Redes Sociais e Fake News: como a combinação impacta a sociedade?

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Você já deve ter ouvido falar em fake news. Esse fenômeno é potencializado pelo uso de redes sociais, meio em que elas podem ser acessadas e compartilhadas pelos usuários

Estima-se que 136 milhões de brasileiros são usuários do Whatsapp. O número representa mais de 60% da população brasileira. Trata-se do segundo país de todo o mundo com maior número de usuários do aplicativo.

O que parece bom à primeira vista pode, na realidade, ser bem preocupante. Como se tem acompanhado, muitas dessas plataformas sociais podem ser abundantes nascentes de desinformação.

Durante o período eleitoral no Brasil, por exemplo, pôde-se constatar o volume gigantesco de notícias falsas que saturam as redes sociais. Esses dados são confirmados pelo TSE ao noticiar que recebeu mais de 500 alertas diários de fake news no segundo turno das eleições de 2022.

A propagação de desinformação não atrapalha somente o cenário político, mas também o social sendo combustível de uma verdadeira “máquina de ódio”1. É sobre o impacto social das notícias falsas que a Politize! vai tratar neste texto.

Como uma Fake News viraliza através das redes sociais?

Quem usa alguma rede social consome conteúdos e segue pessoas, que lhes geram identificação.

As pessoas estão inseridas em bolhas, construídas com as escolhas que esses usuários fazem online, considerando o que inspira e em quem confiam.

É a confiança e a semelhança de ideais que faz as pessoas acreditarem no que outras que ocupam a mesma bolha dizem e, muitas vezes, compartilhar esses pensamentos uma verdade incontestável.

Veja também nosso vídeo sobre como identificar uma fake news!

As fake news podem ser uma notícia completamente falsa, uma meia verdade ou uma situação fora de contexto. Em todas essas possibilidades há sempre algo em comum: ela vai falar o que as pessoas que ocupam uma determinada bolha querem ouvir ou temem ouvir. Assim, fica muito mais fácil sua disseminação. Basta superlotar as redes sociais com a versão dos fatos que deseja proliferar para que ela se torne “verdade” e silencie, inclusive, as narrativas reais.

Trolls. Imagem: Freepick

Na era digital a onda de desinformação, muitas vezes, é impulsionada por robôs. Recursos de marketing das próprias plataformas também podem ser usados. É o caso do uso de algoritmos para evidenciar determinados conteúdos. Desse modo, essa onda atinge seu público alvo que vai compartilhar naturalmente a notícia justamente por conter elementos de algo que ele já acredita ou teme.

Em 2019 o instituto Ideia Big Data realizou pesquisa com 1660 entrevistados. Como resultado apontou que, no Brasil, 52% das pessoas confiam em notícias enviadas pela família através das mídias sociais e 43% confiam nas enviadas por amigos. Forma-se uma cadeia de pessoas que se identificam aumentando o compartilhamento de conteúdos sem sequer fazer uma checagem básica em fontes confiáveis.

A avalanche de desinformação gera consequências individuais podendo arranhar a reputação de indivíduos e até mesmo colocar suas vidas em risco. Além disso, observamos um impacto em larga escala na vida em sociedade.

Veja também nosso vídeo sobre liberdade de expressão!

Fake News e o impacto social

A especulação de boatos sempre foi praxe no âmbito político, especialmente dentro de debates de espectros distintos como meio de enfraquecer o oponente. Ocorre que com o avanço das formas de comunicação, a popularização da internet e o surgimento das mídias sociais, proliferar as fake news tornou-se muito mais acessível.

Pessoas conectadas. Imagem: Freepik

Alcançar as massas com a desinformação acirra a polarização, escancara as desigualdades e interesses e alimenta uma “máquina de ódio”. A influência impacta a democracia, estremece a sociedade, podendo vulnerabilizar por exemplo, a saúde, a educação e as mulheres.

Fake News x Saúde

Paralela à pandemia de covid-19, ocorria também uma pandemia de fake news. Uma enxurrada de notícias falsas que precisavam recorrentemente serem desmentidas para convencer a população a tomar os cuidados necessários e aderirem à campanha de vacinação.

Pelas redes sociais circulavam falsas notícias de que a máscara era responsável por acumular o vírus”, “tratamento precoce com cloroquina era eficaz“, “a vacina implantaria um chip”. Desinformação, muitas vezes, endossada por membros do poder público e profissionais da saúde.

