal tópico vetado, que foi retomado na lei, prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua.

A pertinente e contínua aliança entre as parlamentares e organizações sociais contra o posicionamento de Bolsonaro foi um fator considerável para a derrubada do veto. A mobilização foi feita a partir da consideração do veto como um ato contra as mulheres.

Leia também: desafios para a implementação dos direitos das mulheres

Declaração da Autora do Projeto

Marília Arraes, autora do projeto, simbolizou e reforçou a importância da derrubada do veto, sendo uma resistência e reparação a uma coação contra as mulheres. Marília continuou, dizendo que a retomada dos trechos vetados mudarão simbolicamente a vida das brasileiras que convivem com essa realidade omissa, e que sempre ficou fora das pautas parlamentares por conta da falta de representatividade das mulheres em espaços decisivos.

“Estamos fazendo uma reparação pelos anos em que esse assunto foi escondido, guardado ali numa caixa. Uma reparação à violência que tantas meninas e mulheres passaram ao ver esse projeto vetado e com todas as justificativas mais esdrúxulas no mundo.” disse Arraes.

Pobreza menstrual:

Todos os acontecimentos abordados giram em torno da Pobreza Menstrual. No inicio do texto, foi apresentado brevemente o cenário que nos conscientizou sobre a pertinência da pobreza menstrual na vida das pessoas que menstruam. No entanto, a conjuntura é ampla.

Em um relatório oficial, a ONU (Organização das Nações Unidas) definiu a pobreza menstrual como uma questão de direitos humanos juntamente com saúde pública, que requer ações em inúmeras esferas sociais para solucionar e/ou reduzir o impacto negativo na vida das pessoas que enfrentam essa conjuntura. É fundamental frisar que homens transexuais também menstruam.

Veja também: SUS e as bases de funcionamento da saúde pública no Brasil.

A menstruação é um processo natural e todas as pessoas que menstruam têm direito à dignidade menstrual, o que significa ter acesso a produtos e condições de higiene adequados. A pobreza menstrual, no entanto, é definida pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento para a plena capacidade nos cuidados voltados à própria menstruação.

A imagem contém uma pilha de absorventes externos (à esquerda) e uma pilha de moedas (à direita).

Cenário no Brasil

Em “A Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violação de Direitos”, relatório desenvolvido pela UNICEF em 2021, a pobreza menstrual é conceituada como um “fenômeno complexo, multidisciplinar e transdimensional”, já que envolve a esfera social, econômica, infraestrutural e educacional. Portanto, trata-se de um fenômeno originado da desigualdade social, racial e de renda.

Veja também nosso vídeo explicando o que é desigualdade social!

Na esfera educacional, a falta do absorvente prejudica diretamente o desempenho escolar dos estudantes, que deixam de ir às aulas no período menstrual, restringindo um futuro potencial na vida adulta. Ademais, um problema que já atingia milhões de pessoas no mundo, teve seus efeitos agravados pela pandemia.

Apesar da ONU ditar o acesso à higiene menstrual como um direito, esse não é cumprido de fato. No relatório Livre para Menstruar, da Girl Up, uma em cada quatro adolescentes brasileiras não possui um absorvente durante seu período menstrual.

Além disso, o relatório da UNICEF reforça que 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio, enquanto outras 4 milhões não têm acesso a itens de cuidados menstruais nas escolas, como absorventes, sabonetes ou banheiros.

O tópico também se expande para as prisões. Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 24,9% das presidiárias estão em presídios que não fornecem a estrutura adequada no quesito saúde.

Importância da distribuição gratuita de absorventes

Diante desse cenário, os impactos sociais, psicológicos, e na saúde íntima aumentam, como a evasão escolar, o tabu e o preconceito em cima da questão menstrual, e o aumento do risco de doenças e infecções. Em todos esses casos, o uso de materiais inapropriados para conter o fluxo, como panos, restos de jornal, papel higiênico e até miolo de pão, se torna recorrente.

O direito à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Portanto, é crucial o desenvolvimento de políticas públicas que garantam o mínimo necessário à dignidade e à higiene pessoal, como o fornecimento gratuito de recursos para as pessoas em situação de pobreza menstrual.

A partir dessa perspectiva, a importância da distribuição gratuita de absorventes se faz fundamental ao recuperar a dignidade, higiene e qualidade de vida das pessoas que menstruam.

Leia também: evolução da saúde pública no Brasil

Governo Lula

Na gestão Bolsonaro, o veto da oferta e distribuição gratuita do absorvente mobilizou ativistas, educadores e políticos, que alegaram a negligência do tema da pobreza menstrual.

Contudo, no dia 8 de março, em celebração ao Dia Internacional da Mulher, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou uma série de ações com o objetivo de assegurar direitos às mulheres, uma delas sendo o decreto que garante a distribuição de absorventes pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O produto será providenciado pelo Ministério da Saúde e o investimento previsto para o Programa de Proteção e Promoção da Dignidade Menstrual será de R$ 418 milhões por ano, com uma população beneficiada de 8 milhões de pessoas, segundo o governo federal.

O programa foi pensado para todas as pessoas que menstruam, o que diz respeito às mulheres cisgênero, homens trans, pessoas transmasculinas, pessoas não binárias e intersexo.

A Lei Federal n. 14.214 de 2021 é uma questão abrangente, que, além do seu andamento, implica diversas problemáticas sociais, por isso a Politize! se dispõe a explicar da melhor forma possível!

E aí, conseguiu entender mais sobre a pobreza menstrual? Conta pra gente nos comentários o que você achou da lei!

Referências:

GoCache ajuda a servir este conteúdo com mais velocidade e segurança

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Mulher branca com cabelo liso e comprido.
Conteúdo escrito por:
Uma jovem apaixonada por escrita e estudos de gênero, sempre buscando levar adiante conhecimentos sobre feminismo e emancipação feminina para tornar mais meninas ativas nas questões de gênero e reeducação social.

Pobreza menstrual no Brasil: violação de direitos e a Lei Federal 14.214

22 abr. 2024

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo