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Preto ou negro: qual é a forma correta?

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O crescimento da circulação do debate racial no Brasil é inegável e com o advento da internet, mais precisamente do Marco Civil da Internet, além dos internautas terem acesso a informações em um clique eles também se tornaram formadores de opiniões, e, se sentem à vontade para opinar sobre diversos temas que viralizam, isto é, tornam-se relevantes.

Por esse motivo, a escalada do chamado “politicamente correto” tem feito com que o povo brasileiro revisite as significações impostas aos termos preto e negro para se informar sobre o que é “correto” ou “incorreto” dizer nos dias atuais.

Veja também nosso vídeo sobre racismo estrutural!

Como surgiu a Língua Portuguesa?

Para refletir sobre como surgiu a Língua Portuguesa em nosso país é preciso relembrar o histórico sangrento de colonização do Brasil. Então antes de decidirmos o que é certo ou errado no vocabulário brasileiro precisamos resgatar em nossa memória uma realidade pouco explorada nas escolas a respeito da fundação da língua do nosso país.

Durante o período de colonização do Brasil, para além de serem assassinados, torturados e explorados, os povos originários foram catequizados. Isso significa que eles foram obrigados a deixar de lado sua cultura e, por consequência, sua língua para aprenderem os saberes que lhe foram impostos como sendo os unicamente corretos.

O fato do Brasil ter sido colonizado por Portugal, foi um fator significativo quanto as imposições culturais e religiosas no desenvolvimento Brasil. Em razão dos portugueses desconhecerem a cultura dos povos originários que aqui já residiam, os colonizadores passaram a impor o que eles tinham como referências adequadas.

Em resumo, apenas os ideais e costumes europeus eram o certos, o que equivale a dizer que para eles o correto era a cultura branca, logo, a língua dos brancos.

Figura 1: povos originários

Grupo de indígenas reunidos
Fonte: Fábio Vilela – FUNAI

Neste mesmo cenário, a população, em sua maioria africana, escravizada durante séculos e trazida para nosso território, podemos dizer que ambos, africanos e povos originários, foram destituídos de suas origens e ancestralidades.

Assim, é fato que a linguagem é, antes de tudo, socialmente construída, por isso, tal mistura de culturas também aconteceu na linguagem do que viria a servir de comunicação do povo brasileiro, o português.

Cabe ressaltar que há uma subnotificação de dados sobre a população indígena, por diversos fatores, porém, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2010, 96,5% da população autodeclarada indígena residente fora de áreas indígenas fala português enquanto 57,3% dos residentes em terras indígenas falam língua indígena.

Figura 2 e3 : Distribuição percentual dos indígenas por tipo de língua falada:

Gráfico sobre percentual de falantes da língua indígena
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Percentual de falantes da língua portuguesa
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

Diante disso, é preciso ponderar que há diversas línguas indígenas de múltiplas comunidades no país, “os índios do Brasil não são um povo: são muitos povos, diferentes de nós e diferentes entre si. Cada qual tem usos e costumes próprios, com habilidades tecnológicas, atitudes estéticas, crenças religiosas, organização social e filosofia peculiares, resultantes de experiências de vida acumuladas e desenvolvidas em milhares de anos. E distinguem-se também de nós e entre si por falarem diferentes línguas.” (RODRIGUES, 1986, p. 17).

E os dados do IBGE sugerem fortemente que se não houvesse colonização no Brasil hoje certamente seríamos falantes de várias línguas indígenas, o que era comum no passado, e, fazia deles seres multilíngues, pois, em uma mesma aldeia falavam mais de uma língua.

Como comprova o Instituto Socioambiental – ISA o número estimado de era de que existissem 1.000 línguas indígenas no país:

“No processo de colonização, a língua Tupinambá, por ser a mais falada ao longo da costa atlântica, foi incorporada por grande parte dos colonos e missionários, sendo ensinada aos índios nas missões e reconhecida como Língua Geral ou Nheengatu. Até hoje, muitas palavras de origem Tupi fazem parte do vocabulário dos brasileiros. Da mesma forma que o Tupi influenciou o português falado no Brasil, o contato entre povos faz com que suas línguas estejam em constante modificação. Além de influências mútuas, as línguas guardam entre si origens comuns, integrando famílias linguísticas, que, por sua vez, podem fazer parte de divisões mais englobantes – os troncos linguísticos. Se as línguas não são isoladas, seus falantes tampouco.” (2019)

Assim, após retomarmos aspectos importantes acerca de como surgiu a língua portuguesa entramos mais especificamente na temática do texto: Preto ou negro? Qual é a forma correta?

Veja também nosso vídeo sobre direitos étnico-raciais!

Classificação do IBGE

Durante a realização do censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas entrevistadas respondem perguntas quanto a sua cor. O sistema classificatório do IBGE utiliza, simultaneamente, os métodos da autoidentificação e heteroidentificação para a classificação por cor ou raça.