O impacto de tanta fake news não poderia ser outro senão desastroso. O constante desestímulo ao uso de máscara, isolamento social e à vacinação fizeram com que países como Brasil e Estados Unidos se tornassem epicentro da pandemia. Alavancou o número de casos e impulsionou a mortalidade.

O Programa Nacional de Imunização do Brasil é uma referência internacional em distribuição de vacinas e realização de campanhas de conscientização. Sua avançada estratégia de vacinação é capaz de oferecer à população de forma ampla e gratuita um rol diversificado de imunizantes. Entretanto, a avalanche de desinformação vem ameaçando o PNI pela queda na taxa de cobertura de vacinas.

Nos últimos anos o Brasil não conseguiu se manter na taxa de vacinação recomendada pela OMS que é acima de 90%. Em entrevista ao G1, o médico-infectologista cooperado da Unimed-BH Adelino de Melo Freire Jr lembra que:

“A redução dessa taxa abre possibilidades de reintrodução de doenças que já haviam sido erradicadas no país, como é o caso do sarampo que, recentemente, voltou a circular em algumas regiões”.

Fake News x Educação

De acordo com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, uma informação falsa tem 70% mais chances de ser espalhada do que uma notícia verdadeira.

Com o acesso à internet por meio dos celulares, crianças e adolescentes têm amplo acesso às fake news sendo propensas à sua disseminação. O papel das escolas para auxiliar esses alunos a desenvolver senso crítico e questionar as notícias que chegam até eles é crucial para o combate da desinformação na educação.

O Ministério da Educação (MEC) precisou desmentir notícias que apontavam, por exemplo, cancelamento do Enem e mudanças nos horários e nas datas das provas. Além disso, especialistas em educação alertam sobre a influência das fake news na realização do exame já que podem induzir o estudante ao erro. Na elaboração da redação, por exemplo, influenciando-o a escrever citações e fatos que não condizem com a realidade.

Até mesmo os crescentes ataques violentos a escolas no Brasil tornaram-se alvo da criação e impulsionamento de boatos que aterrorizaram a comunidade escolar. Através de um alto número de compartilhamento pelas redes sociais, falsas ameaças de massacres em escolas por todo o país amedrontam alunos, pais e professores colocando em xeque a segurança escolar.

A onda de fake news modificou a rotina de muitas unidades educacionais que abonam faltas de alunos e/ou proíbem acessos de pessoas que não estudam ou trabalham no espaço, promovendo, inclusive, reuniões com pais de forma remota. As falsas ameaças prejudicam, inclusive, a investigação de ameaças reais à comunidade escolar.

Fake News x Mulheres

Dentre as inúmeras vítimas que a indústria de fake news pode fazer observa-se a reincidência de mulheres como alvo. Sejam atacadas em suas profissões, principalmente se atuarem na política ou imprensa; sofrendo com montagens de suas fotos ou até mesmo com a promoção de uma distorção da realidade do papel da mulher na sociedade como feito pelos redpill.2

Em 2019, durante uma audiência pública na Comissão de Defesa da Mulher da Câmara dos Deputados, especialistas informaram que os brasileiros são os que mais acreditam em fake news e, as brasileiras, são as principais vítimas da disseminação de informações e notícias falsas nas redes sociais.

Toda essa manobra, de se criar e compartilhar fake news nas quais as mulheres são vítimas, endossa o machismo e ratifica a misoginia já tão enraizados no nosso modelo de organização social. Isso porque o gênero, por si só, é historicamente descredibilizado. Através dos exemplos a seguir, será possível perceber com maior clareza a correlação entre as notícias falsas e o sexismo:

Na profissão

No jornalismo pode-se citar o caso de Patrícia Campos Mello. A jornalista foi uma das responsáveis por uma reportagem na Folha de S. Paulo que denunciou empresários patrocinadores de campanhas que atacavam um partido político às vésperas das eleições de 2018. As recorrentes notícias falsas e violências ensejaram a publicação de seu livro “A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital.”

Na política tem-se, por exemplo, o homicídio da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco falsamente atribuído a uma execução pelo Comando Vermelho aludindo que Marielle teria descumprido promessas feitas à organização criminosa.

À ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi imputada uma inexistente condenação por tráfico de drogas através da manipulação de um áudio do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Já no Congresso Nacional recente pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense concluiu que a deputada federal eleita pelo Rio de Janeiro, Talíria Petrone, é a parlamentar mais atacada nas redes sociais e vítima de uma sucessão de fake news.