O instituto oferece 5 opções, em ordem alfabética:

  • (I) Amarelo;
  • (II) Branco;
  • (III) Indígena;
  • (IV) Pardo;
  • (IV) Preto.

Deve-se lembrar que conforme a definição do IBGE, considera-se negro aquele que se autodeclara preto ou pardo, pois a população negra é o somatório de pretos e pardos.

O poder da linguagem: preto vs negro

Figura 4: Nabby Clifford

Homem negro falando e gesticulando
Fonte: Reprodução youtube

Após ter seu vídeo viralizado nas redes sociais, o ganês, Nabby Clifford, considerado embaixador do reggae no Brasil, país onde reside desde 1983 fez um vídeo sobre o que ele havia percebido a respeito do uso das palavras negro e preto no vocabulário dos brasileiros. O vídeo, na época, alcançou 6 milhões de visualizações, e mais de 200 mil compartilhamentos. Nele, o cantor constatou que:

“Um país, o Brasil, usa palavras como lista negra, dia negro, magia negra, câmbio negro, vala negra, mercado negro, peste negra, buraco negro, ovelha negra, a fome negra, humor negro, seu passado negro, futuro negro (…). Pega o dicionário de língua portuguesa, está escrito: negro quer dizer infeliz, maldito. Brasileiro quando valoriza alguma coisa não fala negro, ele fala preto.”

Então, de acordo com a interpretação apresentada por Clifford, os brasileiros, quando querem emitir juízos negativos normalmente associam ao uso do termo negro, como nos exemplos citados acima, e quando o juízo é positivo convencionou-se o uso do termo preto, para ele, o brasileiro:

“Ele não come feijão negro, come feijão preto, o carro dele não é carro negro, o carro dele é carro preto, ele não toma café negro, toma café preto, a fome é negra, quando ganha na loteria, ganha uma nota preta. Se branco não é negativo, preto também não é negativo.”

Tal observação, inevitavelmente, esbarra na discussão a respeito do colorismo, que compreende “a maneira pela qual compreendemos a condição negra, inferiorizada e subjugada ao branco; mas também tem como solução a compreensão dessa mesma condição negra, desde que liberta de sua grade racista.” (DEVULSKY, 2021, p. 12).

O que implica dizer que no imaginário social do brasileiro contemporâneo a primeira definição compreende o uso do termo negro e a segunda prevê a condição de enaltecimento do termo preto.

Contudo, quando pensamos no âmbito da linguagem, “é na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, dado que somente ao produzir um ato de fala, ele constitui-se como eu” (BENVENISTE, 1996, p. 259). Desse modo, se compreende que o homem se torna sujeito no mundo através da linguagem.

Além disso, a língua é mutável, o que significa que ela se adapta as nossas necessidades enquanto falantes. Nesse sentido, observamos que há uma mudança em curso, sobretudo advinda dos movimentos negros que visam ressignificar positivamente ambos os termos, preto e negro e, por consequência, as sua existência.

Ao refletirmos enquanto cidadãos como as construções de sentido acerca as palavras negro e preto, tidas como sólidas, pois são usadas há muito tempo, alinham-se ao nosso passado não tão passado de racismo contra as pessoas negras, a continuação desses usos de cunho pejorativo tanto de negro como preto contribui para perpetuar a desigualdade racial.

Por isso é que a representatividade, nesse caso, ressignificação de uso dessas palavras, é extremamente relevante porque visa “desmantelar as narrativas discriminatórias que sempre colocam minorias em locais de subalternidade.” (ALMEIDA, 2019, p. 68)

Figura 4: Éramos as cinzas e agora somos o fogo, da série Pardo é Papel.

Obra de arte gráfica
Fonte: Maxwell Alexandre, 2019.

Para o artista carioca da exposição “Pardo é papel”, Maxwell Alexandre, “nos dias de hoje, com a internet, os debates e tomada de consciência e reivindicações das minorias, os negros passaram a se entender e se orgulhar como negro, assumindo seu nariz, seu cabelo, e construindo sua autoestima por enaltecimento do que é, de si mesmo. Este fenômeno é tão forte e relevante, que o conceito de pardo hoje ganhou uma sonoridade pejorativa dentro dos coletivos negros. Dizer a um negro que ele é moreno ou pardo pode ser um grande problema, afinal, Pardo é Papel” (2021).

Diante disso, o debate sobre a qual é a forma correta de se usar os termos preto e negro vai ao encontro ao que propõe a linguagem inclusiva “é aquela que busca comunicar sem excluir ou invisibilizar nenhum grupo”.

Então, o uso correto dos termos preto ou negro é aquele em que ambos são usados com características positivas sem relegar aos negros a negatividade.

Por exemplo, em usos “inveja branca” como boa e “inveja preta” negativa, enfim, é verdade que em todos os aspectos em que essas palavras podem ser empregadas de forma negativa, bem como observou Nabby Clifford, devem ser ressignificadas.

Resumidamente, no Brasil ainda não temos um consenso exato a respeito do uso dos termos negro e preto, embora haja um forte movimento de ressignificação positiva de “preto” também temos o caso de lideranças negras que reivindicam seu uso, como é o caso da escritora, Conceição Evaristo:

“Sou de uma geração que assistiu esse esvaziamento negativo da palavra negro. A palavra negro era usada sempre no sentido pejorativo. Quando queria atingir uma pessoa negra, o termo era usado. Houve um trabalho, uma autonomeação da palavra negro para esvaziar o sentido negativo dessa palavra. Foi criada uma semântica de positividade. Isso muito por meio da literatura. (…) Conceição usa com mais frequência o termo negro, mas lembra que, influenciada pelas novas gerações, passou também a adotar o termo preto. “Prefiro o termo negro. É mais enfático por esse trabalho de criar um novo sentido, de rebater o sentido negativo da palavra e se afirmar como pessoa negra em todos os sentidos”, diz. (JORNAL ESTADO DE MINAS, 2020).

E para você, essa reflexão fez sentido? Qual é o correto, preto ou negro? Deixe sua opinião nos comentários!

Referências:

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14 comentários em “Preto ou negro: qual é a forma correta?”

  1. Eu discordo de dizer Côr: Branca, pois branco é a cor de fundo desse local de comentário e dizer cor preta, pois preto é a cor do traçado de linha do local deste comentário, o mais certo seria dizer:
    Cor da pele: Clara ou escura, simplesmente isso. Porque ninguém é branco ou preto.

  2. Sou filha de pai Negro avós Pretos e tenho a cor parda e não tenho problema nenhum com isso. O politicamente correto está gerando exclusão ao invés de inclusão.

    Façam uma pesquisa séria e criteriosa. Ouçam o que meu pai e meus primos dizem: EU SOU NEGRO, RAÇA NEGRA, ORGULHO DE SER NEGRO. Eu me identifico também com estas falas e, já tive uma amiga muito querida que parou de falar comigo porque eu “não usei o termo correto”.

    A mudança está incluindo ou excluindo? Sequer há um consenso entre usar preto e negro.

  3. Acredito que quando não se perguntar mais sobre cor de pele, e isso for insignificante,pq tudo seria igual, direitos e etc, acabaria toda essa questão,se somos todos iguais pq classificação de cor de pele?
    Pra mim é aí q o racismo começa.

  4. Preto, negro, branco, amarelo, vermelho, europeu… nada disto importa… o que importa é que as pessoas devem se respeitar. Em espanhol, preto é simplesmente negro. O Brasil colônia, por 40 anos, entre 1580 e 1640, foi governado pela União Ibérica (Portugal e Espanha) e certamente recebeu a influência da língua espanhola. A escravidão foi aceita como normal desde os tempos bíblicos – José, hebreu, foi vendido pelos irmãos como escravo para os egípcios. As tribos africanas faziam guerra e escravizavam os inimigos, que vendiam para os traficantes de escravos, que foram trazidos para as Américas. Os hebreus foram escravizados pelos mesopotâmios. No entanto, hoje nos repugna esta situação. Somos uma raça única – a raça humana e devemos ter sentimentos humanos/humanitários para com cada semelhante. As crianças não discriminam, por qual razão devemos discriminar? A meu ver, o feriado da Consciência Negra é discriminatório, pois consciência não tem cor.

  5. Certíssima. Temos que ter cuidado com exageros. Negro é um nome lindo. Preto é bonito também, não tão lindo. Só acho feio o “pardo”. Por que não moreno ou morena? São lindos.

  6. Em se tratando de coisas, objetos a expressão preto acho correto, mas pessoas são negras, que vem de raça. Ninguém é de cor branca como uma folha xamex e nem preta . Acho essa classificação do IBGE meio estranha.

  7. Wladimir Wagner Rodrigues

    Sou um homem de pele clara, branco para o IBGE. Li o artigo à espera de algo mais definitivo para a pergunta inicial, justamente para não incorrer em algum equívoco e ofender alguém sem a intenção. Obrigado pelos esclarecimentos. Percebo a necessidade de maior sensibilidade ao usar os termos “preto” e “negro”, e que mesmo a comunidade negra (usando aqui como referência Conceição Evaristo) está caminhando para um uso positivo de ambos os termos. Anseio o dia em que a cor de pele não seja um problema para a humanidade, apenas reflexo de sua diversidade.

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Conteúdo escrito por:
Graduada em Letras – Português – Inglês e suas respectivas literaturas. Mestra em Linguística. Doutoranda em Linguística. Interessa-se pelos temas violência de gênero, violência racial, feminismo negro e literatura brasileira contemporânea à luz da semiótica da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.

Preto ou negro: qual é a forma correta?

01 maio. 2024

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