As fake news com alvo nas mulheres são amplamente divulgadas, atreladas ao machismo e incitam o ódio e a violência de gênero. Como consequência, produz vítimas que podem sofrer agressões físicas e verbais, além de provocar distúrbios psíquicos e/ou mortes.

As Fake News sobre o “PL das Fake News” (PL 2630)

A viralização de desinformação por meio das mídias sociais não é um problema somente no Brasil. Pode-se acompanhar ao redor do mundo falsas notícias que impactam na política e no cotidiano das pessoas. Muitos países apostam na regulação das redes sociais como caminho de combate e controle da proliferação de fake news.

Uma pesquisa realizada pela Atlas Intel em 2023 aponta que quase 80% dos brasileiros entendem que deva existir uma lei para estabelecer regras claras para o funcionamento das redes sociais no país. 94% dos entrevistados pela pesquisa acreditam que o ambiente das redes não é seguro para jovens.

No Brasil a última lei promulgada para regular as mídias data de 1962, bem antes da concepção da internet como a conhecemos hoje.

Atualmente o Projeto de Lei 2630, também conhecido como “PL das fake news”, tramita no Congresso Nacional para promover a regulamentação dos novos meios de comunicação. Ocorre que até mesmo esse projeto vem sendo alvo de desinformação em larga escala.

A Agência Lupa, uma plataforma de combate à desinformação por meio do fact-checking e da educação midiática, fez uma checagem de “6 mentiras sobre o ‘PL das Fake News’ publicadas no Telegram”. Algumas delas foram:

1. “Manifestações religiosas na internet serão censuradas e podem virar crime”

Efetivamente, o parágrafo único do artigo 1º do projeto isenta conteúdos religiosos das vedações e restrições impostas pela proposta. Além disso, um novo trecho foi acrescentado na última versão, no artigo 3º, que afirma que a aplicação da lei deve observar “a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”, reforçando a proteção das crenças religiosas.

2. “Críticas ao governo serão tratadas como crime de ódio e retiradas do ar”

O texto do PL não faz menção a “crime de ódio”. O artigo 11 do projeto prevê que as plataformas devem atuar ativamente para remover conteúdos que se enquadrem nos seguintes crimes: contra o Estado Democrático de Direito; atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; contra crianças e adolescentes e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes; racismo; violência contra a mulher; infração sanitária.

Sabe-se que popularização da internet e o amplo acesso às redes sociais contribuem para a disseminação de notícias, sejam verdadeiras ou falsas, contudo a falta de checagem das fontes e procedência das informações pode gerar graves impactos sociais em áreas de extrema importância, como saúde e educação, além de endossarem preconceitos, como o machismo.

Você concorda que a disseminação das fake news é extremamente facilitada pelo uso das redes sociais afetando nossa democracia? Acredita que seja nosso dever, em nome da cidadania, checar toda e qualquer notícia em fontes confiáveis e não compartilhar desinformação? Deixe sua opinião nos comentários!

  1. Termo cunhado pela jornalista Patrícia Campos Mello em seu livro “A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”.
  2. Grupo masculinista que, por meio de discurso de ódio, impõe a submissão feminina e o resgate da virilidade masculina, valorizando um ideal de comportamento violento e predador dos homens
Referências:
WhatsApp Icon

3 comentários em “Redes Sociais e Fake News: como a combinação impacta a sociedade?”

  1. Ótimo texto! Os dados apresentados são muito impactantes… interessantíssima também a menção ao fato de que o próprio Projeto de Lei 2630, o “PL das fake news”, vem sendo alvo das fake news. Só ratifica a importância da aprovação dessa (ou de alguma outra similar) proposição legislativa.

  2. Marcos Franca de Almeida

    Muito Bom!!
    Na epidemia de desinformação que vivemos, a informação completa e útil é muito bem vinda e relevante!!

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Conteúdo escrito por:
Pesquisadora. Graduada em Direito pela UFRRJ. Mestranda em Ciência Política pela UFF. Ativista Social. Advogada (mas só nas horas vagas).
Antonio, Livia. Redes Sociais e Fake News: como a combinação impacta a sociedade?. Politize!, 30 de outubro, 2023
Disponível em: https://www.politize.com.br/redes-sociais-e-fake-news/.
Acesso em: 6 de out, 2024.

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